domingo, 8 de junho de 2025

[#1484][Nov/1999] 40 WINKS

Vamos falar um pouco sobre a Nintendo Official Magazine — a principal fonte do Reino Unido para tudo relacionado à Nintendo naquela época. Assim como foi a Nintendo Power nos EUA ou Nintendo World no Brasil, mas com um pouco mais de chá e exatamente 300% mais colonialismo velado.

Tendo existido de outubro de 1992 a fevereiro de 2006, com um total de 164 edições, a NOF é uma revista lembrada com muito carinho pelos jogadores britânicos. Mas fora do Reino Unido? Bem, fora do Reino Unido, eles são lembrados principalmente por ter falado uma coisa tão sem noção, tão ridiculo, tão cosmicamente errado, que ecoa através do tempo até os dias de hoje. Três palavras. Apenas três palavras em uma capa:

MOVE OVER MARIO


Sai. Daqui. Mario. Sabe, Mario como em Super Mario. Aquele Mario. O rosto da Nintendo. O cara que já esteve em mais sucessos que os Beatles e Taylor Swift juntos. E por causa de quem, exatamente, o heroi dos games mais famoso de todos os tempos deveria estar vazando, você pergunta?

40 Winks. É. 40 Piscadelas. Sim. Eu sei. 

Então apertem os cintos, porque hoje vamos mergulhar de cabeça no mundo de sonhos com ninjas de camisola e decisões de gamejornalismo que envelheceram como leite no micro-ondas. 


Então, nossa história de hoje começa começa com duas crianças — Ruff e Tumble. Sim, esses são os nomes verdadeiros delas. Não, elas não são personagens rejeitadas de DONKEY KONG COUNTRY, embora eu entenda a confusão. Enfim, a mãe delas as coloca na cama e conta uma história de ninar sobre criaturas mágicas chamadas Winks e HoodWinks. Os Winks são pequenos espíritos oníricos que nos abençoam, mortais, com bons sonhos — nuvens fofinhas, poderes de voar, pegar a Ana de Armas. Os HoodWinks, por sua vez, são suas contrapartes malignas, basicamente a coleção de Funko Pops do Freddy Krueger.

Entra em cena o vilão da nossa história: NiteKap. Ele é um homem rabugento de pijama que mora sozinho em uma casa no alto de uma colina e não consegue dormir uma noite decente de sono. Agora, a maioria das pessoas tentaria melatonina, chá de camomila, talvez ruído branco. NiteKap? Não. Ele vai direto para "sequestrar fadas mágicas dos sonhos e desencadear um apocalipse global de pesadelo" porque, se ele não conseguir ter uma boa noite de sono, ninguém mais vai ter.

Babaca pra caramba você, heim?

Cara, vc já tentou não dormir DO LADO DO MÁQUINÁRIO DE UMA TORRE DO RELÓGIO? Costuma ajudar a qualidade do sono, sabe

De qualquer forma, seu plano é executado por seu sidekick, um ursinho de pelúcia sensiente Threadbear, que captura todos os Winks os transformando em HoodWinks e condenando a humanidade a noites de pesadelos e aqueles sonhos que vc tenta andar mas suas pernas parecem pesar 8 toneladas. Apenas 40 Winks escapam. Por que 40? Porque é o que está escrito na capa do jogo, e essa é toda a explicação que vamos ter sobre isso.

Agora cabe a Ruff e Tumble vestir seus pijamas, mergulhar nos sonhos e resgatar os 40 winks que restaram pq isso vai... hã... hmm... olha, eu não sei como exatamente isso vai resolver o problema maior, mas então acho que eu estou esperando demais de crianças  e pijama... E esse é o nosso cenário. Simples. Adequado para crianças. Não faz muito sentido se você parar para pensar por mais de quatro segundos. Mas, pelo menos, é original se você esquecer que THE CITY OF LOST CHILDREN existe (o que eu recomendo para o caso do jogo, o filme é... único, vamos dizer assim)

Seguindo adiante, vamos então falar do jogo em si, e descobrir se o emprego do Mario realmente corre algum risco. Spoilers: não, nem em sonho. Pq, vc sabe... sonho, entenderam? Hã? Hã?


Graficamente eu tenho que dar os créditos à 40 Winks — parece realmente bom. Não, sério. Quer dizer, não é uma coisa que se diga "minha nossa, MOVE OVER JET FORCE GEMINI de tão bonito", mas tem um estilo de arte encantadora que me lembra estranhamente South Park e que sinceramente parece melhor do que o próprio jogo do SOUTH PARK.

