quarta-feira, 25 de junho de 2025

[#1496][Set/1998] TECH ROMANCER


Fazer um jogo – ainda mais quando você é um colosso da indústia como a Capcom – não é algo que seja feito levianamente. Precisa de grana, de um time organizado, logística, pesquisa de mercado e uma sala cheia de investidores mordendo caneta e resmungando sobre "sinergia de marca". Um jogo da Capcom não é aquela coisa que você faz no intervalo do almoço. É um processo. Uma linha de produção delicada, cheia de reuniões, protótipos e aquele cara do QA que jura de pé junto que se ignorarem o bug dele, o jogo quebra.

Ou, você sabe, às vezes, você só pensa num trocadilho e manda bala. Alguém, em algum lugar, soltou as palavras "techromante" – provavelmente meio dormindo numa reunião de planejamento – e as estrelas se alinharam. Um necromante tecnológico. Um technomant.  Um Tech Romancer. Eu não sei pq eu estou tentando explicar esse trocadilho, o que eu sei de fato é que de alguma forma, a Capcom só falou: "Manda bala, bicho".


E a última vez que vi um jogo que nasceu só porque alguém decidiu transformar um trocadilho em um jogo inteiro, eu ainda tenho flashbacks do Vietnã que AERO THE ACRO-BAT me deixou. Sabe... porque ele é um morcego acrobata. Acro. Bat. É. Está acontecendo de novo.

Enfim... trocadilho ou não, o Tech Romancer existe. E seja ele uma joia escondida ou um trauma que me assombrará até o fim dos meus dias, é o que vamos descobrir agora!

Tá, talvez eu tenha começado com o pé esquerdo com o Tech Romancer. Admito. Aquele trocadilho besta no título me fez esperar o pior. Mas depois que você supera aquela levantada de sobrancelha inicial, o jogo logo mostra sua verdadeira cara – e rapidamente as coisas melhoram bastante. Quer dizer, segura essa intro animezão raíz:

Mano, eles colocaram até o relóginho no canto da tela que a programação infantil tem no Japão pras crianças não perderem a hora do colégio!

Então, sobre o que é esse jogo?

Tech Romancer é um jogo de luta 3D, um contra um, que é basicamente uma carta de amor – não, um desfile de Dia dos Namorados inteiro – sobre mechas e tokusatsu em toda sua glória exagerada, cheia de mísseis pra todo lado, mosntros gigantes e raios laser explodindo. Todo lutador no roster não é só um robô – é uma homenagem carinhosa a um ramo específico da árvore genealógica dos animes de mecha. E aí o jogo já me ganhou, porque como disse Samuel L. Jackson em Pulp Fiction: "Shit, weeba, this is all you had to say!"

Você vive e respira anime de Super Robot tipo Getter Robo, Mazinger Z ou Gaiking? Tem um mecha pra isso. Você é mais dos mobile suits militares e realistas tipo Gundam? Tem um mecha pra isso também. Talvez você seja do tipo que curte magical girls mas queria que viessem com robôs gigantes de brinde? Adivinha, tá coberto. Prefere jatos que transformam estilo Macross, com salvas de mísseis dramáticas e idols pop cantando no cockpit? Bum, tá aí. E se você curte a vibe ferrugenta e cheirando a diesel de MechWarrior, com armadura pesada e poder de fogo industrial? Pois é, tem um mecha marchando só pra você.

Tech Romancer tem isso tudo e mais um pouco. Quero dizer, o herói principal (o que no caso de jogos de luta quer dizer o que aparece mais vezes nas artes do jogo)pilota um mecha que é basicamente um remix moderno do Mazinger Z, até o raio de peito e as poses heróicas. Agora sim, porra!

Então, enquanto o trocadilho no título podia sugerir uma grande tolice feita por razão nenhuma, o jogo em si é qualquer coisa menos isso. É uma explosão nerd-core, otaku ao extremo, celebradora do gênero, de puro amor por robôs gigantes – e quando você percebe isso, é difícil não dar um sorriso.

