terça-feira, 3 de novembro de 2020

[AÇÃO GAMES 044] ALONE IN THE DARK (PC, 1992)[#543]




Cada geração de consoles possui um genero que a define, um tipo de jogo que é feito tantas vezes e com tanta frequencia que você humildemente se pergunta "MAS PUTA QUE ME PARIU ESSES CARAS NÃO SABEM FAZER OUTRO TIPO DE JOGO NA VIDA?!?".

Isso varia bastante conforme o hardware de cada época e o que é mais fácil programar para ele, ou  talvez o que não se podia fazer antes e agora pode, ou ainda apenas uma moda entre os gamemaníacos mesmo.


FUN FACT: a ideia original da Infogrames era produzir vários jogos dos mais diferentes tipos usando a mesma engine gráfica, esse era o projeto "Virtual Dreams". A coisa não foi pra frente e Alone in the Dark e sua continuação são os unicos jogos feitos com essa engine - porém o nome do projeto ainda pode ser visto na capa europeia do jogo. Que é mais bonita que a americana, alias.
Na era do PS2, por exemplo, você não podia chutar uma arvore sem cair meia duzia de jogos de tiro em primeira pessoa. No PS3/XBOX 360 a modinha eram os jogos de mundo aberto, inspirados no sucesso de Assassin's Creed (ou seja, a sombra nefasta de Jordan Mechner que nos assombra já que Assassin's Creed é um spin-off de Prince of Persia). Hoje o grande tchan da moda são os Action-RPG como The Witcher ou Final Fantasy XV, inspirados em como Dark Souls mudou para sempre as regras do jogo. E, claro, nos 16 bits a abundancia dos jogos de plataforma era uma coisa sem precedentes na história dos videogames.

Mas e na era do Playstation 1, qual que era a modinha da época? Ora, qualquer um que jogou aquela época vai se lembrar que aproximadamente 372,15% da biblioteca do PS1 era composta por Survival Horrors - lançados na trilha do sucesso paquidérmico de Resident Evil.

Em Resident Evil 1 (1996), seu maior inimigo eram os controles-tanque, seguido de perto pelos caras que queriam que você fizesse o cartão Renner como na imagem acima
Embora hoje seja um genero praticamente morto (os jogos de terror são raros e em primeira pessoa, até Resident Evil é em primeira pessoa hoje), a ideia era colocar seu personagem de controles muito travados em um ambiente opressivo com poucos recursos (pouca munição, poucos itens de cura, numero de saves limitado). Como lutar de volta contra as coisas que te ameaçavam era pouco prático (seja porque você não tem armas para isso, seja porque os controles não foram feitos para tal), você passa o jogo todo se sentindo a caça e não o caçador.

Ou seja, é um tipo de jogo pra você jogar com o cu na mão e cantando "COMO ZAQUEU EU QUERO SUBIR". A molecada da segunda metade dos anos 90 adorava, era algo que nunca havia sido feito antes (o máximo de horror que você sentia nos 16 bits era ouvir a placa de som pavorosa do Mega Drive) e passava uma vibe de "videogames não são mais coisa de criança" que combinava como uma luva com a fase da aborrencia que a nossa primeira geração de gamers estava passando.

Era o tipo de jogo certo no lugar certo.

Entra na minha casa, entra na minha vid... NÃO! NÃO FOI ISSO QUE EU QUIS DIZER!!!
E embora, como já foi dito, Resident Evil foi o grande definidor que colocou o genero no mapa, não foi ele que começou essa moda que marcou uma geração. Não, essa honra cabe a empresa francesa Infogrames, mais especificamente a Frédérick Raynal (sim, com dois acentos no nome para ser bem francesão mesmo), que deixou a todos nós Sozinhos no Escuro.

Como bom nerdzão da porra que era (bem, ele era programador, ia ser o que? Quarterback?), Raynal era apaixonado por duas coisas: jogos em 3D e RPG de mesa. Ele acreditava piamente que o 3D seria o futuro dos videogames (no que ele estava mais do que certo) tanto quanto sabia de cor e salteado todos os livros do Lovecraft.

Sim, porque jogadores de RPG modinha dos anos 80 jogavam D&D, mas os underground tr00 hipsters mesmo jogavam era Call of Cthullu!

O Chamado do Tchutchuco, RPG de 1981
A premissa do jogo já entrega por si só todas as inspirações lovecraftianas do nosso autor, dado que o mesmo começa em 1924 quando Jeremy Hartwood, um artista notável e proprietário da mansão da Derceto na Lousiana, cometeu suicídio se enforcando. 

Sua morte parece suspeita, mas não surpreende ninguém pois...


... porra, se isso não é uma mansão mal-assombrada meu nome é Emilinha Borba!