Vou dizer que a Eurocom realmente aproveitou os pontos fortes do PS1 aqui. Veja, a coisa é que o PlayStation era um monstro em renderizar salas pequenas e detalhadas, cheias de coisinhas fofas para se olhar — mas jogue-o em um mundo aberto e, de repente, a draw distance e o framerate vão pra casa da caralha repleta de neblina. Alias foi isso que tornou SPYRO THE DRAGON um milagre técnico; eles de alguma forma fizeeram o PS1 rodar um jogo com areas muito abertas rodar tão bem como se fosse um N64, mas essa é uma história que eu já contei naquela review.

O que importa aqui é que as salas menores de 40 Winks pelo menos não chegam ao nível de claustrofobia de RASCAL. Os espaços aqui ficam naquela zona doce onde são aconchegantes, não apertados. A decoração dos cenários parecem artesanais, não copiados e colados do jeito que deu.


E vamos falar da câmera — sim, é um jogo de quinta geração, o que significa que, por lei, a câmera precisa ser pelo menos um pouco ruim. Mas olha, para a sua época até que funciona. Não vai te deixar enjoado, não vai ficar presa atrás de uma parede e não tem uma obsessão doentia em mostrar a cara do personagem ao invés de mostrar para onde vc esta indo... na maior parte do tempo. O que já é um grande elogio para um jogo de plataforma 3D do PS1.

Então, sim — 40 Winks realmente parece... fofinho. Tem sua própria identidade visual  e não parece uma tech demo foi publicada acidentalmente, como CROC: The Legend of Gobbos. Não é apenas "ok", chega ao nível de "hã, isso é até que legal".

Então, como funciona 40 Winks? Bem... funciona. Este é um jogo de plataforma 3D, pura e simplesmente. Ele segue o sagrado Livro de Regras do SUPER MARIO 64™ — você tem pulos, ground pound, exploração leve e uma vaga sensação de "estamos aqui apenas para coletar coisas e esperar que seja satisfatório". E, sinceramente? Não é um mau ponto de partida. Se você é um estúdio como a Eurocom, criando seu primeiro jogo de plataforma 3D original, basear seu jogo no padrão ouro do gênero é uma jogada inteligente.


O problema é que foi só isso que eles fizeram. Em termos de movimento, os controles de Ruff e Tumble... são okay. Há uma boa inércia e peso, e lembra bastante o momentum e o peso do Mario em SUPER MARIO 64. O que já é um pouco datado em 1999, mas ainda cumpre a função. 

E então temos os power-ups que, no papel, parecem legais! Você pode se transformar em diferentes personas dos sonhos, como um homem das cavernas, uma fada, um ninja ou um super-herói. Mas e a execução? Eh, bem meh.

Cada forma te dá uma nova habilidade. O homem das cavernas pode esmagar o chão. O super-herói pode dar um pulo duplo. A fada tem respiração infinita na agua e ninja se pendura em cordas - além de cada um ser necessário para abrir portas especificas, embora o jogo não seja cuzão como DONKEY KONG 64 e não exige vc atravessar toda a fase de volta pra trocar de boneco. Então as transformações não são ruins, apenas meio malpassadas. 


É funcional, é inofensivo, é... básico. Não tem nenhuma inovação de verdade, nenhum momento "uau" de destaque, apenas uma transição tranquila de nível em nível, coletando bugigangas oníricas e socando ursinhos de pelúcia na cara.

Então, não, a jogabilidade não vai deixar o Mario nervoso. Nem o Gex. Mas também não vai fazer você querer arremessar o PS1 na parede. É apenas... bom. Razoável. Mediano. Felizmente, o level design é um passo acima do apenas mediano, e é aqui que 40 Winks consegue uma pequena vitória.

Depois de sobreviver ao inferno arquitetônico que era BANJO-TOOIE — também conhecido como Liminal Space Simulator 2000, onde cada fase parecia ter sido projetada por alguém tentando recriar o Acre — 40 Winks é um alívio abençoado. Um jogo humilde, enxuto, do tipo "nós-sabemos-nossos-limites". E isso, meus amigos, é uma dádiva de Arceus.


Funciona assim: cada fase tem várias portas, cada uma trancada atrás de um número específico de engrenagens colecionáveis ​​— 10, 20, 30 e 40. Você não pode acessar a próxima seção até atingir esse número. E funciona perfeitamente. Ele segmenta as fases em pedaços pequenos e fáceis de digerir para que você nunca fique sobrecarregado. Você não está vagando cegamente se perguntando se perdeu um item-chave três códigos postais atrás. Você atingiu 10 engrenagens? Parabéns, você pode entrar na sala das 10 engrenagens. Você ganha mais engrenagens ali, e então chega à porta das 20 marchas. Se chegou até a porta de 30 engrenagens e tem alguma faltando, a subarea pra procurar não é tão grande. É simples. É lógico. Respeita o seu tempo.

