domingo, 1 de junho de 2025

[#1482][Fev/1999] HARVEST MOON 64


Bem, para começar os trabalhos eu preciso ser sincero: Harvest Moon 64 é um jogo muito, muito difícil para mim analisar. A questã aqui é que eu nunca joguei um Harvest Moon na minha vida. Nenhum. Nem por acidente. Nunca sequer vi uma gameplay... MAS... eu gastei mais de 300 horas em Stardew Valley. Eu sei, eu sei. É como admitir que você só viu O Despertar da Força e agora vai julgar Uma Nova Esperança. Heresia da mais alta ordem. 

E é exatamente isso que torna isso difícil a analise. Eu sabia antes de jogar que Harvest Moon 64 era a semente. A planta-baixa. O Éden pixelado de onde todos os simuladores de fazenda aconchegantes sairam com a enxada na mão. Eu também sabia que me depararia com um campo minado de momentos em que diria: "Nossa, isso é meio desajeitado... em Stardew Valley essa parte é bem melhor feita...", mas essa seria uma maneira injusta de encarar a situação. Harvest Moon 64 não está tentando ser Stardew — está tentando ser a melhor tentativa de 1999 de simular a alegria rústica de ignorar suas plantações e se casar com a bibliotecária local.

Então, aqui está minha promessa a você, caro leitor: farei o meu melhor para evocar a mentalidade do ano 2000. A era das TVs de tubo, memory cards do tamanho de um McLanche e o medo constante de que a bateria do seu cartucho acabasse no meio de um save. Eu vou fazer o melhor para ver este jogo como ele deve ser visto. E se eu fraquejar? Se eu ousar comparar? Peço apenas perdão aos fantasmas dos antigos avós que deixam fazendas de herança, que agora me julgam silenciosamente de seus celeiros celestiais no céu.

Uma curiosidade é que esse jogo se passa 60 anos após o primeiro jogo do SNES, sendo que o seu avô que morre e te deixa a fazenda é o protagonista do jogo anterior. Alguns velhinhos da cidade também são personagens do jogo anterior

Certo, então, se estou olhando para Harvest Moon 64 com meus confiáveis ​​óculos da virada do milênio, vamos falar da primeira coisa que te chama atenção: os gráficos, ou no caso, a falta deles. Para um lançamento já da reta final do N64, HM64 é bem... humilde. A série começou no SNES, tropeçou no Game Boy e, de alguma forma, apesar de ter chegado a um console capaz de renderizar mundos abertos do tamanho do maracanã (BANJO-TOOIE #beijomeliga), Harvest Moon 64 parece que nunca saiu do celeiro dos 16 bits.

Na verdade, você pode confundir isso com um jogo de SNES que aqui e acolá usa um efeito em 3D. E nem mesmo um dos bons jogos de SNES. Quer dizer, SUPER MARIO RPG: Legend of the Seven Stars conseguiu toda a estética de "sprites 3D em um mundo 2D" com dez vezes mais charme que você encontra em HM64. Até mesmo o Harvest Moon original para SNES tem uma fofura em sua pixel art que faz esta versão de N64 parecer o filho do meio esquecido da série.

Mas ei, tudo bem. Ninguém joga um simulador de fazenda esperando gráficos de ponta ou galinheiros com ray tracing. A menos, é claro, que você curta a série Farming Simulator, onde tratores hiper-realistas parecem ter sido renderizado pela NASA. Mas isso é um vespeiro que não estou pronto para cutucar hoje, para não ser expulso da internet por uma multidão agressiva de entusiastas de tratores.


Não, a alma de um simulador de fazenda são as waifus... digo, a jogabilidade. Mas sejamos maduros, jogabilidade primeiro, waifus depois. Provavelmente. Talvez.

