quarta-feira, 11 de junho de 2025

[#1486][Dez/1999] DRAGON VALOR

No final de 1999, o hack 'n slash — o genero sucessor espiritual do beat 'em up — não era mais o garoto novo no quarteirão. Os dias de apenas dar espadadas em qualquer coisa 3D e isso ser suficiente já haviam passado , o gênero havia evoluído, amadurecido e até começado a se barbear. Apenas existir não era mais suficiente. Os jogadores exigiam mais do que dar espadadas genericamente em monstros poligonais, eles queriam mecanicas, história, talvez até um pouco de alma — ou pelo menos um level design divertido.

Então, quando Dragon Valor chegou ao PlayStation, cortesia da Now Production — um estúdio mais conhecido por seu trabalho em SPLATTERHOUSE e por mais ports da Namco do que qualquer um pediu (MS. PAC-MANADVENTURE ISLAND, o que você quiser) — você seria perdoado por esperar um jogo de luta desajeitado e barato com dragões para chamar atenção na capa.

Então... só que não. De alguma forma, contra todas as probabilidades, Dragon Valor teve a audácia de tentar algo diferente: narrativa ramificadas. Heróis geracionais. E sim, dragões porque ninguém é de ferro tb. Mas... isso faz dele uma joia esquecida? Um experimento malfeito? Ou a fanfic de anime medieval mais ambiciosa já gravada em um CD de PS1? É o que descobriremos hoje.


Então, hoje o papo é reto, eu vou valorizar seu tempo e ir direto ao ponto: no mundo de Dragon Valor, existe uma classe nobre de guerreiros conhecida como Dragon Valor — um título dado a caçadores de dragões de elite que... bem, caçam dragões. Ciência de foguetes, eu sei. 

Nossa história começa com um desses Dragon Valor lutando contra um grande e furioso dragão vermelho. E ele perde. Espetacularmente. O dragão, agora sem qualquer competição — ou acesso a uma internet decente para ter algo melhor pra fazer — decide incendiar a cidade vizinha só para se divertir.

Más notícias se você mora na cidade. Piores notícias se você for Clovis, nosso protagonista, que chega bem a tempo de encontrar sua irmãzinha fazendo sua melhor imitação de churrasco. Ele a segura nos braços para uma despedida com os olhos marejados enquanto ela ainda está em chamas (...espera, o quê?). É trágico, dramático e involuntariamente um pouco hilário. Seja como for, com a irmã flambada e a cidade natal agora ainda mais crocante, Clovis jura vingança e assume o manto de Dragon Valor para rastrear o lança-chamas voador responsável.


Dez anos se passam. Ele está mais velho, edgelord como nunca e ainda na sua busca. E, finalmente, é aqui que o jogo realmente começa. Clovis finalmente chega ao Reino de Raxis, onde a primeira tarefa é espancar um grupo de bandidos até os polígonos deixaram seus corpos. Entrada clássica de herói. Depois que a poeira baixa, ele conhece Carolina, uma inventora peculiar que só queria comprar peças de máquinas, mas acabou sofrendo uma tentativa de homicídio (Raxis provavelmente é um bairro de Osasco). Ela dá a Clovis um rápido resumo da história:

Os Cavaleiros Azale, outrora orgulhosos defensores do Império Jirat, entraram em modo traidor sob o comando de Volef, o Cavaleiro Negro — o que deveria ser surpresa pra zero pessoas com esse nome. Eles invadiram o Castelo Raxis e sequestraram a Princesa Celia, porque é claro que sequestraram. É a lei da fantasia: pelo menos uma princesa deve ser sequestrada a qualquer momento. E é aqui que a Bravura Dracônica puxa o tapete do dragão debaixo de você.