Com uma exceção gritante (ironicamente uma das fases mais conceitualmente legais, a que lembra bastante a Wreck of Maria Doria de TOMB RAIDER 2 Starring Lara Croft) que quebra o fluxo e te faz ir e voltar várias vezes, 40 Winks se mantém humilde. E humilde funciona. Dividir as coisas em pequenas seções permite que a Eurocom realmente refine o que fez, em vez de enfiar dez eventos de várias etapas em uma fase e chamá-la de "ambiciosa".

Não é empolgante. Não é inovador. Mas é confortável. E quando você está jogando um jogo em que seu protagonista usa pijamas e soca palhaços de pesadelo, conforto é exatamente o que você quer. Então, é isso — parabéns à Eurocom por conhecer seus limites. Não é bom quando a desenvolvedora sabe a hora de parar, Rare?


Dito isso... existe sim uma falha gritante que arrasta 40 Winks para baixo como um belo par de sapatos de concreto: a Eurocom cometeu um erro de principiante. Eles fizeram o clássico pecado dos jogos de plataforma 3D, a decisão de design profana: eles fizer ser obrigatório pegar 100% dos itens para terminar o jogo.

Argh.
Amigos. Companheiros. Desenvolvedores.
Não. Façam. Isso.

Olha, catar todas as engrenagens? Totalmente perfeito. Isso está embutido na estrutura dos níveis. Os estágios são segmentados em pequenos pedaços bem organizados, com portas e portões, e se você perder um item, o jogo basicamente não te deixa avançar, é justo. O mesmo com os Winks — eles geralmente estão em lugares óbvios ou gentilmente colocados no seu caminho. Ótimo. Ótima energia.


Mas então chegamos às pedras de exclamação. Essas coisas são necessárias para desbloquear o chefe de cada mundo, que você obviamente precisa derrotar para, sabe, terminar o jogo. Mas, ao contrário das engrenagens, as pedras não te bloqueiam. O jogo permite que você chegue ao fim da fase sem elas, acenando para você como se tudo estivesse bem.

E então, de repente — BAM! — sem luta de chefe pra você a menos que você tenha as quatro pedras de exclamação de cada fase do mundo, e algumas delas estão em lugares bem desgraçados de vc enxergar (pq a camera pode ser okay para essa geração, mas ainda não é nem perto do ideal). É, você vai ter que voltar e procurar por elas no nível inteiro. Boa sorte, campeão. Isso não é divertido. Isso É "Dever de Casa: The Game".

E é uma pena também. Porque até esse ponto, 40 Winks estava navegando naquela energia confortável de "apenas mediana, mas estou me divertindo". Então, ele lança essa bola curva e você passa a gostar do jogo bem menos. Eurocom, você estava indo muito bem. Você foi humilde. Você conhecia seus limites. E aí tropeçou e caiu de cara bem antes da linha de chegada. Que sirva de lição, crianças: se vocês estão fazendo um jogo de plataforma 3D, 100% obrigatório não é diversão, é castigo.


Agora, me permitam abordar outra coisa que me incomodou muito neste jogo. E é, eu sei que isso pode parecer estranho vindo de alguém que adora horror corporal, especialmente do tipo assumidamente desagradável (PARASITE EVED2, tragam seus monstros de carne!)... Mas que porra que está acontecendo com essas cutscenes?!

Estou falando sério. Depois de cada chefe, você é "recompensado" com um curta em CGI com o Dr. Nitpick — ou... Nitwit? Nitrotank? Tanto faz, eu já esqueci — e seu companheiro ursinho de pelúcia consciente. E olha só, a CGI é linda. Sério mesmo. Qualidade nível Squaresoft. A animação é fluida, o estilo de arte é genuinamente fofo e deveria ser uma delícia divertida entre as fases.

Mas não é.

É um filme da franquia Jogos Mortais disfarçado de história de ninar. Tipo, aqui vai uma cena: o Dr. Niptuck precisa de um globo ocular para uma de suas engenhocas sem sentido. Ok, shenanigans de desenho animado, certo? Não. O ajudante ursinho de pelúcia simplesmente... arranca os próprios olhos, fica cego, entrega para o Doutor, e então o Doutor deixa ele cair e pisa nele como se fosse um tomate.

