domingo, 15 de junho de 2025

[#1488][Mar/2000] SYPHON FILTER 2

Alguns jogos — mesmo alguns ótimos — não exatamente nascem em berço de ouro. Talvez a desenvolvedora tenha falido no meio do projeto. Talvez ele tenha caído em um limbo de desenvolvimento por uma década. Às vezes, a coisa toda é só uma bagunça desde o início. Ao longo de todos estes anos nessa indústria vital, eu já contei minha cota de histórias de terror neste blog, e por isso mesmo falo com propriedade que nenhum jogo — nenhum mesmo — jamais começou a existir com uma mão pior do que SYPHON FILTER

Porque, e juro que não estou inventando, o SYPHON FILTER original foi construído sobre a engine de um dos piores jogos já imaginados: Bubsy 3D. Sim. Aquele Bubsy. Em 3D. Pois é. E ainda sim, a Eidetic (o estúdio por trás de ambos) de alguma forma olhou para a cratera fumegante que era a engine de Bubsy e disse: "Sabe de uma coisa? Podemos trabalhar com isso." E de alguma forma, milagrosamente, eles conseguiram. O primeiro SYPHON FILTER pode não ter sido impecável, mas era um jogo de ação furtiva surpreendentemente sólido — especialmente quando se considera que ele surgiu das cinzas de um crime de guerra em forma de plataforma 3D.

Mas já falamos sobre aquela criança miraculosa no ano passado. Hoje, é hora de seguir em frente. Syphon Filter 2 está na mesa. Será que Gabe Logan finalmente se libertará de sua linhagem amaldiçoada de plataforma, ou aqueles genes assombrados por linces obnoxiosas se arrastarão para fora das trevas sorrateiramente, sussurrando aquela pergunta atemporal e aterrorizante: "O que possivelmente poderia dar errado?"


Mas vamos começar do começo: continuações geralmente dão um respiro às suas histórias. Alguns meses se passam, talvez um ano. Em alguns casos até mesmo gerações (como em HARVEST MOON 64). Personagens deixam a barba crescer, reconstroem cidades ou pelo menos tiram um cochilo. Mas não Syphon Filter 2! Este jogo começa apenas poucas horas depois do primeiro terminar — literalmente, Gabe Logan nem toma banho. E, sinceramente eu meio que gosto disso. É raro ver uma sequência ir direto ao ponto e simplesmente continuar de onde parou.

Mas para entender nossa história, vamos recapitular um pouco. No primeiro jogo, aprendemos sobre um grupo obscuro de operações secretas infiltrado nas profundezas do governo dos EUA, sinistramente chamado apenas de "A Agência". Imagine a CIA, mas com ainda menos menos contas a prestar e muito mais arquivos marcados como "[REDACTED] numa caneta marca-texto preta. Ao longo de um desfile de conspirações pelo mundo, descobrimos que a Agência estava elaborando um pequeno projeto científico: um vírus artificialmente criado chamado Syphon Filter, que poderia ser adaptado para atingir sequências específicas de DNA. Sim, o governo dos EUA havia construído uma arma para genocidio de etnias inteiras, você sabe, caso a diplomacia ficasse chata.

Naturalmente, as coisas deram errado. Alguns ex-funcionários insatisfeitos — ex-agentes com um caso grave de "síndrome de queima de arquivo" — decidiram roubar o vírus e se tornarem vilões de 007. Entram em cena Gabriel Logan e Lian Xing: dois dos melhores agentes da Agência, agora encarregados de limpar a bagunça que seus chefes causaram.

A boa notícia é que Gabe salva o dia. Ele mata os bandidos, recupera o vírus e faz uma pose estilosa em um telhado nevado. A má notícia é que ao fazer isso, ele descobre que a própria Agência esteve por trás do desenvolvimento do vírus o tempo todo e que eles estão se preparando para liberar uma cepa projetada especificamente para exterminar a população chinesa como parte de uma guerra biológica preventiva. A notícia ainda pior é que sua parceira, a agente badass Lian Xing, é infectada.

Então, Syphon Filter 2 começa com Gabe voando para casa após salvar o mundo — heroico, vitorioso, carregando discos cheios de dados ultrassecretos que podem expor a verdade por trás do vírus Syphon Filter e dos planos sujos de guerra biológica do governo americano. Naturalmente, a Agência o recebe de braços abertos... explodindo seu avião em algum lugar sobre as Montanhas Rochosas do Colorado.


Enquanto isso, Lian Xing, infectada com o vírus, é levada para uma instalação secreta — não tanto para tratamento, mas para uma dissecação cuidadosa e estéril em nome da segurança nacional. As coisas não parecem muito boas para nossos heróis, que agora foram oficialmente rotulados como terroristas pela mesma organização que os contratou. Eles estão em todos os noticiários, colados bem entre o "Inimigo Público nº 2", atrás apenas do cara que inventou aqueles pacotes de ketchup que nunca abrem direito. Sério, a gente tem que morder eles como homens das cavernas? Que tipo de risco biológico bucal estamos falando aqui? Mas divago.