E nesse sentido, você tem que dar a Harvest Moon 64 um crédito enorme. Hoje em dia você não consegue chutar uma arvore pixelada sem cair três simuladores de fazenda indies e uma imitação para celular, mas naquela época? Em 1999, não havia nada como isso por aí (quer dizer, tirando o jogo anterior para Super Nintendo). A ideia de que você podia simplesmente relaxar, viver suas fantasias pastorais, ordenhar a terra, semear as vacas, arar as sementes... espera. Não. Isso não está certo. Eu sou um garoto da cidade. Não conheço a terminologia correta, ok? Minha ideia de vida rural é baseada inteiramente em reprises de Rei do Gado.

A questão é: Harvest Moon 64 permitia que você acordasse de madrugada, regasse suas plantações, acariciasse seu cachorro, jogasse uma batata na cara de uma garota de quem gostasse (chicks love that) e depois desmaiasse à meia-noite de cara no seu campo. E isso era mágico. Havia um ritmo nisso, uma qualidade meditativa que tornava a repetição quase... reconfortante. Numa época em que a maioria dos jogos era obcecada em salvar o mundo, Harvest Moon simplesmente pedia para você se lembrar de alimentar suas galinhas.


Então, vamos falar sobre o game loop, porque é aqui que Harvest Moon 64 começa a mostrar seu charme. Veja bem, ser um humilde fazendeiro pixelado não se trata apenas de jogar sementes no chão e esperar que a Mãe Natureza te dê uma Hilux. Não, meu amigo. Este jogo é um simulador implacável, baseado em planejamento e sensível às estações.

O ciclo do dia é brutal. Você acorda às 6 da manhã e a partir desse momento o relógio corre como se estivesse atrasado para uma reunião corporativa. Cada ação custa tempo e stamina. Regar plantações? Tempo. Ordenhar vacas? Tempo. Pegar acidentalmente seu cachorro em vez do regador pela 37ª vez consecutiva? Stamina. E tempo também. Antes que você perceba, é meia-noite e você desaba no seu canteiro de repolhos como um goblin exausto. De novo.

E então há as estações. Quatro deles, exatamente como a natureza planejou — Primavera, Verão, Outono e Inverno —, mas não são apenas trocas de paleta. Ah, não. São mudanças de regime completas. As plantações vivem e morrem de acordo com o calendário. Aquela fileira perfeita de nabos que você cuidou com carinho por uma semana? Se a estação mudar e eles não forem colhidos, eles morrem. Acabam. Desperdiçados. Todo aquele trabalho exaustivo e de apertar botões, jogado direto no vaso sanitário sazonal. Feliz primeiro dia de verão, otário.


Isso significa que Harvest Moon 64 é, acima de tudo, um jogo de planejamento e gerenciamento. Você está constantemente fazendo malabarismos logisticos: o que plantar, quando plantar, quão rápido cresce, quanto você ganha pela colheita. Você começa a olhar para o calendário do jogo como se fosse um pergaminho de profecia. Festivais, aniversários, ciclos de colheita — cada quadrado importa. Perca um evento e você pode perder pontos de afeição com uma candidata a casamento. Perca uma janela de colheita e você vai dormir sem jantar. De novo.

Então, embora o jogo pareça um simulador de fazenda feliz e contente, ele é mais um survival horror de gerenciamento de tempo, onde o verdadeiro monstro é o planejamento ruim e o chefe final é esquecer de comprar sementes antes que a loja feche às 17h em ponto. Porque, sim — todas as lojas fecham cedo. E não, você não pode arrombar. Eu tentei. Repetidamente.

E ainda assim, de alguma forma, esse ciclo é viciante. Acorde. Trabalhe a terra. Socialize. Planeje. Desmaie. Repita. É o tipo de estrutura que mexe diretamente com seu cérebro reptiliano. Só mais um dia, só mais uma colheita, só mais um lançamento romântico de batatas na cara da Popuri. Você diz a si mesmo que vai parar depois desta estação. Então é inverno. Então é primavera novamente. E de repente você perdeu três horas do mundo real e está pensando seriamente em chamar sua primeira filha de "Ann".


