Nos anos 90, Will Smith era uma singularidade em Hollywood. Parecia que fracassar era fisicamente impossível pro cara. Praticamente um Rei Midas moderno — tudo que ele encostava virava ouro. A série "Um Maluco no Pedaço" foi um fenômeno global que até hoje é lembrada com carinho, e sua carreira no cinema foi ainda mais quente. Bad Boys, INDEPENDENCE DAY, MIB: MEN IN BLACK, Inimigo do Estado? Puro dinamite nas bilheterias. Era hit atrás de hit atrás de hit.
Aí, em 1999, a Warner Bros. chega pro Will com uma coisa… diferente. Um filminho esquisito de ficção científica com kung fu e uns papos filosóficos. O Will olhou o roteiro, franziu a sobrancelha e passou longe. Muito esquisito. Muito arriscado. Em vez disso, ele foi na certeza: uma superprodução baseada numa série dos anos 60 que todo mundo amava, Wild Wild West. A Warner então ofereceu o papel de kung fu pra uma estrela bem menos famosa na época — mas um cara que já tinha lidado com cyberbizarrices em Johnny Mnemonic: Keanu Reeves.
E essa, meus caros, é a história de como o Will Smith recusou Matrix… pra fazer Wild Wild West. Uma decisão que ele até hoje diz ser o maior arrependimento da carreira. O resto, como dizem, é história. Matrix reinventou o cinema e virou um dos filmes mais influentes de todos os tempos. Wild Wild West? Bom, aquilo foi… um acidente de trem (literalmente, tem trens steampunk no meio e tudo.)
Então a questão que cabe ser feita é... será que Wild Wild West é realmente o lixão radioativo que dizem? E já adianto que a resposta curta é não. Porque é MUITO, mas MUITO pior.
O que nos leva a uma questão mais interessante ainda: como?! Quer dizer, olha só o que Wild Wild West tinha a seu favor:
- Will Smith no auge do seu rolo compressor cinematográfico;
- Kevin Kline, que já tinha um Oscar na prateleira a essa altura;
- Kenneth Branagh no modo full vilão de James Bond numa atuação caricata e claramente se divertindo muito em seu absurdo;
- Efeitos visuais maneiros (pra época, CGI ainda impressionava)
- Uma estética steampunk completa, com ciborgues, gadgets … e já falei…
- UMA ARANHA MECÂNICA GIGANTE.
- Salma Hayek em figurinos elaborados (e muitas vezes… estratégicamente reveladores)
- Barry Sonnenfeld na direção — recém-saído de MIB: MEN IN BLACK, claramente confortável com o genero de ação-blockbuster comédia;
No papel, tinha tudo pra ser uma superprodução gloriosa. E pra completar, nem era baseada em ideia aleatória de guardanapo. Não! Wild Wild West era originalmente uma série de TV (1965-1969), criada por Michael Garrison quando os faroestes já estavam perdendo espaço pra espiões da Guerra Fria, foi vendida como "James Bond a cavalo". Se não podia vencer… por que não juntar os dois? E deu certo! A série virou um cult. Tinha gadgets, charme, espionagem, esquisitices vitorianas — tudo num coquetel proto-steampunk décadas antes do termo existir.
Ambientada no pós-Guerra Civil, a série imaginava um EUA em reconstrução… mas com pitadas sci-fi. Os protagonistas eram agentes secretos com tecnologia futurística, enfrentando cientistas malucos e megalomaníacos teatrais. Jules Verne aprovaria.
Então, talvez o Will Smith não fosse tão maluco assim por escolher isso em vez de um filme cyberpunk esquisito cheio de filosofia e gente de kung fu voando. Wild Wild West parecia uma aposta segura. Um sucesso garantido. O blockbuster de verão infalível. Tipo… sério: como uma combinação dessas poderia FALHAR?
Bom, vamos começar pelo elefante steampunk na sala, porque é isso que azeda todo o resto: Wild Wild West devia ser uma comédia de ação leve. Sabe? Divertida, descontraída, pipoca. Com Will Smith e Barry Sonnenfeld, parecia garantido. Eles já tinham acertado antes! MIB, Independence Day, Bad Boys — a fórmula funcionava.
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Bem, Will ficou estiloso no figurino, tenho que dar isso ao filme |
É… apenas que o "humor" desse filme é... como posso colocar isso elegantemente... um desastre completo de vergonha alheia.
Sério, assistindo hoje eu realmente não entendo como o Will Smith não interrompeu as gravações em várias pra gritar com a produção: "QUEM foi o gênio que teve essa ideia??" e sair do set batendo portas atrás dele.
