Então, para o jogo de hoje...
WOW, WOW, ESPERA AÍ, TEMPO!
Começou cedo hoje, Jorge.
VI QUE VOCÊ MARCOU ESTE JOGO COMO RPG DE AÇÃO, RAIL SHOOTER, SURVIVAL HORROR E POINT'N CLICK. POR QUE NÃO MARCAR COMO JOGO DE CORRIDA ENQUANTO ESTAMOS NISSO?
Olha, eu entendo. Parece que eu fui colocando tags aleatoriamente, mas juro que não estou de sacanagem — D2 realmente é tudo isso e possivelmente mais. Se Shinji Mikami e David Lynch tivessem um tórrido fim de semana de amor em uma cabana isolada pela neve com um kit de desenvolvimento do Dreamcast, nove meses depois este seria o resultado.
E de muitas maneiras, D2 é o microcosmo perfeito do Dreamcast, porque de alguma forma o Dreamcast se tornou o lar das grandes tolices, de jogos tão genuinamente japoneses que dão a volta completa no espectro da ruindade e se tornam fascinantes no sentido de "mas que porra eu acabei de ver?" - você sabe, jogos como BLUE STINGER ou SPACE CHANNEL 5.
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No Japão, foram colocadas três capas variantes a venda. Because ART. |
Então pegue uma garrafa térmica, feche o zíper da sua parka e vamos passear juntos pela tundra, onde os monstros parecem caras com roupas de borracha, as cutscenes nunca terminam e seu único amigo está lentamente se transformando em uma salada.
Mas para realmente entender D2 — tanto quanto qualquer um pode entender esse jogo — você primeiro precisa entender a mente por trás dele — tanto quanto qualquer um pode entender esse homem. Porque Kenji Eno não era um desenvolvedor comum. Ele não era nem um desenvolvedor esquisito comum. Ele era uma daquelas figuras raras e míticas na história dos jogos japoneses — o tipo autor rockstar. Você sabe: jaqueta de couro, óculos escuros em ambientes fechados, um olhar fixo e distante. O tipo de cara que te interrompe no meio da frase com: "Silêncio. Estou fazendo arte".
Ele pertencia àquele panteão sagrado de curingas criativos como Suda51, Daisuke Ishiwatari ou Hideo Kojima — só que Eno, de alguma forma, os fazia parecer domesticados. Ele não era apenas um desenvolvedor de jogos. Ele era um provocador. Um agente do caos.
Quando a Sony tentou usar seu poder como publisher para interferir no desenvolvimento criativo de ENEMY ZERO, Eno não enviou um e-mail raivoso — ele apareceu em uma coletiva de imprensa da Sony com uma demo do seu jogo, jogou ao vivo e encerrou a demo queimando o logotipo do PlayStation na tela e substituindo-o por "Exclusivo para Sega Saturn". Quando descobriu que alguns de seus fãs eram cegos, ele não escreveu um post sobre acessibilidade. Ele criou um jogo completo — Real Sound: Kaze no Regret — uma experiência narrativa completa, sem recursos visuais, projetada inteiramente para ser jogada por som. Quem faz isso? Um artista. Um louco. Kenji Eno.
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Kenji Eno, Buzz Lightyear e Pingu. A combinação mais aleatória de toda internet. |
Infelizmente, nós o perdemos cedo demais. Em 2013, com apenas 42 anos, ele faleceu de insuficiência cardíaca causada por hipertensão. Mas D2 permanece e é mais ou menos assim que eu imagino o pitch meeting de D2:
Cenário: Uma sala de conferências austera e mal iluminada no final dos anos 90 em Tóquio. Uma TV de tubo vibra suavemente ao fundo. Há neve caindo lá fora. Kenji Eno entra usando óculos escuros.