"Ah, deixa pra lá. Não era tão importante assim mesmo". Pausa para risadas. O QUÊ?

CARA. DUDE. MANO.
Que diabos está acontecendo aqui?! Este é um jogo sobre crianças de pijama resgatando espíritos dos sonhos! Por que de repente estamos assistindo a cenas que parecem saídas de Ren e Stimpy onde o urso é torturado e mutilado sem razão nenhuma que senão haha humor y piadas?!?


E de novo — eu adoro terror. Não sou melindroso. Mas quando jogo um jogo que parece uma cantiga de ninar em um cenário que parece ter uma etiqueta de preço da Fisher Price, não espero ver um ursinho de pelúcia se automutilando e sendo tratado como lixo por seu chefe cientista maníaco com detalhes lindamente renderizados. Que porra é essa, Eurocom? 

Mas enfim — como você provavelmente já percebeu — meus problemas com 40 Winks não são as piores coisas do mundo. Claro, as cutscenes com tom incomodo e a coletação (isso é uma palavra?) obrigatória de 100% cheira a amadorismo... Mas já vi piores. Tipo, muito piores (estou olhando para você, RASCAL). No geral, 40 Winks é um jogo de plataforma 3D bonitinho, inofensivo e completamente mediano.

O que nos leva à maior e mais desconcertante pergunta de todos os tempos: O QUE. DIABOS. A REVISTA OFICIAL DA NINTENDO ESTAVA FUMANDO?! Porque — e juro que não estou inventando — a frase completa dentro da revista é a seguinte: "Sai da frente, Mario, cai fora. Banjo. Ruff'n Tumble vão causar ar pesadelos a todos os super-heróis quando 40 Winks ganha vida."

Com licença, o quê? Eles tavam chapados? Foi uma pegadinha? Porque nada — absolutamente nada — neste jogo grita "definidor de gênero". É charmoso. É confortável. Tem um ritmo decente e uma vibe adorável. Mas "sai da frente, Mario"?!

Só que essa não é a melhor parte, ah, definitivamente não. Sabe qual é a melhor parte? A piada, punchline, o beijo de ironia histórica do chef? 40 Winks nunca foi lançado para o N64.

Me permitam repetir: a Nintendo Official Magazine, a revista oficial da Nintendo, fez um hype do caramba pra esse jogo, colocou ele na capa, mandou Mario e Banjo irem pastar... para um exclusivo do PlayStation. É POR ISSO que o jogo coloca a citação da Nintendo Official Magazine na capa, quantas vezes isso aconteceu para um jogo exclusivo de Playstation? Sério, o que vocês tão colocando nesse chá, Inglaterra?


Agora, para ser justo, a versão para o N64 estava sim pronta. As revistas até receberam cópias antecipadas para analises e detonados. Só tinha um problema: fabricar  cartuchos do N64 era caro pra caramba, e as taxas de licenciamento da Nintendo faziam as editoras chorarem no chuveiro (o que foi um dos motivos da imensa debandada das editoras para a Sony, como eu contei na A HISTÓRIA DO PLAYSTATION

A Eurocom, ciente de que seu jogo não quebraria nenhum recorde, apenas disse: "É... vamos cortar o prejuízo, imprimir a versão barata em CD e seguir em frente.". E seguiram em frente — até 2018, quando a Piko Interactive lançou um Kickstarter para finalmente lançar aquela versão mítica de N64, tornando 40 Winks o último jogo de N64 oficialmente lançado.


Então a história é essa: 40 Winks é um jogo de plataforma decente, charmoso, com visuais confortáveis ​​e algumas escolhas de design sólidas... que é arrastado pra baixo por outras escolhas questionáveis de design, cutscenes grotescas e o hype mais imerecido desde  JOHN ROMERO'S DAIKATANA. Não é uma joia escondida, nem um clássico esquecido — apenas um jogo perfeitamente mediano envolto em um momento midiático absolutamente maluco.

E eu meio que amo isso. Não o jogo em si — não, esse é uma nota 6,5/10 em um dia bom. Mas a história por trás dele? Beijoca do chef. Uma revista oficial da Nintendo gritando "Sai da frente, Mario!" para um jogo exclusivo do Playstation? Comédia Absoluta.

Então durmam bem, Ruff e Tumble. Vocês não venceram o Mario, mas pelo menos nos deram uma baita história para dormir.

MATÉRIA NA SUPER GAME POWER
EDIÇÃO 071 (Fevereiro de 2000)