Então como as coisas funcionam aqui: as piadas não são só sem graça, elas são ofensivas!
TÁ, MAS MUITA COISA DOS ANOS 90 SERIAM OFENSIVAS HOJE, NÃO É ASSIM TAMB...
Não, você não entendeu, Jorge. Esse filme não é ofensivo pros padrões de hoje, ele é ofensivo para os padrões dos anos 90! Você faz ideia do quão longe você tinha que ir pra ser ofensivo nos anos 90? Foi a década de SOUTH PARK, THE REN & STIMPY SHOW, e concursos publicos televisionados de meninas com menos de 10 anos roçando seus orgãos genitais em um objeto fálico. O nível era baixo, gente. E Wild Wild West ainda conseguiu passar por baixo.
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Você não vai querer saber, acredite... |
O que acontece aqui é, como sempre nas parcerias Smith-Sonnenfeld, o humor do Will depende daquele charme confiante — piadinhas, atitude, vibe "descoladão". E quando funciona, funciona. Funcionou em MIB. Funcionou em Independence Day. Tudo certo, né?
É… só que aqui não. Porque dessa vez, o vilão — um maníaco estilo vilão de James Bond vivido por Kenneth Branagh (que realmente abraçou o ridículo do papel, sem reclamações) — perdeu as pernas na Guerra Civil. E o roteiro, na sua sabedoria infinita, decidiu que a coisa mais engraçada pro personagem do Will Smith fazer é… zoar a deficiência dele. Sem parar.
Isso mesmo. O filme trata a paraplegia do Branagh como piada. Cena após cena do Will tirando sarro por ele não ter pernas. E não é uma piadinha só — literalmente todas as falas dele para o antagonista são debochando da deficiencia dele numa frequencia nível que até o Casseta e Planeta ficaria constrangido. É desconfortável, é cruel, e sim — até pra aquela época — foi uma escrotice sem tamanho.
Mas calma, piora.
Porque o vilão revida. E como ele revida? Com piadas racistas, é claro. Alias, "piada" é o termo errado aqui, é apenas racismo puro, sem nem tentativa de humor. Tipo tem uma cena que ele usa um pata mecanica pra prender o Will no chão e solta: "Pisei na lama do Mississippi?"
Lama. Porque o Will Smith é negro.
Sacou?
SACOU?!
É. E é daí ladeira abaixo.
Nesse ponto, não é mais provocação. Não é uma troca de tiradas entre herói-vilão. Não é um papo irônico estilo 007. É discurso de ódio da época da escravidão com fantasia steampunk em cima. Parece que acharam páginas rejeitadas do roteiro de "Uma Outra História Americana" e pensaram: "Ei, isso é comédia pura!". Sério, QUEM escreveu esse roteiro? O fantasma do James Mason? Heinrich Himmel?
Existe humor ousado, e existe… seja lá o que isso for. E te digo, não é "humor questionável". É lixo racista e capacitista enfiado goela abaixo com o rosto do Will Smith no pôster.
Mas mesmo se você conseguir ignorar o que deve ser o discurso de ódio mais caro já filmado, o resto do filme ainda é… ruim pra caralho.
Vamos falar da dinâmica de buddy cop, que é o que eles estavam tentando aqui. Will Smith, o cara da ação. Kevin Kline, o intelectualista — pera, essa palavra existe? Tanto faz. O ponto é: é a fórmula clássica. Opostos forçados a trabalhar juntos. É a base da comédia de ação desde sempre — ou pelo menos desde 48 Horas. E quando funciona, funciona. Smith e Tommy Lee Jones em MIB são o padrão ouro: o novato descolado e o veterano rabugento. Perfeito.
Mas aqui não.
Porque em Wild Wild West, não é que os personagens são diferentes — eles se odeiam. Não tem provocação. Não tem zoeira. Só despreito puro, cena atrás de cena. É como ver um filme de dupla policial com dois ex-cônjuges em divórcio litigioso. Aliás, esquece — Adam Driver e Scarlett Johansson em História de um Casamento tinham mais química que esses dois.
Porque uma coisa é seu parceiro revirar os olhos porque não fez uma coisa do jeito que vc faria. Isso é o básico do gênero. É divertido. Mas nesse filme, é mais:
"Por que você fala assim?"
"Por que você anda assim?"
"Por que você respira assim?"
"Por que você existe perto de mim?"
Sério, metade do diálogo parece o Will Smith reclamando que a mera presença do Kevin Kline é um insulto à natureza. Ou vice-versa. Isso não é comédia. É assédio moral no trabalho. É uma interação tóxica e sem graça que faz você pensar se é um filme de terror sobre dois homens se envenenando lentamente com raiva passivo-agressiva.