KENJI ENO (bate uma fita VHS com o rótulo "D2: CONFIE NA INFECÇÃO" na mesa):Imagine isso:Uma mulher acorda na neve.Todos que ela conhece estão se transformando em fungos.Ela precisa matar sua melhor amiga.Ah — e as árvores estão ouvindo.EXECUTIVO DO JOGO (piscando):Ok... Você nos ganhou com "fungos". Isso é uma continuação de D?ENO (acende um cigarro, ignora a placa de "proibido fumar"):Não é uma continuação.É uma mutação.Como o jogo. Como a humanidade. Como as suas expectativas.CARA DO MARKETING (já suando):Então... uh... qual é o loop de gameplay?ENO:Você anda na neve.Você observa.Você fotografa veados.Você atira em comissários de bordo mutantes em combate em primeira pessoa.Aí você come carne de alce para restaurar HP.É sobre sobrevivência, não ação.EXECUTIVO:Tem jumpscares?ENO:Não.Existem terrores existenciais.CARA DO MARKETING:A Laura consegue falar?ENO:Ela consegue.Mas o silêncio é mais honesto.Além disso, se ela grita quando seu único amigo se transforma em um cogumelo vivo, isso é clichê. Se ela não diz nada, isso é arte.EXECUTIVO (folheando as anotações):Ok, qual é a história?ENO:Um terrorista com olhos brilhantes sequestra um avião.O avião cai na tundra canadense.Os sobreviventes sofrem mutações devido a esporos alienígenas.Um homem chamado Janie acha que essa é a vontade de Deus.Laura resiste.Mas talvez ela não seja imune...Talvez ela seja escolhida.CARA DO MARKETING (olhos arregalados, hiperventilando):Tá, eu acho que a gente consegue vender isso... Vamos dizer que parece uma mistura de The Thing com PARASITE EVE...ENO (sorrindo):Exatamente.Nós não te assustamos com monstros.Nós fazemos você se perguntar se você é um.EXECUTIVO:Certo. Teremos um final feliz?ENO:Só se você definir "feliz" como "talvez a protagonista morre sozinho na neve enquanto a biologia alienígena toma a Terra".CARA DO MARKETING (tira uma bombinha de ar do paletó):Vamos precisar de um tipo diferente de estratégia promocional.ENO:Diga a eles que é um survival horror com combate em turnos, fotorrealismo e uma trilha sonora de tirar o fôlego.Mas deixe claro para eles:Este é um jogo em que você não salva o mundo.Você só tenta não se tornar parte dele.EXECUTIVO (acenando lentamente com a cabeça):...Você é um gênio ou um paciente que escapou do CAPS.
Agora que entendemos com quem estamos lidando aqui, suponho então que podemos falar sobre o jogo. E sinceramente eu nem sei por onde começar, porque descrever D2 é como tentar explicar um sonho depois de acordar suando frio. Em linhas gerais, é uma mistura de "The Thing" com "PARASITE EVE", com uma pitada do pavor existencial de SILENT HILL e um leve toque do complexo de ego cinematográfico de METAL GEAR SOLID. É complicado, ok? Você não pode simplesmente colocar tags nessa coisa por gênero e dar o trabalho como feito, você precisa de um diagrama de Venn inteiro para entender D2.
À primeira vista, parece um jogo de survival horror — cenário nevado, isolamento assustador, monstros com dentes demais. Mas aí te joga em um combate de tiro em primeira pessoa. E aí você está andando na neve. Muita neve. E aí você está caçando alces. Então, um cara com olhos brilhantes aparece e monologa sobre evolução por 45 minutos. Aí você volta a comer carne de alce para curar seus ferimentos de bala. Não é um jogo que se importa com coesão ou ritmo. É um jogo que te olha direto nos olhos e diz: "Você está no meu território agora".
Tá, certo, eu sei que não estou fazendo muito sentido aqui — mas o jogo também não, então pelo menos estamos na mesma batida. Suponho que possamos diminuir o ritmo e falar sobre a história. Só a história. Só o enredo básico. Nada de estranho.
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O close no bebê chorando é extremamente importante para essa cena, because ART |
Então, D2 começa com nossa protagonista silenciosa, Laura Parton (pq Eno era o Manoel Carlos japonês, ele usava sua "atriz digital" em diferentes projetos, sempre chamada Laura), dormindo um pouco em um voo para [REDIGIDO] por motivos que o jogo nunca explica de fato. Está nevando lá fora, a vibe está ruim e o filme do voo provavelmente é só ruído branco e sofrimento. Ela tem uma conversa amigável com um homem chamado David, que parece perfeitamente normal — o que significa que, neste jogo, ele não é.
Então — surpresa! Terroristas sequestram o avião. Porque é claro que sequestram. E eles não são apenas os típicos "morram porcos imperialistas ianques" ou algo do tipo, não — são cultistas misteriosos liderados por um cara que murmura coisas que invocam esporos ancestrais do espaço. Eu queria estar inventando isso.
David tira o disfarce de NPC e entra no Modo Agente do FBI, mas antes que ele possa salvar o dia, um meteorito acerta o avião em pleno voô porque WHAT THE FUCKIND ODDS. A aeronave cai na natureza selvagem canadense.