A questão é: se esta trama te dá uma vibe de MISSION: IMPOSSIBLE, é porque é mesmo o primeiro filme da franquia em forma de jogo mais até do que MISSION: IMPOSSIBLE. Gabe sobrevive por pouco ao pouso forçado nas Montanhas Rochosas, enquanto Lian — apesar de estar tossindo metade do pulmão — consegue escapar do seu "tratamento médico". Agora, ambos são fugitivos, caçados por toda a força do governo americano enquanto correm para limpar seus nomes, revelar a Agência e encontrar a cura para a infecção de Lian. Apenas outra terça-feira no escritório.


E sabe de uma coisa? Funciona. A Eidetic acerta em cheio no tom de MISSION: IMPOSSIBLE: rogue agentes em fuga, em menor número, sem recursos, mas sempre um passo à frente. A trama se inclina para a fantasia de ser a pessoa mais competente na sala enquanto se esquiva de balas, desvenda conspirações e salva o mundo com uma pistola silenciadora e uma bússola moral à prova de balas. Este é o tipo de cenário "contra todas as probabilidades" que queremos em nossos thrillers de espionagem — e Syphon Filter 2 entrega isso com estilo.

OK, ISSO É TUDO MUITO BOM — MAS CERTAMENTE DARIA UM ÓTIMO FILME. POR QUE ISSO IMPORTA EM UM VIDEOGAMES? QUER DIZER, VOCÊ AINDA ABATE MIL CARAS COMO NO PRIMEIRO JOGO, CERTO? UNIFORMES DIFERENTES, MESMA CONTAGEM DE CORPOS. ENTÃO, O QUE ISSO TEM DE ESPECIAL?

Bem... a resposta curta é: importa porque realmente importa. A mudança no cenário não é apenas mudar a skin dos inimigos — afeta diretamente a jogabilidade. Em Syphon Filter 2, Gabe e Lian não estão mais apenas eliminando ondas de capangas sem rosto. Agora eles estão sendo caçados por forças locais: polícia local, SWAT e até unidades militares. Isso quer dizer que seus inimigos não são agentes malignos do mal que odeiam o bem — são apenas pessoas fazendo seu trabalho, seguindo ordens para capturar dois supostos terroristas.


E isso muda tudo. Gabe e Lian ainda são os heróis, o que significa que o jogo não permite que você dê uma de Rambo em policiais desavisados ​​que estão apenas cumprindo seu turno. Agora você é forçado a pensar antes de atirar. Alguns encontros exigem soluções não letais — como seu confiável taser atordoante, gás nocauteador ou uma besta silenciosa com virotes tranquilizantes. Às vezes, a melhor opção é simplesmente passar despercebido.

A genilidade aqui está em como esse design quebra o ritmo. Você não tem um suprimento infinito de munição não letal — até porque, logicamente, pra que inimigos comuns a carregariam? Então você está sempre escolhendo suas batalhas: "Posso tentar me esgueirar dar um choque nesse cara ou posso gastar um virote não-letal aqui? Só tenho mais três deles"

Isso mantém seu cérebro ocupado de uma forma que apenas correr e atirar nunca conseguiria. Você está constantemente mudando suas táticas com base em quem está lutando. Esquadrões da morte da Agência Sombria? Claro, passa fogo nos safados. Mas autoridades locais? Hora de jogar limpo — relativamente falando. O resultado é você não atinge aquela fadiga de terceiro nível em que seu cérebro entra no piloto automático. Syphon Filter 2 força você a se manter alerta o tempo todo. 

Vamos falar de ação: Syphon Filter 2 roda basicamente no mesmo motor gráfico do primeiro jogo — afinal, foi lançado apenas um ano depois — mas desta vez, a Eidetic realmente descobriu como usá-lo corretamente. Como eu disse na minha análise do original, a jogabilidade furtiva é onde este motor gráfico realmente brilha. Você tem muito mais opções em seu arsenal do que em METAL GEAR SOLID, o sistema de cobertura é surpreendentemente confiável para a época, o campo de visão dos inimigos é funcional e mirar para acertar um headshot é incrivelmente satisfatório. Caramba, este deve ser o primeiro jogo de PS1 em que o rifle de snipper é realmente útil — o que é um pequeno milagre considerando o quão difícil era mapear níveis de grande escala naquele hardware.

Eles dobraram tudo isso na sequência. Seu fiel taser agora é uma ferramenta furtiva corpo a corpo — exceto por uma gloriosa exceção perto do final do jogo, que é mais um fan service — e tudo funciona melhor... embora eu queria o mapa fosse acessível diretamente da tela de pausa, em vez de continuar enterrado em um submenu.