Resumo da obra: se a sua dupla de "buddy cops" faz o público sentir saudade do calor humano de Onde os Fracos Não Têm Vez, você perdeu totalmente a mão.
Ok, olha — não é física quântica. Comédia é difícil, claro, mas não impossível. Tem regras básicas. Estrutura. Fórmulas testadas que funcionam desde Abbott e Costello, o Gordo e o Magro, Didi e Dedé. Tipo essa: se você tem um espertalhão que solta piada, o parceiro faz o "cara sério". É o ABC da comédia. O parceiro prepara a piada, o engraçado dá a punchline. Simples. Elegante. Eficaz.
Mas Wild Wild West? Não. Esse filme olha pra fórmula básica e diz: "Vamos fazer os DOIS tentarem ser o engraçado — o tempo TODO — se superando sem parar". O que, e isso pode chocar quem escreveu o roteiro, resulta não em comédia… mas em 1h20 de pura medição de pinto. Não tem ritmo, não tem química, não tem timing — só uma disputa de ego sem fim, com piadas que caem com a graça de um balde de chumbo rolando escada abaixo. É como ver dois comediantes no palco ao mesmo tempo, um falando por cima do outro, nenhum querendo respirar, um tentando vencer o outro ao invés de trabalharem juntos.
E a cereja do bolo: se um blockbuster de Hollywood não consegue acertar o princípio mais básico da comédia — algo que sitcoms dominaram décadas atrás — por que diabos eu confiaria que ele acerta QUALQUER outra coisa?
…Ah, é. Esse é o mesmo filme que achou que piadas racistas e capacitistas eram o auge do humor. É. Nem deveria me surpreender.
Então, dito isso… será que esse desastre de trem (literalmente, porque... espera, acho que eu já fiz essa piada) tem QUALQUER redenção? Bom… umas poucas coisas.
Pra começar, o terceiro ato até melhora. Principalmente porque Will Smith e Kevin Kline finalmente param de brigar que nem dois tios discutindo politica no churrasco, e o filme lembra que é um filme de ação. E sabe? As cenas de ação até que são decentes.
Tem capangas estilo Bond, gadgets legais, lutas dinâmicas e — não vamos esquecer — a PORRA DA ARANHA STEAMPUNK GIGANTE. Aquela mistura gloriosa de CGI e animatrônicos pisoteando o deserto como um AT-AT da Guerra Civil? É. Eu serei um cadáver frio e gelado antes de parar de achar aranhas steampunk gigantes maneiras pra caralho. É o mais perto que o filme chega de entender como diversão funciona.
Então, enquanto ninguém fala, Wild Wild West quase funciona. Quase. Mas infelizmente, as pessoas falam. Muito. E toda vez que falam, você começa a rezar por um botão de mudo… ou uma queda de energia rápida e misericordioso.
Ah, e a Salma Hayek tá no filme — claro — linda como sempre.
O que ela tá fazendo nesse filme? Nem ideia.
Por que o personagem dela tá ali? Mistério.
Ela contribui em algo pro enredo além de mostrar a bunda atoa? Nem de longe.
Ela própria saber explicaria o papel dela nesse filme? Duvido muito.
Parece que tentaram fazer um twist estilo Elektra King de 007: The World Is Not Enough, mas no meio do caminho os roteiristas esqueceram que ela existia. Tem uns vestígios de subenredo… talvez? Um segredo? Uma traição? Um propósito? Nada importa. É como se tivessem deletado metade das cenas dela e torcido pra ninguém notar.
Ok, ok, tô tentando focar nas partes boas. Partes boas.
Respira fundo.
Vamos dizer algo bom desse filme. Algo real. Algo gentil.
…
Tá! Lembrei.
De um jeito estranho, foi até bom o Will Smith ter escolhido Wild Wild West em vez de Matrix. Porque sério — imagina o Mr. Anderson como o Will Smith? O Will Smith sarcástico, descoladão? Sério, eu adoro o Will, mas vamos combinar que naquela época o Will Smith só sabia interpretar um personagem: ele mesmo. Tanto faz se era policial, caçador de alien, golpista ou cowboy — ele sempre era o Will Smith.
Então sim, um Matrix com Will Smith seria divertido, claro, mas seria… Matrix estrelada pelo Will Smith sendo o Will Smith. E não era disso que Matrix precisava.
