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Eu não posso realmente dizer que entendo 100% a pose que a Xena está fazendo nessa capa |
Uma vantagem engraçada de digladiar contra essa pilha infinita de jogos é que, em algum ponto ao longo do caminho eu desenvolvi um sexto sentido — não apenas para identificar gêneros, mas também para as impressões digitais dos desenvolvedores. Eu digo isso pq quando joguei "Xena: Princesa Guerreira: Talismã do Destino: Usando Muitos Dois Pontos" no N64, meu primeiro pensamento foi: "Espera ae... isso fede a mediocridade da Midway". Você conhece o tipo — BIO FREAKS, MACE: The Dark Ages e o próprio MORTAL KOMBAT 4 — aquele tipo específico de jogos de luta 3D desajeitados e durangos.
Mas plot twitter na história: esse não é um jogo da Midway, foi feito pela Saffire. Então, naturalmente, a pergunta que cabe ser feita é... quem diabos é a Saffire? Bem, fui pesquisar sobre isso e adivinhem o que eu encontro? Ah, apenas a co-desenvolvedora anônima por trás do bufê da infame da Midway — tudo, desde RAMPAGE WORLD TOUR até versões para N64 de ARMY MEN SARGE HEROES, alem dos jogos de luta mencionados. A Saffire não era apenas um estúdio paralelo; eles eram praticamente a engrenagem na (infelizmente) imensa estrutura de gerar shovelware criada pela Midway para N64.
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A capa europeia do jogo nunca dorme mal, pq tem esse COLXÕES |
Mas, ei, vamos começar com uma nota positiva! O jogo da XENA: Warrior Princess para PS1 era... razoavelmente legal. Funcionava, era jogável, tinha Xena jogando o chakram — missão tecnicamente cumprida. Mas eu fiquei meio que com a sensação que foi feito por pessoas que nunca tinham assistido à série. Tipo, não é ruim, mas é genérico, alguma coisa, Grécia, alguma coisa, templo, alguma coisa, mitologia. Passa muito a impressão de alguém projetando um jogo da Xena depois de ver apenas alguns vislumbres enquanto zapeava os canais durante os intervalos das reprises de Walker, Texas Ranger.
Talisman of Fate, por outro lado — e, em grau semelhante, Hercules: The Legendary Journeys para N64, mas vamos deixar essa parte para depois — parece ter sido feito por pessoas que realmente conheciam a série. Não apenas os grandes nomes ou o grito icônico, mas também as coisas estranhas. Os menores detalhes. O tipo de aceno que só os fãs de verdade notariam.
Isso me deixou curioso: os desenvolvedores eram fãs de verdade antes de trabalhar nisso? Ou chegaram lá por meio da boa e velha pesquisa? Acontece que, com base em uma entrevista antiga que encontrei, foi a segunda opção — eles se tornaram fãs enquanto assistiam à série como referência durante o desenvolvimento. O que, sinceramente, é algo que eu posso respeitar. Dá para ver que eles prestaram atenção.
E você nem precisa jogar muito para ver que eles realmente fizeram a lição de casa: a história do jogo é que Xena e Desespero, campeão de Dahak (sim, aquele Dahak), estão ambos atrás do Talismã do Destino, uma bugiganga mística que concede ao seu portador o domínio sobre a humanidade (seja lá o que isso signifique). Então, naturalmente, as Parcas intervêm e declaram que a única maneira sensata de resolver isso é... um torneio de luta. Porque, claro.
Mas aqui está a coisa — as Parcas convocam os maiores heróis e vilões do mundo para competir. Você tem deuses, senhores da guerra, semideuses...
... e o Joxer.
É. Joxer, the Mighty. Okay, eles realmente me arrancaram um sorriso genuíno aqui, não dá pra negar que a Saffire fez o dever de casa. Então é — quando se trata de referências, o elenco de personagens é puro fanservice. O que, sejamos honestos, é a única razão pela qual alguém compraria um jogo da Xena em primeiro lugar.
Você tem personagens menos óbvios para o publico leigo porem muito significativo para os fãs como Autólico — o trambiqueiro icônico e bigodudo de Bruce Campbell que só precisou de uma ou duas aparições para se tornar um favorito dos fãs. Ou Lao Ma, a guerreira-filósofa mística de um dos episódios mais emocionalmente complexos da série. E, claro, este é um jogo onde você pode colocar Júlio César contra Ares, o deus grego da guerra. O que é... certamente algo que não acontece todo dia.
Especialmente quando o movimento especial de César envolve levantar os braços e convocar uma multidão invisível que começa a gritar "César! César!" até que o oponente simplesmente desmaie no local. Não causa dano e nem faz sentido — apenas desmaios induzidos pela pressão popular. E sim, você pode spammar esse golpe indefinidamente para manter seus inimigos presos em um ciclo de humilhação. É estúpido. É glorioso. É... na verdade, meio quebrado.
Seja como for, meu ponto é: esses movimentos não são aleatórios. A maioria deles é retirada diretamente das travessuras dos personagens na tela. Exceto talvez essa cena mística que o publico invisivel te derruba com torcida, que — se alguma vez aconteceu na série — devo ter perdido esse episódio tão especial.
