Então, a review de hoje é sobre o Wetrix — também conhecido como Clone de Tetris #4728 nesse desfile infinito de blocos caindo. Sabe, você pensaria que a essa altura os desenvolvedores já sentiriam algum resquício de piedade para deixar o coitado do Tetris descansar. Deixar ele se aposentar. Deixar ele tomar umas margaritas na praia ao lado do Pong e o jogo da Cobrinha. Mas não. Toda vez que você acha que a indústria seguiu em frente, aparece algum campeão e diz: "E se... me escuta... a gente reinventar o Tetris... de novo?"
Então aqui estamos, mergulhando mais uma vez em outro "Tetris com um plot twitter" — porque, aparentemente, "reviravolta" agora só significa "cores ligeiramente diferentes e um efeito d'água". Bem, pelo menos a review vai ser rápida e indolor, né? Quer dizer, eu parei de contar esses clones de Tetris depois da primeira dúzia de reviews porque, em algum momento, eles viram só se fundem numa massa disforme de formas caindo.
... QUE ABSURDO É ESSE EM NOME DE ARCEUS?!?
Então... muito pra minha surpresa, Wetrix não é exatamente um clone do Tetris. Quer dizer, meio que é? Mas nem tanto. Ele quer ser. Tem cara de um. Então o que ele é? Bom... imagina se o Tetris e o SimCity ficassem bêbados numa convenção de games, tivessem um caso de uma noite apaixonado, e nove meses depois, surgisse esse cara. Sim, eu sei o quão ridículo isso soa — e acredite, eu já vi todo tipo de tolice nessa minha jornada de quase uma década revisando jogos esquecidos — mas Wetrix talvez leve o prêmio.
É assim que funciona: você tem uma arena e, como todo bom descendente do Tetris, peças caem do céu. Ótimo. Estamos em terreno conhecido. Mas aí, do nada, o jogo te joga uma gota d'água. Se essa gota cair na arena e começar a transbordar pelas bordas você toma dano. Se muita água vazar do mapa — glub glub — game over.
Beleza, então... como você evita essa catástrofe aquática? Você terraforma. Isso mesmo, suas "peças" não são blocos coloridos — são... huh... poderes divinos de mover terras. Sério. Você eleva ou abaixa o terreno pra construir piscinas improvisadas, porque seu trabalho agora é... arquiteto paisagista? Hidrólogo? Encanador divino?
Enfim, seu objetivo é construir uma prisãozinha de poça alta o suficiente para deixar a água acumular em paz. E, em vez de limpar linhas pra ganhar pontos como em um Tetris normal, em Wetrix você marca pontos com... meteoros. Sim, meteoros literais que caem dos céus, evaporam a água e facilitam sua vida através mini-eventos de extinção.
Olha, tenho que dar crédito aos irmãos Pickford: esse jogo de puzzle é ambicioso pra caramba. Depois de passar os anos 90 pulando entre mais estúdios de terceira linha do que alguém tem energia pra contar — Freelance, Binary Design, Software Creations, Zippo Games... basicamente, se você jogou algum título licenciado esquecível dos anos 90 tipo Spider-Man and the SPIDER-MAN AND THE X-MEN: ARCADE'S REVANGE, BEAUTY AND THE BEAST: BELLE'S QUEST , ou TOM AND JERRY — provavelmente já jogou algo com as digitais digitais deles.
Eventualmente, a dupla dinâmica — Ste e John Pickford — decidiu que estavam cansados de serem mercenários da programação código e abriram seu próprio estúdio. Uma jogada ousada. E no que, você pergunta, eles focaram como sua magnum opus de estreia?
Água realista.
Sim. Água realista, dinâmica, respingante, indisciplinada. O que é menos ridiculo do que soa, pq até hoje, simular física de água crível é um pesadelo para desenvolvedores não importa o orçamento mastodonico que você tenha. Naquela época, isso era quase loucura. Mas aparentemente, essa era a grande visão deles — algo pra se destacar. Um truque de assinatura. Quer dizer, funcionou pro WAVE RACE 64, né?
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Agua é complicado em jogos, cara |
Então lá estavam eles, mexendo num protótipo de engine pra um jogo 3D, quando veio o estalo: "Essa água tá delicinha, hein?" (Uma frase que só um desenvolvedor ou geólogo diz sem ironia.) E aí, num momento de genialidade ou privação de sono, alguém soltou: "E se a gente fizesse um jogo inteiro em volta dessa água linda?". E assim nasceu Wetrix.
Então, retomando, Wetrix tem de longe um dos conceitos mais originais pra um puzzle que eu me lembro. É basicamente o tataravô espiritual de From Dust, uma joia indie subestimada que eu adoro. O motor do jogo é absurdamente ambicioso pra 1998, tentando simular deformação de terreno, física de água dinâmica, mecânicas de evaporação — num N64, viu? Com um conceito tão fresco e uma engine tão ousada, você esperaria que o Wetrix fosse um clássico, uma joia da coroa no gênero dos puzzles.
... Né?
Então... yeah... Sobre isso...
O problema é o seguinte: o Wetrix seria um jogo divertido, relaxante, estilo sandbox — se ele realmente deixasse você brincar com ele. Sabe, tipo deixar você ser um deusinho da terraformagem, esculpindo o solo, controlando água, fazendo poças felizes que nem um Bob Ross molhado. Mas não. Você não tem esse luxo. Porque esse jogo é difícil. Não do tipo "desafiador-porém-justo". Não do tipo "ah-foi-culpa-minha". Quero dizer brutalmente, cruelmente, esmigalha-alma de difícil. Tipo, "coloca uma peça no lugar errado e seu mapa vira Atlântida" de difícil. Wetrix talvez seja o puzzle mais cruel que eu já joguei — e confie em mim, eu joguei mais puzzles do que deveria ser permitido por lei.
E pra garantir que seu sofrimento seja completo, o jogo não te ajuda nem um pouco. A câmera é uma desgraça de ângulo fixo que torna muito dificil precisar EXATAMENTE onde as peças vão cair. Os limites de até onde as gotas d'água vão espalhar também são difíceis de ver. As indicações de onde está fazendo agua não são exatamente claras (quer dizer, tem uma setinha, mas as vezes você jura que já tem uma parede ali!). E como cereja do bolo os controles são hipersensíveis, só esperando pra te sabotar no momento que você piscar.
Então é. O conceito é genial. A execução é que é menos "sandbox zen" e mais "challenge modo hardcore". Traga boias. Você vai precisar.
Wetrix acaba sendo um daqueles jogos que eu tentei, tentei muito amar — mas o jogo simplesmente não quer ser amado. Tenho certeza que existe algum grão-mestre do Wetrix por aí, alguém com 999+ horas que terraforma como se estivesse interpretando Eru Ilúvatar esculpindo Arda no prólogo de O Silmarillion. E pra essa pessoa, eu digo: respeito. De verdade. Você é um ser superior.
Mas pra uma alma simples como eu, alguém que só quer levantar uns montinhos felizes e punir poças como um deus da água benevolente... Wetrix não tem tempo pra isso. Ele não quer que eu goste dele. Ele quer me punir. Ele quer me afogar nas minhas próprias crateras mal posicionadas e me zoar enquanto meu mapa inteiro vira uma zona de desastre alagada. É uma ideia brilhante presa numa execução hostil. Uma caixa de areia linda e peculiar enrolada em arame farpado. E isso dói, porque o Wetrix poderia ter sido algo realmente especial — se só te deixasse respirar entre os tsunamis.
MATÉRIA NA GAMERSEDIÇÃO 032 (Julho de 1998)