Laura então acorda (de novo — isso vira um tema) em uma cabana na neve, sendo cuidada por Kimberly Fox, uma poeta, compositora e mulher que parece ter feito aulas de teatro no segundo grau e acha até hoje que é uma artista. Kimberly explica que já se passaram dez dias desde o acidente, mas ela só encontrou Laura há dois dias. Então, o que aconteceu nesses misteriosos oito dias?
Ótima pergunta. O jogo não a responde.
A atmosfera aconchegante do apocalipse dura pouco. Um dos sequestradores entra cambaleando, sofre uma mutação no local e se transforma em Fotossíntese dos Mortos-Vivos. Entra Parker Jackson, pesquisador do CETI, especialista em vida selvagem canadense e um cara que claramente sabe demais. Ele acaba com o monstro (aparentemente armas de fogo são uma pericia para cientistas do CETI), mas assusta Kimberly o suficiente para ele ser chutado de volta para a neve sem dar maiores explicações. Sim, eu sei, não está fazendo sentido nenhum, mas acredite, a partir daí, as coisas só pioram.
Laura parte para o vazio congelado em busca de ajuda, apenas para perceber que os sobreviventes do acidente estão se transformando em monstros vegetais — coisas horríveis cronenbergianas que parecem o elenco rejeitado de Berserk. Ela acaba em uma mina abandonada em busca de Jannie, uma garotinha que Kimberly encontrou no local do acidente. Uma garotinha que pode ou não ser inteiramente humana. Ou real. Ou ambos.
E eu nem vou começar a falar do culto apocalíptico lovecraftiano fúngico que, de alguma forma, está ligado à extinção em massa dos dinossauros. É. Isso está lá. Entre os acidentes de avião, horror corporal na neve e clube de teatro do segundo grau.
Enfim... a ideia geral da coisa toda é basicamente "The Thing" — sabe, isolamento, paranoia, horror mutante, não confiar em ninguém — se "The Thing" tivesse sido escrito por Tommy Wiseau. Não, eu não estou exagerando. Eu tenho um vídeo. Você precisa ver para acreditar:
Eu estou falando muito sério quando digo que a maior parte das cenas de D2 parecem como se alguém tivesse apertado o botão "gravar" durante um monólogo dramático numa aula de teatro do ensino médio. Há paixão. Há gritos. Há lágrimas. Há uma tomada longa de alguém olhando para o horizonte, falando sobre o lugar da humanidade no cosmos como se estivesse fazendo um teste para "Melancholia 2: Fungi Edition".
Eu realmente não sei dizer se o Eno estava me trollando ou se ele realmente achava que aquele era o seu Cidadão Kane. O que posso dizer é que o cara adorou o som da sua própria voz criativa, isso com certeza. Quanto, você pergunta?
D2 tem quatro CDs. É um recorde no Dreamcast. E pelo menos metade são só cutscenes — cutscenes longas, lentas e melodramáticas que se levam muito, muito a sério. Mas é isso que acontece com D2 — Eno não faz as coisas pela metade. Não é irônico. Ele acredita em si mesmo com uma intensidade tão crua e descontrolada que você começa a acreditar também. Ou rir do quão tosco tudo isso é. Frequentemente as duas coisas.
Então, sim — a história é ridícula. Tipo, além do ridículo. Estamos falando de níveis de ridículo do tipo "antigos deuses cogumelos causaram a extinção dos dinossauros e agora vivem na sua corrente sanguínea". Estou falando rídiculo ESSE nível de ridículo:
Só que ao contrário de grandes tolices que sabem que são grandes tolices, como RESIDENT EVIL - CODE: Veronica, D2 não dá uma piscadinha para o jogador. Não. Ele te olha fixamente nos olhos, sem pestanejar, e acredita firmemente que esta escrevendo os Irmãos Karamazov, mas com mais tentáculos. Se você me dissesse que Eno fez o elenco viver em uma cabana e comer musgo por um mês para dar realismo, eu acreditaria.
Eu realmente consigo imaginar Kenji Eno, sozinho em um quarto escuro, usando óculos escuros dentro de casa, assistindo a horas de suas próprias cutscenes em loop, levantando lentamente as duas mãos e dizendo: "ABSOLUTE VIDEOGAME". Pessoalmente, eu acho que ele estava mirando em METAL GEAR SOLID e acertou em KOUDELKA. Mas, ei — eu não sou um artista visionário. O que eu sei realmente?