Enfim, o caso é rapidamente arquivado pela polícia e logo esquecido pelo público, afinal segundo o depoimento do seu fiel mordomo, Hartwood sofria de depressão há alguns meses. Sua saúde piorou consideravelmente quando ele passou a traduzir os muitos manuscritos antigos contidos na extensa biblioteca da mansão Derceto. Ele também sofria de insônia e as poucas horas de sono que tinha era erturbadas por pesadelos particularmente perturbadores. Então, é, eu diria que ninguem acha o suicidio uma coisa implausível nesse cenário. 

O jogador assume o papel de Edward Carnby - um detetive particular que é enviado para encontrar um piano no sótão para um negociante de antiguidades - ou Emily Hartwood, sobrinha de Jeremy, que também está interessada em encontrar o piano porque sabe que ele tem uma gaveta secreta e se o seu tio deixou um bilhete explicando seu suicidio, provavelmente estará lá. 

A mansão é repleta de monstros, criaturas sobrenaturais, demonios e... UM pirata. Why?

Não existe nenhuma diferença entre os dois personagens em temos de gameplay, e seja Carnby ou Hartwood, o personagem vai à mansão para investigar porque suas habilidades de investigação não incluem perceber que estão entrando OBVIAMENTE NA CASA DO CAPIROTO!

Enfim, Alone in the Dark tem todos os aspectos que você esperaria de um conto inspirado em Lovecraft, alguem perdeu a sanidade ao mexer com coisas que não deveriam ser mexidas, um mal antigo procurando retornar a este mundo e por vai. O enredo, entretanto, é totalmente opcional. A maior parte da história é contada através de livros que você pode encontrar espalhados pela mansão, embora não impede o seu progresso não le-los.



Isso sendo dito, a honra de ser a coisa mais assustadora do jogo não está nos seus elementos lovecraftianos, não. A coisa mais assustadora, que te dará os mais profundos pesadelos por noites a fio nesse jogo são os seus controles!

Deixa eu tentar explicar como se controla essa coisa, embora é possível que eu não seja capaz de me fazer entender porque esses controles são uma coisa que empalideceria Shub Niggurath!

Para começar, as setinhas da direita e da esquerda não fazem seu personagem andar: elas mudam o lado para o qual ele está virado.


Para avançar ou retroceder você tem que apertar a seta para cima ou para baixo, que fazem ele ir para frente ou para trás respectivamente. A sensação é exatamente de estar controlando um tanque de guerra que não consegue fazer curvas, e é justamente por isso que até hoje esses controles são chamados de "controles-tanque".

Como você pode imaginar, pilotar um tanque de guerra na forma de um investigador inglês poligonal não é nem de perto o que você poderia chamar de ideal para navegar em uma mansão repleta de cantos e coisas no caminho, desviar de monstros ou apenas fugir por sua vida.

Blimey! Mova seus membros suportivos inferiores de forma continuamente acelerada, Berg!
Se isso já não fosse ruim o suficiente, a engine gráfica usando poligonos 3D é claramente muito mais do que os computadores da época podiam suportar de modo que seus movimentos são executados com uma lentidão dolorosa - isso quando são, o jogo não registrar seus comandos é tão comum que é recomendado voce sempre apertar duas vezes o botão para caminhar.

Com efeito, originalmente a ideia é que os personagens jogaveis fossem jovens adultos quase adolescentes. Porém como o resultado final foi... esse... os programadores decidiram que faria sentido se fossem pessoas de mais idade, isso explicaria a vagareza. Ok, pelo menos vocês estão tentando o melhor que podem caras, dou o crédito por isso...

Em 2005, Alon in the Dark ganhou um filme... que figura em todas as listas de piores filmes do mundo. Uwe Boll delivers!


Mas enfim, os controles são horríveis, e sabe o que vem agora? Ora, o que senão o nosso bom e velho "CALMA QUE PIORA!". Além dos direcionais, existem três botões no jogo:

a) Um botão para correr que você vai usar UMA vez no jogo, já que tem apenas um único corredor nessa mansão que tem espaço para você correr sem trancar em nada com a jogabilidade troncha dos controles;
b) Um botão para abrir o inventário/menu de ações
c) Um botão de ação;

Mas o que é um "botão de ação"? Bem, funciona assim: ao apertar o botão de menu você pode selecionar qual ação ficará registrada para ser usada quando o botão de ação for apertado.


Então se você quiser empurrar um item, você tem que abrir o menu, selecionar Actions>Push e agora o "botão de ação" vai empurrar coisas. Se você quiser atacar, menu, Actions>Fight e agora o mesmo "botão de ação" vai ... o ataque mais awkward que eu já vi em toda minha vida jogando videogames. 

Sem mentira, mesmo Bubsy não tem ataques tão lames quanto isso:


Ok, eu entendo o ponto. Os livros de Lovecraft não são aventuras onde você é suposto lutar contra os monstros, tudo bem. Mas já que o jogo te obriga a fazer isso de qualquer maneira, teria como fazer isso de uma forma que o seu ataque não tivesse um tempo de "carregamento do chute" que varia conforme o jogo consegue processar?

Não tem nem como ter um timing para o seu ataque por a execução dele varia! Fuckety fuck!

