segunda-feira, 28 de setembro de 2020

[AÇÃO GAMES 054] SONIC 3 (Mega Drive, 1994)[#506]

 Nossa história de hoje começa em uma tarde tempestuosa, em que os céus escuros pranteiam lágrimas prateadas. Os céus choram por um inimigo caído. Produção, música adequeda por favor:


Como todos sabemos, hoje a Sega dos anos 90 está morta. Ela sobrevive ainda como desenvolvedora/produtora de jogos, porque enquanto houver crueldade no coração dos seres humanos a Ark Sega continuará existindo - como por exemplo impedir que a gente namore o Kanji ou o Yusuke em Persona, eles vivem destas pequenas maldades nos dias de hoje. Mas de modo geral hoje a Sega é uma nota de rodapé no cenário de videogames, nada perto do que ela já foi um dia de grande player do cenário.

Mas como essa queda da graça aconteceu? Como a Sega passou de segunda opção dos videogames a "hmm, esses caras existem ainda, né?"? Pois essa é a história de hoje.
A capa japonesa tem uma arte mais bonita, mas a ausencia de raposinhas de caudas voluptuosas me obriga a escolher a capa ocidental

Nesse ponto da história estamos após anos e anos de patetices nascidas da necessidade de tentar vencer com saltos laterais e truques, já que eles não tinham como ganhar da Nintendo fazendo o principal que um videogame deve fazer: fazer um console bom e jogos melhores ainda. Eles não tinham como vencer essa guerra e meio que até hoje ninguém ainda tem: ninguém vence a Nintendo no próprio campo dela,  no que ela especificamente se propõe a fazer ninguém ganha. Nem mesmo colossos como a Microsoft ou a Sony - quanto mais a coitada da Sega.

Por isso a Sega tentava compensar a derrota no prato principal dos videogames com várias ideias, nem todas ruins mas algumas a frente demais do seu tempo como jogos via streaming, realidade virtual ou detecção de movimentos. Não são ideias ruins per se, pelo contrário, mas é óbvio que em 1993 não havia tecnologia suficiente para isso.

Radical awesome dude

O resultado é que no Estados Unidos a Sega segurava as pontas mal e mal através desses truques e traquitanas, uma cortina de fumaça criada por marketing agressivo e preço artificialmente mais baixo. No Japão, por outro lado, onde essas palhaçadas ocidentais eram vistas como, bem, palhaçadas ocidentais a Sega ia de mal a pior, sangrando vendas a cada dia que passava.

Esse atrito entre o que funcionava no ocidente e no oriente criou um atrito entre os dois comandos, que eventualmente se tornou em um racha deliberado - e que levou aos infelizes eventos que culminaram no fim da Sega como desenvolvedora de consoles. A trágica história de como o Sega Saturn efetivamente matou a Sega ainda será contada, mas hoje é dia de contar a história do ferimento inicial que se transformou numa infecção generalizada, de como a Sega do Japão e a Sega da América declararam guerra uma contra a outra.

Essa é a história de Sonic 3.


Mas pra entender Sonic 3, é necessário voltar um pouco mais no tempo, até o primeiro jogo do Sonic. SONIC: THE HEDGEHOG foi lançado em 1991 como a grande arma da Sega para conter o novíssimo em folha Super Nintendo, o vídeogame moderno que todas as crianças que cresceram com o Nintendinho/Famicom estavam esperando pelos últimos cinco anos.

E para isso a Sega da América investiu pesado em marketing para torna-lo o produto que definiria os anos 90: ele era radical, ele era maneiro, era cheio de atitude, era irado e totalmente não criancinhas! Sonic era os anos 90 para jovens dos anos 90, fuck yeah!

Como resultado, o primeiro jogo do Sonic foi um sucesso monstruoso nos Estados Unidos BECAUSE ATITUDE DUDE! É TÃO RADICAL E TÃO IRADO! GOTTA GO FAST YEAH DUDE! Já no Japão, eles viram toda essa atitude, essa radicalidade toda... mas as crianças só queriam realmente saber uma coisa: o jogo é bom?

Nada me faz mais querer comprar um jogo do que uma propaganda que mostra o protagonista escorregando

Então, não. Sonic não era um bom jogo - tinha problemas conceituais que a Sega nunca soube resolver que tornavam a experiencia mais frustrante que divertida - e no Japão isso era fim de conversa. Se o jogo não é bom, o jogo não é bom. Ponto. Nos Estados Unidos o jogo continuou tão ruim quanto, mas as crianças queriam porque a propaganda dizia que era o que jovens descolados deveriam querer because AMERICA FUCK YEAH.