Então sim, a maior parte do apelo do Tech Romancer vem do tema. Como eu falei, cada personagem basicamente incorpora um clichê ou subgênero diferente do universo dos animes de mecha. Mas isso não é só um cosplay superficial – a Capcom foi até o talo. Eles não só vestiram o jogo com estética mecha; montaram um dream team de artistas na casa que tinham experiencia em desenhar robos, e olha que a Capcom tem algo a dizer nesse genero.


O conceito original e os designs dos personagens ficaram por conta dos veteranos da indústria Sho Sakai e Haruki Suetsugu (aka "Sensei"), nomes que você talvez conheça de POWERED GEAR (ou "Armored Warriors" nos USA)CYBERBOTS FULLMETAL MADNESS, e várias entradas da franquia Mega Man. Só isso já é um currículo foda. Mas a Capcom não parou aí. Para os designs dos mechas em si, eles chamaram o Studio Nue – sim, aquele Studio Nue – a lendária casa de design por trás de Macross, Gunbuster e Mobile Suit Gundam 0083. Então quando eu digo que o jogo conhece o material original, ele conhece mesmo – é um tributos únic e feito com amor.

E cara, como eles entregam. Cada mecha tem uma identidade visual e estilo de luta distintos, transbordando personalidade e estilo mecânico. Seja o visual robusto de um juggernaut militar ou a forma elegante de duas naves que se combinam, todo design parece ter saído direto do seu próprio anime. Sério, metade da diversão do jogo é só ver esses trambolhos gloriosos de aço dando socos, atirando e dando piruetas pela tela com todo o drama possível.


Agora, em termos de jogabilidade, o Tech Romancer mantém as coisas relativamente simples: tecnicamente só tem dois modos principais single-player, além do padrão Versus Mode. Tem o Story Mode, e o Hero Challenge Mode, que funciona como seu clássico modo Arcade. Mas não se engane pelo número limitado de modos – o Story Mode é onde o jogo realmente brilha.

Aqui está a coisa: o Story Mode de cada personagem acontece no seu próprio universo separado, com seu próprio tom, personagens secundários e lógica narrativa. Isso significa que você enfrenta os mesmos oponentes em histórias diferentes, mas os papéis deles – e até as personalidades – mudam dependendo de qual rota você tá jogando. Um personagem pode ser um aliado de confiança em uma história, e aparecer como um vilão louco por poder em outra. É como se cada narrativa eles interpretassem personagens em um anime totalmente diferente.

E mais impressionante ainda: as histórias são totalmente dubladas, incluindo personagens secundários que só aparecem em uma ou duas cutscenes. Isso passa realmente a sensação de estar assistindo um anime de mecha que você controla a slutas. E as histórias não são paródias baratas também – são cheias de referências, claro, mas sempre respeitosas. Tech Romancer não zoa o gênero, ele o celebra.


Melhor ainda é que muitas histórias têm caminhos alternativos e finais diferentes. Às vezes o caminho se divide com uma escolha direta no final da missão. Outras vezes, você precisa cumprir condições especiais – tipo terminar uma luta num tempo limite, evitar quedas, ou acertar um golpe final – pra desbloquear os finais diferentes. Isso dá um verdadeiro valor de replay e te faz experimentar várias vezes.

Só pra ter uma ideia: a história do Dixon tem vibes clássicas de Gundam, começando com ele como um novato no exercito e escalando pra uma guerra intergalática total. A história da DN-17 parece um anime de magical girl com pitada de mecha, cheio de brilho e otimismo. G-Kaiser traz toda aquela energia Super Robot acelerada, com punhos sendo disparados e bordões épicos. E tem o Wise Duck, cuja história mergulha fundo na ficção científica militar estilo MechWarrior, suja e realista.

Cada rota é uma homenagem sincera ao seu material de origem, entregue com a dose certa de melodrama, lasers e seriedade temática. É raro ver um jogo de luta botar tanto amor no seu conteúdo single-player, mas Tech Romancer manda bem demais no que se propõe a fazer.