A melhor parte é que o level design recebeu um grande boost criativo — especialmente durante os segmentos da Lian. Como ela está morrendo ativamente durante metade do jogo, ela não pode exatamente entrar no modo full John Wick. Então, em vez disso, você é forçado a usar escola Cobra Sólida para passar por rondas, dutos de ventilação e choking points, adicionando tensão real e variedade ao ritmo. É realmente impressionante como eles usaram bem a condição dela para desenhar a mecânica dos níveis. Resumindo: a furtividade — que já era uma das melhores do PS1 — está ainda melhor aqui. Hurray.

Agora, sobre a ação... É. É aí que as coisas ficam... mais complicadas. Atirar direto sempre foi o ponto fraco do SYPHON FILTER. Era burocrático e ambicioso demais para o humilde PlayStation 1. Uma rápida recapitulação: você tem duas barras em combate — Alvo e Perigo. A Barra de Alvo verde enche conforme você trava a mira em um inimigo; quanto mais cheia, maior a probabilidade de sua mira automática acertar. A Barra de Perigo vermelha funciona ao contrário: enquanto não estiver cheia, você está seguro. Mas quando ela atinge o limite máximo, você começa a sofrer dano, a menos que saia da linha de visão do inimigo.


É uma ideia legal... na teoria. Na prática ela desmorona completamente quando mais de dois inimigos aparecem. O sistema de mira automática fica descontrolado, pulando entre alvos como se estivesse sob efeito de dorgas larilarala, e tentar gerenciar várias linhas de visão se transforma em um ataque de pânico para o humilde processador do PS1.

Então, como o Syphon Filter 2 resolveu tudo isso sem reconstruir a engine? Simples: eles reformularam o level design. As arenas abertas do tipo "atire em qualquer coisa que se mova", que eram as partes mais chatas do primeiro jogo, deram uma diminuida bonita. Em seu lugar, há tiroteios simplificados com muita cobertura, que parecem controlados e metódicos. De certa forma, o Syphon Filter 2 é o avô pré-histórico de Gears of War (mas um agradecimento especial a WINBACK: Covert Operations, o verdadeiro herói esquecido). Você é incentivado a se proteger, a dar tiros precisos na cabeça e a engajar em seus próprios termos.


E isso muda tudo. Eu me vi confiando muito menos na mira automática desta vez. O jogo te incentiva a mirar manualmente e a se posicionar de forma deliberada — não porque ele explicitamente, mas porque os níveis são projetados para recompensar essa abordagem. Isso é um ótimo design de níveis em ação: ele empurra pra baixo do tapete as partes desajeitadas da engine e destaca o que ela realmente faz bem.

Claro, tiroteios em áreas abertas ainda dão as caras de vez em quando — e são facilmente os pontos mais fracos do jogo. Mas, felizmente, SF2 não exige que você se torne um full Rambo mode com tanta frequência quanto o primeiro. E por isso, sou eternamente grato.


Então a ideia da coisa é que Syphon Filter 2 acerta em cheio naquela gloriosa sensação de "pequeno time contra o mundo". Gabe e Lian são rogue agents, traídos pelo próprio governo, caçados como cães e agarrados aos últimos aliados que têm — mesmo que alguns desses aliados sejam meio babacas (sim, estou olhando para você, Teresa) . É um thriller de espionagem completo, tão ambicioso que se estende por dois discos — para um jogo que, sejamos honestos, mal dura três horas de conteúdo. Mas que jornada essas horas são.

O jogo reforça o que o original fez de bom — furtividade, variedade de missões e tensão cinematográfica — enquanto discretamente deixa de lado suas fraquezas (combate aberto, mira automática instável no PS1, IA inimiga que às vezes esquece que tem olhos). É perfeito? Deus, não. A câmera ainda faz birra, as vezes o jogo decide se um inimigo está te enxergando ou não no pedra-papel-tesoura e a IA tem a capacidade de atenção de um peixinho dourado. Mas, ei — este é um jogo de PlayStation 1, mesmo que da reta final do cosole. Eles já estavam tirando leite da pedra de silicio do aparelho, e honestamente não acho que seria fisicamente possível fazer mais que isso com esse hardware nessa época.


Por isso mesmo, apesar de tudo Syphon Filter 2 se destaca como o melhor jogo de tiro em terceira pessoa de sua geração — e, honestamente, manteve essa coroa por mais tempo do que qualquer um esperaria. A história te prende, a jogabilidade continua evoluindo o suficiente para se manter atual, e tudo parece um sonho febril de Tom Cruise em formato de disco.

Lembrando que essa é uma franquia que começou com Bubsy 3D. O fato de este jogo ter surgido daqueles destroços em chamas não é apenas um arco de redenção — é um milagre. Em uma indústria cheia de erros e falhas, Syphon Filter 2 é a prova de que até a pior história de origem pode levar a destinos gloriosos.

MATÉRIA NA AÇÃO GAMES
EDIÇÃO 141 (Julho de 1999)


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