Veja bem, dependendo da ordem em que você encara as fases e dos eventos que você triggeia, Clovis pode acabar se casando com Carolina, a Inventora, ou com a Princesa Celia. É isso mesmo: você decide se o nosso matador de dragões se aposenta como um vagal sustentado pela esposa brilhantemente, casado com uma waifu steampunk, ou se torna o rei vagal de um reino inteiro com um casamento político com uma princesa de verdade. De qualquer forma, a vingança é servida com farofa, o dragão morre e Clovis tem um final feliz.

HÃ, TÁ, LEGAL QUE VC PODE ESCOLHER O FINAL DA HISTÓRIA, MAS ISSO NÃO É ALGO QUE EU CHAMARIA EXATAMENTE DE "TENTAR ALGO DIFERENTE" A ESSE PONTO DO FINAL DE 1999

Bem, realmente seria não fosse o caso que depois o disso o Capítulo 2 te atinge com o bom e velho Timeskip de 20 Anos™, e agora você joga como filho de Clovis. E dependendo de com quem Clovis se casou, o herdeiro muda. Se você salvou a Princesa Celia, você joga como Arlen Barclay, o príncipe arrojado de Raxis. Se você escolheu Carolina, você tem Kodel Barclay, que vive nos mares roubando piratas (pq como um homem muito sábio disse certa vez, a vantagem de roubar bandidos é que eles não podem ir a policia). Como bonus, ambos os personagens têm estilos de luta ligeiramente diferentes (pero no mucho).


Ideia bacana, cool, cool, mas nada disso adianta lá muita coisa se não estiver em um bom jogo, então vamos falar de jogabilidade. E veja só — Dragon Valor não é "ruim" por nenhuma métrica. Ele... funciona. É um hack'n slash. Vc bate em coisas. A hit detection funciona. O jogo dá uma sensação boa de bater em coisas e se tem algo que eu sempre digo é que em um jogo sobre bater em coisas é meio que importante que seja satisfatório bater em coisas. 

Então o problema de Dragon Valor não é que o jogo faz alguma coisa particularmente errada... o problema é que ele meio que só vai até aí. Ele simplesmente existe. Por isso eu quero dizer que, mecanicamente, este é um híbrido entre hack 'n slash e beat 'em up, o que soa mais legal do que é realmente. Às vezes, você estará vagando por labirintos de masmorras 3D em busca da saída, outras vezes ficará trancado em uma sala até socar todos os goblins até virarem pasta de miúdos — no clássico estilo beat 'em up. Só falta o "GO →" piscando na borda da tela. Se hack 'n slash é a evolução 3D natural do beat 'em up, então Dragon Valor é o elo perdido. 



Mas não importa como você o rotule, o ciclo de gameplay é sempre o mesmo: caminhe, soque, lance magias. Enxague e repita. Às vezes, você pode apimentar as coisas pulando. Talvez. Se estiver se sentindo ousado.

A boa notícia é que, como eu disse, a detecção de acerto é sólida, os inimigos reagem corretamente quando golpeados com espadas de anime enormes e há uma certa variedade de golpes pouco usual em um beat'm up. A má notícia é que, como eu também disse, é meio que só isso.

E ser "só isso" não seria tanto um problema no seu tradicional beat'm up de 45 minutos, uma hora que seja, va lá. Só que imagine fazer isso — exatamente esse loop de gameplay — por seis horas seguidas. Seis fodendas carameladas horas. Caso você não lembre, os beat 'em up dessa época (FINAL FIGHTSTREETS OF RAGE 2 e até TEENAGE MUTANT NINJA TURTLES IV: TURTLES IN TIME) realmente durava cerca de uma hora, no máximo e por um motivo. Porque depois da marca de 45 minutos, seu cérebro começa a escorrer pelas orelhas de pura repetição.

Mas Dragon Valor quer que você faça isso mais de uma dúzia de vezes. Porque lembre-se: o grande ponto forte do jogo é a rejogabilidade. Três histórias. Nove personagens jogáveis. São 15 a 20 horas socando dragões e as mesmas masmorras de novo e de novo e de novo.