Isso levou a um grande racha interno na Sega, porque o criador de Sonic, Yuji Naka, não estava nada feliz:


E foi o que ele fez: Yuji Naka pegou boa parte do "Sonic Team" e foi para os Estados Unidos, onde ele louvado como um herói, para desenvolver Sonic 2. O resultado é que SONIC 2 é muito mais americanizado que o seu antecessor, o que quer dizer que ele é MAIS irado, MAIS radical, tem MAIS atitude... e consegue ser um jogo pior ainda, mais estressante e irritante para o jogador.

O resultado foi bastante parecido com o jogo anterior: o marketing fez Sonic 2 ser carregado nos braços nos Estados Unidos, enquanto no Japão o fato que, bem, o jogo ainda é ruim e nenhum shenanigans do marketing no mundo iria mudar isso.



Entretanto o tempo, bem, o tempo é uma coisa engraçada. Com o passar dos meses aconteceu que a Sega do Japão estava sendo demolida, destroçada pela Nintendo em vendas numa velocidade que eles sequer podiam imaginar, enquanto a Sega America também perdia mas perdia segurando suas pontas muito melhor que a Matriz.

E é aqui que a grande diferença cultural entre o Japão e os Estados Unidos pegou forte. Porque no Japão, a empresa que você trabalha é instituição tão sagrada quanto a própria família, existe uma hierarquia, existe um modo e um tempo em que as coisas são feitas. Uma empresa faz o que ela deve fazer, da forma que ela deve fazer. Na América existe a cultura do self-made man, do sonho americano: você pode chegar com uma mão na frente e outra atrás e escalar seu caminho até o topo, não existem verdades pre-definidas, e isso de "seu lugar na empresa" existe apenas resultados.

É só para pra ver que a imagem que a gente tem do executivo americano, um babacão que venderia a própria mãe por um resultado imediato, é muito diferente do executivo japonês que faria um sabaku se as coisas derem erradas na empresa.

Pois bem, e a Sega com isso?

O Tail é praticamente o mesmo, mas eu acho a arte do Sonic 2 mais bonita

Ora, a Sega tem que foi apenas questão de tempo até a Sega da América chegar a seguinte conclusão: "Nós estamos tendo resultados MUITO melhores do que a matriz no Japão, estamos carregando essa companhia nas costas... porque é que a gente tem que obedecer as ideias perdedoras deles e não o contrário?". De fato, de um ponto de vista de números a Sega da América estava performando MUITO melhor que a Sega do Japão e faria sentido eles que darem as cartas... mas na cultura empresarial japonesa esse tipo de insubordinação é simplesm ente impensável. Não importa o quão bem você performe suas atividades, uma branch family nunca vai ser a família principal, é até ofensivo pensar de outra maneira.

É a coisa da filosofia japonesa batendo de frente com a cultura americana.


E então chegamos a Sonic 3, quando essa diferença de visão se transformou em combate aberto. Isso porque a Sega do Japão viu que seus números de vendas sangravam a cada dia que passava e que alguma coisa eles precisavam fazer. 

Bem, ALGUMA COISA Yuji Naka estava fazendo certo, porque Sonic era um sucesso enorme no ocidente, então eles propuseram o seguinte para ele: "volte para casa, vamos trabalhar com calma juntos e fazer algo realmente grande", ao que a proposta lhe pareceu bastante tentadora - Yuji e seus parças do Sonic Team ainda eram japoneses no fim do dia, e a proposta de ser reconhecido em sua terra natal não é algo que ele poderia facilmente ignorar.

E assim ele começou a trabalhar em alguns conceitos iniciais para Sonic 3. Que inicialmente se chamaria Sonic 3D e seria um dos jogos mais ambiciosos jamais produzidos até então. Em primeiro lugar, eles usariam a tecnologia que permitiu jogos em 3D nos consoles de 16 bits como Starfox ou VIRTUA RACING e fazer um jogo verdadeiramente 3D com poligonos no Mega Drive.



Você pode se perguntar se a tecnologia daquela época estava pronta para fazer um jogo 3D rodar totalmente funcional em 1993. E a resposta é que se você acha que a Sega tentaria fazer algo que está no caminho certo mas a tecnologia ainda não estava pronta... é porque você não entendeu como as coisas funcionam na Sega. Com efeito, esse mesmo jogo que Yuji Naka queria fazer foi efetivamente feito... dois anos depois pela Nintendo, quando a tecnologia estava pronta para isso. A história dos anos 90 em uma casca de nóz.

It's a me, Super Mario 64! Yahoo!

Ainda sim a Sega do Japão começou a trabalhar nisso, mas essa não era a única ideia que Yuki Naka queria desenvolver com os seus compatriotas, a ambição dele ia além disso: ele queria fazer um jogo enorme - mais de dez mundos, cada um com um chefe.