Detetive Carnby viu coisas que não podem ser desvistas
Quando você não está dando chutinhos lames em monstros e... e...


... eu não vou sequer tentar fingir que sei o que isso é. Enfim, quando você não estálutando contra ISSO, o que você faz nesse jogo, exatamente?
Então, como dá para imaginar pelo menu de ações que você tem disponível, esse jogo é basicamente um point'n click só que 3D. Colecione itens para resolver puzzles usando a ação especifica para isso, só que você efetivamente controla seu bonequinho na tela. Então, por mais estranho que isso possa soar, o primeiro Survival Horror jamais produzido deve ser julgado pelo quão bom point'n click ele é.

E eu tenho que dizer que ele não é um point'n click muito bom.

Veja, existem duas coisas que fazem um PnC ser PNC pra mim: o jogo te dar mortes baratas apenas porque sim, e a outra coisa com a qual eu não posso ser leniente são puzzles completamente cripticos que só fazem sentido na cabeça de quem bolou ele.


Deixa eu dar um exemplo: você começa o jogo no sótão da mansão e deve fazer seu caminho até o porão, onde supostamente está o mal primordial que fez o tiozinho cometer suicidio. Só que a escada do segundo para o primeiro andar é guardada por duas dessas criaturas, uma em cada lance de escada e elas não saem do lugar mas te atacam se você chegar perto.

Eles são imunes a tiros e não podem ser mortos de qualquer forma. Então como você passa por eles? Super easy, barely an inconvenience!


Você precisa colocar um espelho na quina da parede bem na frente deles, um na frente de cada demonio.


Fazer isso vai fazer os demonios explodirem! MAS QUE?!?

A única explicação que eu consigo pensar é que fazer uma ver o reflexo da outra as destroi... de alguma forma? Cara, um puzzle que você ACHA que talvez tenha uma explicação só depois que conseguiu fazer através de tentativa e erro é a textbook definição de um puzzle ruim!

E o jogo todo é assim! Ah, e se você se aproximar dela com o espelho no inventário e for atacado, o espelho quebra "dentro do seu bolso" e o jogo não pode mais ser terminado. PQP, viu o que eu disse com o jogo ser repleto de instadeaths baratas? Mas vão se foderem!

Foda-se essa merda, vou só ir embora pela porta da frente e... Game Over.
Todos os puzzles do jogo seguem essa lógica de "chuta aí o que o programador estava pensando" e eu não posso enfatizar o quanto não divertido isso é. Para piorar ainda, o jogo também estabelece um dos pilares do survival horror aqui: o inventário limitado.

Você tem poucos espaços no inventário e o jogo te atulha de lixo de uma forma inacreditavel. A menos que você saiba exatamente o que você precisa fazer, você vai passar alguns anos da sua vida tentando todos os itens em todos os lugares até alguma coisa funcionar - e fazendo muitas, mas muitas viagens de ida e volta.

Deixa eu dar outro exemplo do quão obnoxioso esse jogo é: existem 4 itens de cura no jogo inteiro. QUATRO. O item de cura está dentro de um kit médico. Você precisa usar "abrir" no kit médico, vai ter uma garrafa dentro dele. Você precisa usar a garrafa para bebe-la e então se curar. Até aí, chatinho mas ok.

No céu tem pão? E The End.


Só que todas essas coisas FICAM NO SEU INVENTÁRIO OCUPANDO ESPAÇO! Você precisa manualmente selecionar a caixa do kit médico para jogar ela fora, e depois jogar a garrafa fora. ou seja, você precisa de dois espaços no inventário (que já esta cheio de tanto lixo inutil que voce pega mas nunca sabe se vai servir para alguma coisa). E o mesmo para todas as 180 chaves que essa porra da mansão tem! Argh!

E quando você acha que já sofreu o suficiente com os puzzles aleatórios e os controles horrendos, o jogo então entra na sua reta final e você vai para uma dungeon embaixo da mansão. Se você entrar nela sem ter os itens certos, é apenas perda de tempo, alias. Mas o pior nem é isso, e sim que na reta final o jogo decide deixar de ser um point'n click e passa a ser o pior jogo de plataforma do mundo.

Porque sério, se só andar nesse jogo já um desafio, como então você pode esperar que alguém faça isso:


Mas caralho manco!

Em suma, Alone in the Dark pode ser aplaudido pelas ideias que teve de fazer um point'n click 3D com elementos de ação que criou um novo genero (com efeito, não tem NADA que Resident Evil tenha feito que não tenha sido inventado por AitD - até a cena do monstro entrando pela janela).  

Só que isso esbarra em dois grandes problemas: a tecnologia da época não estava pronta para fazer um jogo de ação 3D, e o pessoal da Infogrames é muito ruim em escrever point'n clicks. Só porque você teve uma ideia original que junta dois generos isso não quer dizer que você seja bom naquilo que você está juntando. 

Infelizmente esse é o caso aqui. Jogo hediondo de ser jogado, valor histórico incomensurável.

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