Então sim, tenho que admitir – Tech Romancer me pegou na alma. Conceitualmente, ele acerta todas as notas. Eu sou exatamente o tipo de nerd viciado em anime pra não só reconhecer a maioria das referências, mas também pra começar a sonhar acordado com como seria uma hipotética sequência. Tipo, imagina: um novo piloto de mecha entra no roster, mas em vez de ser feito de aço e circuitos, a máquina dele é um pesadelo lovecraftiano bio-engenheirado – uma abominação biomecânica se contorcendo, movida a desespero cósmico e trauma parental não resolvido.

EU REALMENTE ACHO DIFICIL QUE A CAPCOM FAÇA UM JOGO DE LUTA BASEADO EM EVANGELION, SABE?

Eles fizeram JOJO BIZARRE ADVENTURE, MIN DEIXA SONHAR, Jorge! Mas sabe de uma coisa? Tudo bem, Jorge. Tudo bem. Porque Tech Romancer já nos dá o Pulsion – um personagem que parece o Ultraman mas se move exatamente igual a Eva-01 em modo Berserker. Pra mim é o suficiente. Eu aceito minhas vitórias onde eu puder obte-las, por menores que sejam.


E sério, se o jogo parasse por aí, eu já estaria vendido. Mas não. Tech Romancer dá um passo além, arromba a porta, e coloca o Jin Saotome e o Blodia II como personagens secretos – sim, aquele Jin do CYBERBOTS FULLMETAL MADNESS que se tornou mundialmente famoso por MARVEL VS CAPCOM: Clash of Superheroes – porque a Capcom literalmente não sabe fazer as coisas pela metade, mesmo quando ninguém pediu pra eles se esforçarem tanto assim.

É caótico, é nerd, é exagerado, e tá tão cheio de amor pelo gênero que praticamente vibra com nostalgia. Tech Romancer pode não ser o lutador mais polido ou conhecido do catálogo da Capcom, mas pra fãs de mecha, é um delírio glorioso e blindado – e eu tô aqui pra cada segundo disso.

Dito isso, tenho que admitir uma coisa – sim, eu provavelmente sou um pouco... tendencioso. Tipo, Tech Romancer é praticamente um otakugasm feito sob medida pra alguém como eu. Eu tô tão fundo nesse gênero que provavelmente identifico o designer de um robô pelo jeito que ele posa antes de soltar uma barragem de mísseis. 


Mas ainda assim – ainda assim – eu tenho algo que o Jorge aí de trás, me julgando silenciosamente atrás da xícara de café, diria que eu sou incapaz de fazer: integridade jornalística. Isso mesmo, Jorge. Eu tenho senso crítico, sim, obrigado. Então, por mais que eu adoraria dar nota máxima pra esse jogo só pela euforia mecha, eu tenho que ser realista: Tech Romancer tem alguns problemas, e não são exatamente problemas desprezíveis.

Primeiro e mais importante – os gráficos. Olha, não me entenda mal, a arte 2D? Ah, é linda. Maravilhosa. Transcendente. De pendurar na parede. Os retratos dos personagens e as cutscenes estilo visual novel são fogo puro. Dá pra ver que o time de arte botou a alma nesses assets. Mas os gráficos 3D de verdade – os que você joga – são... bem... vamos dizer que são funcionais. Tecnicamente roda a 60fps ou perto, o que é bom. Mas as animações dos personagens são estranhamente travadas e truncadas, o que faz parecer que tá dropando frames, mesmo quando não tá. Para um título da sexta geração, o Dreamcast conseguia fazer bem melhor que isso - esse jogo parece mais um título de Nintendo 64.

E os cenários são planos, muitas vezes só bitmaps estáticos com uma dithering brutal que parece que foi colocado de última hora. São dolorosamente genéricos e, pior ainda, são uma oportunidade perdida. Tipo, se você já tá enfiando tanta referência nos personagens, por que não joga umas easter eggs no cenário? Ao invés disso, a gente ganha paisagens vazias que gritam "placeholder" em vez de "homenagem".


Mas va lá, isso se releva. A minha maior reclamação de verdade – a engrenagem enferrujada da máquina – é essa: Tech Romancer, com todo seu charme, não é um jogo de luta particularmente bom. E meio que a luta ser boa em um jogo de luta é uma parte importante da coisa, sabe?