A jogabilidade, como você já pode esperar a esse ponto, é tudo menos convencional. Quando eu disse que usei meia dúzia de gêneros para descrever D2, não estava exagerando — estava sendo conservador. Então, como essa gloriosa bagunça realmente funciona?
Bem, quando você está em ambientes fechados, o jogo se transforma em uma boa e velha aventura de apontar e clicar, não muito diferente do D original. Você move a tela para locais fixos pré-renderizados, pega itens, resolve puzzles.
Mas quando você sai, as coisas mudam. O jogo muda para um tipo de modo survival horror, vagamente reminiscente de Silent Hill... se Silent Hill tivesse batalhas aleatórias. Sim. Encontros aleatórios. Em um jogo survival horror. Tá, eu sei, PARASITE EVE fez isso, mas... D2 não é exatamente PARASITE EVE no sentido que as batalhas aleatórias são baseadas em turnos como um jRPG comum. Ah, não. Isso é D2. Então, em vez disso, você tem batalhas de tiro em trilhos. Você sabe, como jogar uma partidinha de THE HOUSE OF THE DEAD enquanto anda pelo mapa.
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É claro que Laura tem um rádio que manda mensagens creepy pra ela pq todo mundo jogou SILENT HILL... só que aqui é um gravador, o que faz menos sentido |
Isso mesmo — você anda três passos e bum! Um cara que parece um chefe rejeitado de Resident Evil salta para fora da neve e, de repente, você mirando e atirando manualmente. As lutas de chefes são assim tambem, com direito a você ter que encontrar o ponto fraco deles para causar dano (e por isso espere algo bem Kenji Eno, tipo ter que acertar uma borboleta enquanto uma abominação Lovecraftiana te ataca pq... hã... simbolismo?)
Todos comigo até aqui? Provavelmente não, mas mesmo assim agora precisamos falar sobre o modo de caça em primeira pessoa. Sim, há um simulador de caça FPS separado, onde Laura — uma mulher traumatizada com amnésia e vestindo uma saia executiva no inverno canadense — pode simplesmente ir atirar em animais selvagens. Por quê? Porque ela carrega uma churrasqueira portátil, duh. É assim que ela se cura: cozinhando carne no meio do pior inverno do Canadá, enquanto monstros gritam à distância.
Além disso, aqueles encontros aleatórios que mencionei? É, eles te dão EXP. Então você pode subir de nível. Por que não transformar isso em um Action RPG também, né? Você aumenta seu HP e aumenta sua skill nas armas... o que eu não posso dizer que tenho certeza de pra que serve.
A esta altura, acho que já cobri todas as mecânicas, mas, sinceramente? Provavelmente tem um dating sim, um minigame de ritmo e uma aventura de texto escondidos no Disco 4. Nem me surpreenderia.
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Então... o que eu acho dessa bagunça? Bem, que ela é uma bagunça. Eu nunca vi um jogo — nunca mesmo — com uma história tão boba e ainda sim que se leva tão mortalmente a sério sobre si mesmo. D2 é o tipo de jogo que te olha nos olhos, recita um monólogo de poesia colegial sobre os pecados da humanidade e depois te envia para uma batalha aleatória contra um cogumelo de carne. E, de alguma forma, ele se orgulha disso.
Nos créditos, Kenji Eno agradece a Hideo Kojima — sim, aquele Kojima, o mago das novelas militares enroladas. Mas, olha, nada em D2 chega perto do majestoso desastre de um jogo do Kojima. Digam o que quiserem sobre METAL GEAR SOLID, mas esse é um jogo ruim feito por um gênio. D2 é... algo completamente diferente.
O momento mais icônico para mim é quando de vez em quando, somos presenteados com imagens reais de guerras e desastres naturais — enquanto a voz da Mãe Terra dá um sermão em Laura para fazer algo vago e "significativo". Isso mesmo: imagens ao vivo de sofrimento, misturadas a um jogo sobre atirar em alces mutantes e aumentar o nível da sua carne de churrasco curativa.
Porque Eno não queria apenas fazer um jogo de survival horror. Ele queria fazer Cidadão Kane. Em seis gêneros diferentes. Com alienígenas. E clones. E estojos de maquiagem milagrosos. E está tudo lá. De alguma forma. E... esse é o charme de D2, não é?