Mas, novamente, crédito a quem merece: a Saffire realmente fez a lição de casa e, por isso, conquistou meu respeito. Mesmo que as bobagens do Caesar tenham me feito parar de rir mais de uma vez. Essas são as boas notícias.
A má notícia é... bem, jogar o jogo de verdade.
Vamos lá então: os controles são uma bagunça. Os quatro botões C são usados para ataques (detesto quando eles fazem isso), Z faz você se abaixar, R faz você pular e A e B são usados para trocar de alvo. Não para atacar. Não para bloquear. Trocar de alvo. Não tem nada nessa configuração que pareça remotamente intuitivo.
Pior ainda, os personagens respondem como se estivessem atolados até os joelhos na lama. Há um atraso perceptível, rigidez e uma sensação geral de que cada movimento está sendo executado debaixo d'água. Alguns lutadores têm ataques mágicos, o que é bonitinho, mas boa sorte para acertar um — eles demoram tanto para ativar que você será espancado até o esquecimento antes mesmo do primeiro brilho aparecer na tela.
E como os bonecos se movem em 3D por toda arena, boa sorte MESMO em tentar acertar um projétil quando os inimigos podem apenas andar para o fundo ou para a frente da tela a vontade. A real é que Saffire mal conseguia fazer um jogo de luta em linha reta funcionar, tentar uma arena 3D completa — onde você pode se mover, circular e se reposicionar — é um pouco muito além do que eles eram capazes de fazer.
Parte do problema é que a maioria dos ataques força seu personagem a se mover automaticamente — geralmente avançando como um esgrimista bêbado. Outra parte do problema é que os ataques pareçam que deveriam se conectar, mas muitas vezes não se conectam.
O jogo também tem problemas óbvios com a prioridade de ataque — é difícil de explicar, mas parece que, se você tiver sorte (e estiver exatamente no pixel certo), pode interromper os golpes do seu oponente. Eu não sei exatamente qual é a regra para isso, mas a CPU, obviamente, domina perfeitamente esse sistema e vai interromper todos seus golpes sempre que ela tiver vontade. Yay, fun...
Visualmente, o jogo é... razoável. Os modelos dos personagens são quadrados e carentes de detalhes, e as animações são durangas, desajeitadas e claramente faltam quadros de animação. Mas a falta de detalhes e texturas começa a fazer sentido quando você entende que esse jogo foi projetado para ter até 4 bonecos lutando em uma única tela — o que é pedir demais até mesmo para o hardware do N64. Claro, POWER STONE fez isso sem problemas, mas então era em um hardware de sexta geração, e WU-TANG: Shaolin Style fez algo assim para o PS1, mas lá a arena tinha menos da metade do tamanho. Para o N64, é um feito bem impressionante na real. Não é perfeito, claro, mas não deixa de ser ambicioso.
A música é um dos pontos fortes. Ela tem aquela vibe mítica e etérea que combina bem com o mundo de Xena, e ao mesmo tempo você pode ouvir um traço daquele DNA Saffire-Midway também. Algumas faixas carregam aquela energia crua de MORTAL KOMBAT, combinando perfeitamente com a mística da princesa guerreira sem colidir muito.
Então, o jogo não deixa de impressionar por rodar okay com tantos bonecos grandes na tela, a música é perfeita para a proposta e o elenco é um fanservice sólido. Pena mesmo que o maior problema real desse jogo seja jogá-lo.
Xena: Warrior Princess – The Talisman of Fate não se sustenta como um jogo de luta um contra um sério — nem perto disso. Mas então, boa sorte em encontrar qualquer jogo de luta sério decente no N64 (com exceção de RAKUGA KIDS). Mas XWPtToF não é RAKUGA KIDS, não é nem ao menos BLOODY ROAR: Hyper Beast Duel. O que você tem aqui é um esmagamento superficial de botões, controles desajeitados, jogabilidade sem graça e personagens que, em sua maioria, funcionam como versões repaginadas uns dos outros.
Dito isso... coloque três ou quatro jogadores e o jogo quase se redime. Vira uma bagunça caótica, claro — mas uma bagunça caótica divertida. O tipo em que metade do tempo você está apenas tentando descobrir onde está na tela e, na outra metade, gritando com o loop infinito da torcida do Caesar enquanto Joxer, de alguma forma, vence a partida.
Mas mesmo nesse caso a experiência é pouco desenvolvida. A novidade se esgota rápido. O elenco, embora repleto de fanservice, oferece pouca variedade onde realmente importa — a jogabilidade. Dez personagens jogáveis podem parecer generosos, mas quando todos parecem o mesmo.
Então, não, Talisman of Fate não é bom. Mas é uma relíquia fascinante — uma carta de amor estranha e desajeitada aos fãs de Xena que ocasionalmente tropeça em diversão acidental. Você vai conseguir tirar dele um sorriso, uma risada, talvez um ou dois xingamentos... e então o colocará de volta na prateleira. Provavelmente para sempre.
MATÉRIA NA GAMERSEDIÇÃO 051 (Fevereiro de 2000 - Semana 1)