Então, sim — o jogo funciona em um nível puramente tecnico. O problema é que ele não funciona para você executar o conceito que o torna único, sua rejogabilidade, pq seis horas cada sentada não tem sacristão que tanke.

E claro, não ajuda muito que Dragon Valor, apesar de toda a sua ambição grandiosa e multigeracional, não faça muita coisa com ela realmente. Você esperaria dinastias épicas, traição, romance, drama, rixas sangrentas através das eras — sabe, narrativa de verdade já que esse é o ponto de venda do jogo, sabe?


Só que o que temos em vez disso? Bem estou bastante convencido de que o enredo foi escrito em um documento de 7 linhas do Bloco de Notas, provavelmente durante o intervalo de almoço de alguém. "Dragão mata irmã. Homem quer vingança. Casa-se com uma de duas garotas. Filho parte em busca do pai desaparecido." É basicamente isso. Não há nada particularmente interessante aqui — apenas drama de anime filler requentado.

Quanto aos gráficos, bem, tecnicamente eles são bons. Para um título de PS1 do final da vida do console (uau, já entramos nessa reta final, huh?), Dragon Valor consegue extrair uma quantidade decente de detalhes. Os modelos dos personagens são robustos, com uma quantidade de poligonos na tela que os jogos do PS1 de 95 não poderiam sonhar em seus sonhos mais molhados.

O problema não é exatamente a qualidade dos gráficos e sim que a direção de arte é mais sem graça do que tofu sopa de hospital. Veja, não é que o jogo pareça ruim. É que parece todos os clichês de fantasia jogados no liquidificador e despejados em um disco de PS1. Castelos, cavernas, florestas — tudo se mistura em uma grande massa marrom-acinzentada de meh.

Peguemos THREAD OF FATE, outro hack'n slash da mesma época desenvolvido pela Squaresoft. Aquele jogo tinha menos polígonos, texturas mais simples e, ainda assim, era dez vezes mais memorável, simplesmente porque a direção de arte tinha estilo. Tinha cor, capricho, identidade. Dragon Valor tem tecnologia, mas não a usa para nada particularmente marcante.

Então aqui estamos — com um jogo que funciona, quer ambiciosamente contar uma história através de gerações e é tecnicamente sólido... mas acaba esquecido pelo quão sem sal e repetitiva toda a experiencia é. Então se você perguntar por que Dragon Valor, apesar de sua ideia tão diferentona, foi completamente esquecido, por que desapareceu da história dos games como as equações de segundo grau da suas memórias do ensino médio, agora você sabe.

Honestamente, acho que DV pode ser o jogo graça mais ambicioso já feito. Um jogo com uma ideia genuinamente legal — gerações de heróis, linhas do tempo ramificadas, árvores genealógicas moldadas pelas suas escolhas — mas sem criatividade alguma para fazer algo significativo com ela. 


Não apenas a história é esquecível, os personagens não são melhor que essa linha de filler genérico. Desafio você a se lembrar do nome ou do visual de um único personagem deste jogo dez minutos depois de desligá-lo. Você não vai. 

A jogabilidade, como eu disse, não é ruim. Tudo funciona. Mas ele tenta fazer tão pouco, por tanto tempo, que chega a ser doloroso. Você está jogando um beat 'em up de 1991, em um disco de PS1 de 1999.

E a julgar pelo quão ruim essa coisa de "saga geracional" se saiu em PHANTASY STAR 3, meu parecer tecnico sobre o assunto é: esse conceito é amaldiçoado. É, análise de nível profissional. É isso que fazemos aqui.

MATÉRIA NA AÇÃO GAMES
EDIÇÃO 149 (Março de 2000)


MATÉRIA NA SUPER GAME POWER
EDIÇÃO 071 (Fevereiro de 2000)


MATÉRIA NA GAMERS
EDIÇÃO 036 (Dezembro de 1998)


EDIÇÃO 054 (Fevereiro de 2000 - Semana 4)