Porque aqui está o que a maioria das pessoas que não jogam esse genero entende completamente errado: elas acham que simuladores de fazenda são apenas walking simulator aconchegantes com vacas. Uma fuga relaxante e agradável do estresse da vida real. Você sabe, como ioga... mas com mais galinhas.

Errado. Muito, violentamente errado.

Harvest Moon 64, como todos os grandes simuladores de fazenda, é um jogo que exige sua atenção a cada minuto. Este não é um passeio tranquilo pela felicidade pastoral — é um simulador de calendário brutal, baseado em matemática e micro-otimizado. 

Você acorda todas as manhãs com duas coisas: uma agenda apertada e uma pequena barra de energia que se esgota mais rápido do que sua vontade de viver numa segunda-feira. Você não pode simplesmente fazer o que quiser. Você precisa saber exatamente como vai passar cada hora do dia. Você está regando suas plantações? Alimentando seus animais? Forrageando na floresta? Minerando? Tentando falar com todas as solteiras disponíveis e o que colar colou? Tudo isso importa. E o relógio não se tem piedade da sua indecisão.

E então tem as estações do ano — o cerne da identidade do jogo, tanto que a franquia hoje se chama literalmente História das Estações. Porque a cada 30 dias, o mundo aperta um botão de reset. As plantações são apagadas. O clima muda. A programação dos eventos muda. Aquela linda fazenda de verão que você passou semanas aperfeiçoando? Diga adeus. Agora é outono, e aqueles abacaxis que você esqueceu de colher ontem? Mortos. Sumiram. Composto pelo seu fracasso.

Cada estação é seu próprio campo de batalha, sua própria campanha. Você planeja a primavera de forma diferente do que planeja o inverno. Você acumula dinheiro durante o outono para sobreviver à miséria árida e gelada do inverno, onde nada cresce e você só pesca e chora. Alias, nem pesca pq os rios congelam.


E esse é o ponto: não dá para ficar parado admirando sua fazenda. Cada passo que você dá, cada item que você pega, cada ferramenta que você usa custa tempo e stamina. Este é o verdadeiro motivo pelo qual esses jogos são tão viciantes. Não porque sejam relaxantes, mas porque eles te envolvem nesse ciclo de feedback de tomada de decisão constante. Você está sempre otimizando, sempre planejando o dia seguinte, a próxima semana, a próxima estação. Você termina um dia e imediatamente pergunta: "Ok, o que eu faço amanhã?".

É claro que só gerenciar sua fazenda já seria um jogo para celular sólido — plante nabo, colha nabo, espere três horas ou pague US$ 4,99 para acelerar. Mas isso é apenas metade do que torna Harvest Moon verdadeiramente especial. O verdadeiro, acolhedor e meloso centro da experiência é o senso de comunidade. Este não é apenas um jogo sobre plantações — é um jogo sobre pertencimento. Há festivais, eventos na cidade, competições sazonais e moradores que às vezes — que Deus os abençoe — vêm pessoalmente convidá-lo para eventos. Às vezes, você se depara com uma festa de aniversário. Outras vezes, você terá que verificar o quadro de avisos da cidade, convenientemente localizado no bar que, ninguem vai me provar do contrário, funciona como prefeitura durante o dia. 


E a parte mais louca? Tudo isso é opcional. Você pode ignorar todos os eventos, nunca falar com ninguém e se tornar um recluso silencioso e obcecado por vegetais. O jogo não vai te impedir. Mas se você se envolver, o que você terá é essa lenta e gratificante sensação de integração — desbloqueando cutscenes, ganhando prêmios, tendo pequenos momentos com os personagens que fazem você se sentir importante neste pequeno canto do mundo pixelado.

E sinceramente, isso é lindo. Você não está apenas administrando uma fazenda, você está se tornando parte de uma comunidade. As pessoas se lembram do seu aniversário. Elas comparecem ao seu casamento. Elas torcem por você na corrida de cães. Que droga, até o prefeito sabe seu nome. É como entrar em uma dimensão alternativa saudável, onde todos têm tempo uns para os outros e ninguém te ignora porque está "ocupado com o trabalho" pelo terceiro ano consecutivo.