Não apenas grande, mas diversificado: o jogo teria três personagens diferentes (Sonic, Tails e o novato Knuckles), cada um habilidades únicas: Sonic seria rápido, obviamente, Tails voaria e Knuckles poderia abrir caminho na porrada além de escalar paredes. Isso levaria a level design diferentes, e eles estavam discutindo se esses leval design seriam fases diferentes para cada personagem (como em WORLD OF ILLUSION STARING MICKEY MOUSE AND DONALD DUCK) ou se seriam as mesmas fases com caminhos diferentes dentro dela.

Tenho que observar que nesse jogo a pergunta mais importante da franquia ainda não foi respondida: por que Tails não é o protagonista dessa série, afinal?

Claro que isso levaria um tempo enorme tempo para desenhar, já que eles tinham grande dificuldade em acertar as fases para aproveitar o Sonic sozinho (ao contrário do que os fãs gostam de lembrar, a Green Hill Zone é a única fase que funciona realmente em Sonic), mas com calma e trabalhando duro eles chegariam a um lugar que mudaria o curso dos videogames e certamente colocaria a Sega de volta na briga.

Porque, sabe, é isso que a Sega precisava no fim do dia: não de truques de marketing, não de tecnologias do futuro que não funcionavam, mas sim de enorme e suculento JOGÃO BOM DA PORRA. Um jogo pra fazer as crianças dizerem "puta merda, eu preciso jogar isso!". Meio que... bem, como a Nintendo faz até hoje para vender seus consoles, sabe?

Sim, esse seria o maior jogo da história da Sega, um jogaço para coloca-los de volta na luta... ou seria, se não fosse que tudo mudou quando a Nação da Sega da América atacou. Tom Kalinske, presidente da Sega da América, ao saber que a Sega do Japão pretendia levar sua galinha dos ovos de ouro para o Japão disse:


Ele tratou de apressar um contrato que ele já vinha negociando a algum tempo, na verdade seu mais ambicioso e maior projeto até então, e isso definitivamente ensinaria uma lição aqueles japoneses safados: no maior contrato de publicidade já feito até então, a Sega faria uma parceria com o Mcdonalds não apenas para distribuir brinquedos do Sonic no Mclanche Feliz, como o fast food ainda daria dez mil jogos de Sonic 3 em premios!

Cabe lembrar que em 1993 dez mil unidades era a tiragem inteira que era produzida de alguns jogos menores, então isso era muita, muita coisa. E a coisa toda já tinha um cronograma para acontecer, seria linkado com o lançamento de Sonic 3 e essa seria o maior evento publicitário já criado até então.

Seria um dos maiores eventos dos anos 90, e não tinha como possivelmente dar errado... ah, bem, exceto que Sonic 3 sequer tinha saído das fases conceituais ainda. Era um contrato grande mais, com dinheiro demais envolvido para apenas "deixar passar" essa oportunidade, de modo que Sonic 3 teria que ser feito na correria - sem essas putarias da equipe voltar para o Japão e "fazer as coisas com calma", a Sega da América emplacaria o maior negócio de todos os tempos enquanto a Sega do Japão não teria o seu "baita jogaço" para virar a mesa na batalha de qual Sega era a melhor Sega.

No ponto de vista da Sega da América, era o plano perfeito. Chupa essa manga, Sega do Japão!

Enquanto isso, a Nintendo vendo a Sega lutando consigo mesma...

Quando o contrato com o Mcdonalds foi fechado, a Sega da América tinha seis meses de prazo para entregar o tal do Sonic 3. Agora, que tipo de jogo você pode fazer exatamente em seis meses? A única coisa que dá realmente para fazer nesse tempo é jogar todas as ideias novas e ambiciosas no lixo, e apenas fazer algumas fases novas para Sonic 2 - no máximo dando um tapa nos gráficos aqui e acolá.

E é exatamente isso que Sonic 3 acabou sendo: basicamente uma expansão de Sonic 2 que não resolve nenhum dos enormes problemas que o jogo anterior tem, e só dá uma enganada nos gráficos. O level design é vagamente menos irritante, mas não muita coisa, porque fazer um jogo inteiro em seis meses também não tinha muito o que pudesse ser inventado.

Na verdade, a coisa foi feita tão na corrida, tão na moda louca que sequer as fases novas eles conseguiram terminar de implementar. O resultado é que das dez fases planejadas para esse jogo, apenas 5 ficaram prontas a tempo - o que levou a Sega da América a tomar uma decisão ... que eles já haviam tomado antes.

Tails está fugindo do bombardeio puramente por educação, porque ele é imortal afinal

Lembra de BEAUTY AND THE BEAST: ROAR OF THE BEAST e BEAUTY AND THE BEAST: BELLE'S QUEST ? Quando a Sega pegou um jogo e dividiu em dois apenas pra vender duas coisas com metade do conteúdo cada ao invés de uma? Pois foi exatamente o que aconteceu aqui: Sonic 3 foi lançado apenas com metade do conteúdo programado, apenas os sete mundos iniciais, e alguns meses depois naquele ano seria lançada a segunda parte do jogo: Sonic & Knuckles, com as outras fases que não ficaram prontas a tempo.