Como eu disse antes, é muito mais fácil encontrar filmes ruins que são tão ruins que ficam bons do que jogos ruins que fazem a mesma mágica. Um filme ruim, você pode relaxar e aproveitar. Um jogo ruim geralmente significa que você é quem sofre. Mas D2? Ele cai naquela zona amaldiçoada e onírica em que o Dreamcast parecia se especializar — as obras-primas "tão ruins que são boas". Jogos que são quebrados de todas as maneiras certas — competentes o suficiente para jogar, insanos o suficiente para serem inesquecíveis.
Mas sabe de uma coisa, sério mesmo? Eu realmente não acho que Kenji Eno tenha criado D2 porque queria fazer um "bom jogo". Acho que ele o fez porque queria fazer alguma coisa... embora eu não saiba dizer "o que", exatamente.
Algo estranho demais para viver, raro demais para morrer. Algo que te faria questionar se estava jogando, assistindo a um filme experimental ou preso em uma longa pegadinha. Algo que começa com um acidente de avião e termina com você cozinhando carne de veado enquanto a Mãe Terra sussurra "conserte o mundo" em seus ouvidos.
Então, o que é D2, afinal?
Não é um bom jogo. Não da maneira como costumamos falar sobre bons jogos. A história é ridícula, o tom é risível, o ritmo é glacial, a atuação é um melodrama de clube de teatro e a jogabilidade é costurada a partir de seis gêneros completamente diferentes, nenhum deles particularmente bem feito. Ou mesmo medianamente bem feito E ainda assim... é inesquecível.
Porque aqui está a questão: Kenji Eno não estava tentando fazer um bom jogo. Não da forma como pensamos — divertidos, equilibrados, refinados, comercialmente viáveis. Não, o que Eno estava tentando fazer era uma declaração. Uma sensação. Uma experiência. Ele não era um desenvolvedor de jogos, mas sim um artista. O que ele construiu com o D2 não era um jogo, mas sim um santuário para sua própria visão — seja lá qual fosse essa visão. E talvez nunca saibamos de verdade. Talvez nunca devêssemos saber.
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Pq é claro que o chefe final seria o Behelit, obviamente |
TÁ, MAS COMO É QUE VOCÊ TEM TANTA CERTEZA QUE... ISSO DAÍ... É UMA VISÃO ARTISTICA E NÃO APENAS, VOCÊ SABE, UM JOGO RUIM?
Se você realmente precisa de uma prova irrefutável que Kenji estava tentando... alguma coisa... com esse jogo mais do que apenas pagar a conta da luz, o final dele certamente cementa essa questão em definitivo:
Após o desfecho de Laura, o jogo então passa os próximos cinco minutos com um supercut de toda vida na Terra, dos dinossauros até os dias atuais. E passado isso, são mais cinco minutos apenas com dados estatisticos de como estamos levando o nosso planeta ao vinagre - alias é fofo saber que em 1999 a estimativa da população da Terra para o ano 2100 saber era apenas 10 bilhões, estamos em 2025 e já batemos quase 9. Mas o ponto é que novamente eu te pergunto: quem faz isso? Um artista. Um louco. Kenji Eno.
Então, é, certamente, indubitavelmente existe uma mensagem aqui. Talvez uma brega, talvez uma saída de uma mente com dificuldade em se expressar, talvez uma que não faça o menor sentido com o resto do jogo... mas uma mensagem. E talvez seja isso que a arte realmente seja, no fim do dia. Não algo que agrade ao público. Não uma checklist de features. Não um produto simplificado, refinado por uma dúzia de testes de controle de qualidade. Arte é a tentativa confusa, indulgente e bela de comunicar algo impossível. Mesmo que o resultado seja falho. Mesmo que seja estranho. Mesmo que seja meio ruim.
Porque algo real aconteceu aqui. Algo sem filtro, sem edição e cru. Algo com coração. D2 é o mais próximo que temos de The Room em forma de videogame — não apenas porque é ruim, mas porque é ruim tentando de ser algo grandioso, visionário. D2 tenta ser seis gêneros e Cidadão Kane ao mesmo tempo. Fracassa. Espetacularmente. Mas, ao fracassar, torna-se algo que não vemos mais com frequência: algo único.
Então, não, não posso dizer que você vai gostar de D2. Mas posso te prometer uma coisa: você nunca vai esquecer dele. E em um mar de entretenimento bege, seguro e bem testado, isso significa alguma coisa.
EDIÇÃO 133 (Novembro de 1998)