É o tipo de escapismo que atinge de forma diferente. Quer dizer, sejamos honestos: videogames são sobre viver fantasias que não podemos viver na vida real, certo? Seja matando dragões, salvando galáxias ou — talvez o mais improvável de tudo — ter uma vida social gratificante com amigos que gostam de você e uma cidade que reconhece sua existência antes que o cheiro do seu corpo em decomposição avise os vizinhos. E nesse sentido Harvest Moon 64 é a realização de um desejo puro e sem cortes. 


Falando em objetivos irreais, vamos falar de algo que nunca alcancei na vida real, mas que aparentemente consigo realizar em Harvest Moon 64: uma vida amorosa. Sim, meu fazendeiro pixelado — que cheira a suor de cavalo e conversa mais com seu cachorro do que com outros humanos — consegue, de alguma forma, convencer uma das cinco mulheres locais a se apaixonar por ele. Mais ou menos.

O sistema de romance aqui não é o que eu chamaria de profundamente funcional. Você não namora de verdade. Você não tem conversas longas e emocionais. O que você faz é encher a solteira escolhida de presentes até que ela legalmente não tenha escolha a não ser se casar com você. É isso. Você escolhe uma (e uma no feminino, esse jogo não é progressista o suficiente para permitir que você namore seu vizinho gostosão full Brokenback Style) e então descobre qual é o item favorito dela. Depois disso, é o Namoro 101, no estilo Harvest Moon:

Passo 1: Aborde a mulher.
Passo 2: Dê o mesmo objeto todos os dias.
Passo 3: Aguarde a mudança de cor do ícone de coração.
Passo 4: Casamento.

É como Pokémon, mas em vez de evoluir criaturas, você está acumulando medidores de afeto com uma garota que curte ovos ou frutas catadas do chão. Isso é... romance, meu bem.

E claro, é incrivelmente primitivo para os padrões modernos, e sim, causa espanto quando você percebe que pode basicamente acelerar um relacionamento por meio de um roteamento otimizado de presentes. Mas, de alguma forma, ainda funciona. Não apenas mecanicamente, mas emocionalmente. Você vê pequenas cenas. Você vê como ela reage. Você percebe quando o diálogo dela muda. É sutil, mas dá feedback suficiente para fazer seu cérebro dizer: "sim, sucesso social desbloqueado". E depois dizem que homens não sabem reconhecer dicas sutis

Então, não, não é exatamente uma exploração sutil da intimidade humana, mas é uma metáfora surpreendentemente eficaz para como às vezes tratamos relacionamentos na vida real: mal compreendidos, baseados em recompensas e mantidos juntos por uma rotina frágil de gestos que esperamos que sejam significativos.


E, olha só, ainda é mais gratificante emocionalmente do que mandar uma mensagem de texto com "oi sumida" e esperar uma confirmação de leitura até 2047.

TÁ, EU ENTENDI POR CIMA AS COISAS QUE VOCÊ PODE FAZER NESSE JOGO. MAS A PERGUNTA QUE REALMENTE IMPORTA É: E AÍ, ESSE JOGO FUNCIONA?

Hnnnggggh. Cara, essa é difícil.

Como eu disse antes, comparar isso com Stardew Valley é injusto — como entrar em uma caverna, encontrar um boneco palito grosseiro pintado com sangue de mamute e gritar: "Por que isso não evoca a condição humana como Van Gogh!?". Simplesmente não é uma luta justa. Uma é uma fundação; a outra é um arranha-céu de luxo construído sobre ela, completo com elevadores, máquinas de café expresso e suporte para mods.


Veja o sistema de namoro, por exemplo. As garotas tecnicamente têm histórias de fundo. Elas até têm situações, mais ou menos. Mas por "história de fundo", quero dizer talvez duas linhas de exposição vagamente trágica e algumas cutscenes que, se você as costurasse, mal chegariam à marca dos quatro minutos. E não me refiro a uma cutscene de quatro minutos. Quero dizer que todo o arco narrativo — do encontro ao casamento leva menos de 4 minutos em cenas. E aí? Você descobre que Karen quer ir embora para a cidade grande, mas precisa ficar para ajudar os pais na fazenda e... é isso. Essa é a história dela. Vá em frente e case-se.