Matrix precisava do Keanu Reeves — desconfortável, falando baixo, totalmente comprometido — que conhecia seus pontos fortes e fracos como ator. Que sabia que precisa compensar sua limitação de atuação em outras areas e treinou artes marciais como se a vida dependesse disso. Que não tentou se tornar dono do filme porque entendeu que a grande estrela do filme era o próprio cenário. E sério, essa humildade e disciplina são parte enorme do porquê Matrix virou o fenômeno cultural que é.
Então talvez, só talvez, a maior contribuição de Wild Wild West pro cinema…
foi deixar o Will Smith ocupado demais pra aceitar Matrix. É. Essa é a vitória. Esse é o legado. A única coisa boa que Wild Wild West fez… foi não ficar no caminho.
A gente esquece hoje, mas o Will Smith manja do rap. De verdade. A versão moderna dele pro tema de Wild Wild West é surpreendentemente boa. Uma batida suave que mistura a vibe da série original com o carisma dele. Ou talvez só pareça melhor porque toca quando o filme maldito acaba e a gente é libertado do crime de guerra cinematográfico que acabou de sofrer. Difícil dizer. De qualquer forma — música boa. Isso não dá pra tirar deles.
Agora… vamos encerrar esse sofrimento de uma vez falando do jogo de tie-in, que é a única razão pra gente estar revirando esse Molotov cinematográfico. Olha só: o filme flopou, graças a deus. Mas menos de um ano depois, a SouthPeak Interactive pensou: "Sabe o que esse cavalo morto precisa? Mais uma surra!". E assim nasceu:
Wild Wild West: The Steel Assassin.
"Cinco anos desde o brutal assassinato de Abraham Lincoln, e a divisão entre Norte e Sul finalmente começa a cicatrizar. Até que o presidente Grant recebe uma ameaça de morte assinada: 'O Verdadeiro Assassino de Abraham Lincoln'."
Uma premissa da hora, né? Claro. Você joga como os agentes Jim West e Artemus Gordon, numa missão pra salvar o presidente e desvendar o mistério.
O jogo deixa você alternar entre os dois: West cuida das partes de ação, Gordon dos puzzles e gadgets. Parece uma referencias legal às personalidades… ou pelo menos às da série de TV, não àquela energia de "casal divorciado" do filme.
Como na série de TV, sua base é o The Wanderer, o trem confiável da dupla, que magicamente aparece onde a trama precisa... o que me faz perguntar se existe algum lugar nos US and A que não seja coberto por uma malha viária assim como de alguma forma Miami Vice sempre tinha um canal em TODO LUGAR pra lancha passar
Os gráficos, digamos que são… "vintage". Os cenários até têm detalhes bonitos, mas os personagens são horrorosos. Pense em ALONE IN THE DARK 1 — não o reboot decente, o de 1992. Esse é o nível.
Agora, o áudio... surpreendentemente até que não é ruim. A SouthPeak contratou dubladores que soam IGUALZINHO ao Will Smith e ao Kevin Kline. Detalhe impressionante. O resto do som, porém? Nem tanto. Efeitos sem graça, música sem sal e zero esforço pra criar atmosfera. Toda a energia foi pras vozes — o resto do jogo parece que cansou e foi dormir.
A jogabilidade de point'n click é o mais tradicional possível. Clique para mover o boneco, clica em coisas, fala com NPCs, colete itens e resolve puzzles. Existem dois modos de dificuldade, "Me dê dicas" pra quem gosta de ajuda, e "Eu descubro sozinho" pros otimistas sem esperança.
Se parasse aí, seria um point'n click básicão, mas funcional... não fosse o fato que ele tambem te exige sequências de ação. E… é. A maioria dessas partes é com Jim West atirando em inimigos clicando com o mouse. Não é nem desafiador, é só chato mesmo. Só clicar. Um click lento e travado. As armas vão de revólveres a espingardas, e os inimigos viram pilhas de itens de cura porque… sim, faz sentido.
E quando você acha que o jogo vai terminar com alguma dignidade… não vai.
Igual ao filme, termina com duas cutscenes apressadas sem clímax. Sem sensação de recompensa. Só "valeu por jogar, agora desinstala".
O jogo não tem consistência, profundidade ou ambição. As partes de aventura são rasas. As de ação são travadas. Tudo parece um cash-in feito às pressas pra… sei lá pra quem esse jogo foi feito. Talvez agrade fãs da série original, mas convenhamos: eles merecem mais. E não vou dizer "fãs do filme" pq esses não existem.
Ou pelo menos… não deveriam existir.
Não em qualquer mundo são e justo que eu queira viver.
MATÉRIA NA GAMERS
EDIÇÃO 052 (Fevereiro de 2000 - Semana 2)