Isso parece uma ideia muito, muito ruim e muito, muito safada... e era mesmo. Porém a Sega na América era tudo sobre marketing e cortinas de fumaça, então eles nunca estiveram realmente preocupados com qualidade em si - "as crianças vão gostar do que nós disseremos para elas gostarem", era o moto da Sega da América. A Sega do Japão, obviamente, ficou livida com a audacia do bofe, mas ao mesmo tempo eles não podiam fazer muita coisa porque o contrato com o Mcdonalds era muito grande para deixar passar de modo que eles tiveram que aceitar perder aquela batalha.

Mas tudo bem, eles poderiam ter perdido essa batalha, mas a guerra estava apenas começando.

Claro, alguém mais mentalmente são poderia apontar que uma empresa declarar guerra consigo mesma não era o melhor curso de ação, ao que a Sega apenas responderia: 


Mas então você pode se perguntar como algum executivo poderia se safar com uma trambicagem dessas. Quer dizer, pegar um jogo que já era problemático e fazer uma expensão dele na correria louca, vendendo metade do conteúdo como um jogo separado? Isso é safadeza demais até para os padrões da Sega! Não tem como possivelmente alguém se safar disso!

... certo?

A possibilidade de jogar com Knuckles foi uma das coisas cortadas dessa versão do jogo

Então, Tom Kalinske pode ser acusado de muitas coisas - especialmente de ser o executivo mais executivante ever - mas ninguém pode dizer que ele não era competente no que se propunha a fazer. O que ele se propunha a fazer era chinelagem? Era, mas funcionava para o seu público. Então quer dizer que ele não se meteria numa roubada dessas se ele não tivesse um plano sobre como sair dessa.

E como tudo que ele fazia, um plano tão espetaculoso quanto ambicioso. Mais precisamente, sua cortina de fumaça para esconder a safadeza que Sonic 3 é envolvia ninguém menos que MICHAEL JACKSON. Sim, o fucking Rei do Pop em pessoa. Mas como?

Sonic deixa a todos desconfortaveis. Todos.


Acontece que Michael Jackson era um grande fã da Sega. Não, ele não era idiota e era Mega Drive com muito orgulho e muito amor, eu quis dizer dos arcades da Sega - que de fato sempre foram muito bons e até hoje são - ao ponto que ele tinha um fliperama na sua mansão com vários arcades e tal. Quando Tom Kalinske negociou com ele que ele fizesse a trilha sonora do próximo jogo do Sonic, Miguel Filho do Zé ficou mais do que feliz em aceitar.

E realmente, ter uma trilha sonora composta por uma das maiores estrelas da música de todos os tempos seria uma peça de marketing promocional que jogo algum poderia competir. Não tinha mesmo como fazer o hype maior que isso...

... não fosse que isso acabou dando inacreditavelmente pra trás. Alguém lembra o que aconteceu com Michael Jackson no final de 1993?


Nos últimos meses de 1993 explodiu todo o caso de alegações de abuso infantil contra o Michael Jackson, e foi um caso bem grande de repercussão mundial. Enquanto até hoje ninguém sabe o que realmente aconteceu (se as denuncias procediam ou se apenas eram pais querendo arrancar uma grana de uma celebridade), e provavelmente nunca saberemos, o que se sabia com certeza é que nem a Sega nem o Mcdonalds - ambas empresas que trabalhavam pesado com publico infantil) queriam ter suas marcas associadas com esse shitstorm todo.

Assim a Sega decidiu não ter relação nenhuma com o cantor e refez toda trilha sonora do jogo na correria - como todo o resto do jogo. Não é atoa que Sonic 3 tem uma das trilhas sonoras mais esqueciveis de toda série, a única música que foi mantida do originalmente composto por Michael Jackson é a música da Ice Cap Zone. Provavelmente acabou passando batido na correria de fazer o jogo a toque de caixa, ou mais provavel ainda apenas deixaram a música placeholder que foi usada no beta do jogo - Hard Times da banda "The Jetzons" (cujo produtor musical foi o mesmo que o Michael Jackson por 18 anos).



Enfim, essa é a história conturbada de Sonic 3, um jogo que deveria ser a obra prima da Sega e coloca-la no cenário das grandes empresas de games... e que no lugar entregou apenas uma expansão de Sonic 2, onde tudo que podia dar errado na produção deu, lançada pela metade e que apenas teve sucesso realmente em disso iniciar a guerra civil que viria a destruir a Sega por dentro. 

Não há mal que sempre dure, Sonic 3 foi o inicio do fim da Sega.







PREVIEW NA EDIÇÃO 052