Mas mesmo que você perdoasse a superficialidade emocional, o que não é tão fácil de perdoar são os problemas de Quality of Life na jogabilidade que lembram que este jogo foi feito quando a roda ainda estava sendo prototipada. Quer saber quanta stamina você tem? Que pena. Não há barra. Nenhum número. Apenas as animações ofegantes do seu personagem.

Mas o pior mesmo é que não tem relógio na tela. Você precisa abrir o menu de pausa para ver as horas. Nada demais, certo? Basta apertar Start e —

ERRADO.

O menu de pausa é, de alguma forma, a tela de carregamento mais lenta de todo o jogo. É como se viajasse para um reino distante, consultasse um comitê, recebesse aprovação divina e só então mostrasse o relógio.

Você acaba otimizando sua jogabilidade não pela resistência, nem pelas horas do dia — não. Você otimiza para abrir o menu de pausa o mínimo de vezes possível. O que é insano, porque este é um jogo que exige microgerenciamento constante. Você fica checando o inventário, as sementes da plantação, o clima, os níveis das ferramentas... constantemente. Existem SEIS botões não sendo usados no controle do N64 nesse jogo, além de todas as setas do direcional, e Deus nos livre que um deles seja um atalho para você não precisar abrir o menu (tá, UM é, mas ainda sim).

Wait, what?

Quando chega o seu primeiro verão, seu olho já treme só de pensar em apertar Start. No inverno, você internalizou o horror. No segundo ano, você não está exausto de cultivar — você está exausto de navegar pelos menus.

Mas sabe de uma coisa? Eu entendo. Era 1999. Éramos crianças. Não tínhamos nada além de tempo. A internet não era garantida para todos — e mesmo onde era, não era como se você estivesse ocupado fazendo malabarismos com cinco servidores do Discord e rolando vídeos do YouTube enquanto navegava pelo Twitter. Naquela época, os sites demoravam minutos para carregar, e o único conteúdo de vídeo online era lixo do RealPlayer que travava seu Pentium II. TV? A TV era o que sempre foi: principalmente barulho de fundo, ocasionalmente um desenho animado. Então, sim, tínhamos tempo. Podíamos lidar com microgerenciamento e menus lentos.


Mas o que não conseguíamos lidar — e, francamente, o que eu ainda não consigo entender — é o ciclo do dia. Isso pq Harvest Moon 64 tem o ciclo do dia em tempo real mais curto de toda a franquia. Cada hora no jogo dura 12 segundos. Isso significa que, das 6h à meia-noite, o dia inteiro termina em cerca de três minutos e meio.

Três minutos e mais um troco.
Para fazer suas tarefas.
Para alimentar seus animais.
Para conversar com os aldeões.
Para pescar.
Para coletar lenha.
Para coletar alimentos.
Para achar sua cocotinha em algum lugar da vila.
Para regar cada maldita pastinaca.
Para viver, rir e amar.

Isso não é "simulação de fazenda pacífica". Isso é um inferno de gerenciamento de tempo induzido pelo estresse. Transforma a agricultura em um speedrun com ansiedade. Você não está relaxando, está suando em bicas enquanto corre para o seu campo, balançando seu regador descontroladamente enquanto seu cachorro late para chamar sua atenção e sua vaca te olha de soslaio porque você esqueceu de escová-la. DE NOVO.


Eu honestamente não faço ideia de quem na Natsume achou que isso era uma boa ideia. Tipo, isso foi um desafio? Alguém estava tentando arruinar a vida de crianças por esporte? Por que essa pessoa não foi demitida na hora?! Ou pelo menos forçada a jogar seu próprio jogo com um cronômetro enquanto todos nós assistíamos em julgamento?