Os controles são simples – às vezes simples demais. Golpes especiais geralmente são só duas direções e um botão. Supers? Duas direções, dois botões. Isso deixa o jogo extremamente fácil de pegar e jogar, o que é ótimo pra diversão casual ou fãs de mecha que não querem decorar combos. Mas essa mesma simplicidade também sufoca a profundidade. Depois de uma hora, eu já tava cortando os oponentes como um piloto veterano no episódio 24 de uma temporada de 26. Não tem muito o que aprender depois que você pega o básico.

Sim, é divertido. Sim, é chamativo. Mas cansa rápido devido a superficialidade da coisa. E essa é meio que o calcanhar de Aquiles da Capcom com lutas 3D – eles ainda não chegaram no nível do próprio trabalho 2D em profundidade mecânica e balanceamento.


E finalmente, precisamos falar do Goldibus. O Goldibus, pra quem não teve o azar de conhecê-lo, é o chefe final do Tech Romancer. Ele também é um babaca colossal. Ele é uma referência ao Char Aznable, o Cometa Vermelho do Gundam original, o que é uma puta referencia linda s2 chuchu. Mas na prática é uma das lutas de chefe mais roubadas que já encontrei num jogo de luta.

O que acontece aqui e´uqe quando você vence o Goldibus pela primeira vez, a luta não acabou. Ele volta. Mais forte. Com mais golpes. Até aí normal, não é o primeiro jogo de luta que faz isso, e não será o último. O problema é que o jogo não recarrega sua barra de HP para a nova luta. Com efeito, você tem que matar ele quatro vezes seguidas com só duas barras de vida. Isso não é luta de chefe – é uma guerra de atrição. Mesmo na dificuldade mais baixa, ele é absurdamente dificil.

Então Tech Romancer acaba sendo uma das surpresas mais estranhas e malucas da Capcom – uma carta de amor gloriosa e subestimada a tudo que é mecha. A enxurrada de referências, as histórias ramificadas, o fato de você poder lutar contra um chefe kaiju usando um mecha que combina parecendo ter saído direto do Voltron – tipo, qualé. Se isso não é arte, o que é? A narrativa estilo anime, dividida em capítulos tipo programa de TV, com dublagem completa e homenagens que atravessam gêneros? Bitoca do cozinheiro. A Capcom foi até o fim no fanservice e mandou super bem na apresentação.

...Exceto na parte onde você realmente joga o jogo.

Porque sim, com todo o detalhe feito com amor e toda a energia nerd sem limites, a jogabilidade real do Tech Romancer é onde o mecha começa a enferrujar. É exageradamente simplista, a ponto de ser quase insultuosamente raso pra um jogo de luta. Os gráficos – especialmente os modelos 3D e cenários – são decididamente medíocres pra um jogo de Dreamcast, e poderiam ter usado mais estilo, mais personalidade, mais qualquer coisa. E ainda tem o Goldibus, o chefe final do inferno, que faz o Omega Rugal dar uma olhada nessa palhaçada e falar: "Tá, isso já é demais, né?".


No final, eu me diverti pra caramba com o Tech Romancer – mas se for pra ser sincero, foi porque eu sou um otaku sem esperança com uma queda por super robôs, melodrama de anime e sequências de transformação super elaboradas. É um grande jogo? Nem de longe. É uma ótima experiência pra fãs de mecha? Com certeza.

Então aqui vai meu veredito final: venha pelas referências, mas zere as expectativas pro combate. E se prepara pra enfrentar um chefe que te faz questionar suas escolhas de vida. Capcom, seus lindos e imprudentes – vocês quase tiveram uma obra-prima. Mas pelo menos me deram uma magical girl mecha lutadora, e isso já vale alguma coisa.

MATÉRIA NA SUPER GAME POWER
EDIÇÃO 085 (Abril de 2001)


MATÉRIA NA GAMERS
EDIÇÃO 052 (Fevereiro de 2000 - Semana 2)