Olha, eu já joguei jogos que me fizeram sentir apressado. Já joguei jogos com mecânicas apertadas, baixa margem de erro e estratégia em tempo real. Mas um simulador de fazenda não deveria me fazer sentir como se estivesse dando voltas em um supermercado na Black Friday. Depois de terminar sua ronda matinal, conversar com uma única pessoa e talvez regar seus tomates, o sol já se pôs e você está voltando para a cama como um ser humano fracassado. E esse é o ciclo de jogo.


Agora, eu prometi que não compararia este jogo com Stardew Valley. Que olharia para Harvest Moon 64 com meus óculos de 1999, aceitaria suas peculiaridades e tentaria não gritar retroativamente com o passado. Mas, cara, às vezes as comparações simplesmente são inevitáveis, então aqui está:

Em Stardew Valley você tem quase 10 minutos por dia de  jogo. Isso não é uma eternidade, mas é o suficiente para fazer suas tarefas diárias, talvez ir pescar, talvez falar com sua paixão da cidade, talvez dar umas voltinhas nas minas. E depois de melhorar suas ferramentas e irrigadores, você até começa a sentir aquele ponto ideal: a fase "Tenho tempo para respirar". É o equilíbrio.

Mas em Harvest Moon 64 você tem sorte se consegue fazer uma coisa. Uma tarefa. Uma. Qualquer coisa além disso é nada senão desespero.

Lá ela

Eu não entrei neste jogo esperando passar um dia tranquilo trabalhando na fazenda, mas mesmo assim o que eu consegui foi uma categoria de speedrun chamada "Any% Plow and Cry". Eu nunca pensei que diria isso, mas: caramba, eu quero que o meu dia de trabalho dure mais que três minutos!

HÃ, MAS ISSO ISSO NÃO MELHORA QUANDO VOCÊ CONSEGUE O REGADOR DOURADO E COMPRA A MELHORIA DA ESTUFA?

Então... não. Não, não melhora. Porque a Estufa, a melhoria que finalmente permite que você farme sem limites de tempo — através do que eu só posso presumir ser uma carpintaria mágica de distorção temporal — quebra o jogo completamente. Tipo, o destrói.


Imagine um jogo construído inteiramente em torno de uma janela de três minutos. Então imagine que você remove essa janela. De repente, não há... nada. Nenhuma tensão. Nenhum ritmo. Nenhuma urgência. Você pode fazer tudo... e isso não tem graça também

É como consertar um jogo que é "muito difícil" se dando invencibilidade — claro, você não morre mais, mas agora não há desafio, nenhuma tensão, nenhum engajamento. Você resolveu o problema... criando outro. Eu QUERO o desafio de otimizar a rotina, só que eu quero um que dê pra jogar.

Então o que posso dizer é: eu amo um farm sim bem-feito. Entendo o apelo. No fundo. Sou o tipo de cara que fica com os olhos marejados ouvindo "Deus e Eu no Sertão", então, sim — eu entendo o charme de acordar com o canto do galo, plantar suas pequenas plantações e sentir que o mundo se move em um ritmo mais tranquilo e humano. Essa fantasia? Esse ideal? Me atinge em cheio na alma.


E Harvest Moon 64... é um marco. Sem dúvida. Como FALLOUT: A Post Nuclear Role Playing Game ou DIABLO, é uma pedra angular que moldou o que veio depois. Mas, como esses jogos, também é um rascunho de grandeza. Dá para ver o brilho por trás das mecânicas desajeitadas e das vacas pixeladas. Ainda não chegou lá, mas dá para sentir que está chegando. Este talvez não seja o simulador de fazenda que precisávamos, mas foi ele que deu início a tudo.

E por isso, tiro meu chapéu de palha.

Nota: 3,5 de 5 barras de stamina invisíveis

MATÉRIA NA AÇÃO GAMES
EDIÇÃO 149 (Março de 2000)


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EDIÇÃO 071 (Fevereiro de 2000)


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