quarta-feira, 18 de junho de 2025

[#1489][Fev/2000] CARRIER


A esse ponto das coisas — chegando a marca de 1500 reviews neste blog — eu já cruzei com todo tipo de desenvolvedoras de jogos. Algumas ruins, algumas boas, algumas lendárias. Mas nenhuma delas, e digo isso com absoluta certeza, deixou uma marca em mim como a Jaleco. E por uma razão simples: eles são absolutamente inesquecíveis por serem completamente esquecíveis.

A Jaleco, meus amigos, é a rainha indiscutível dos presentes de tia. Sabe aquele jogo baratinho que ninguém escolhe, mas sempre tem uma tia para dar de presente para o seu sobrinho que gosta "dessas coisa de videogame?". É esse o território deles. Uma empresa que não faz jogos exatamente ruins... mas com certeza também não faz jogos bons. O que eles fazem é se especializar na versão da shopee do que quer que seja que esteja na moda no momento.

Capa japonesa do jogo

Quando STREETS OF RAGE e FINAL FIGHT  dominavam o boom do beat'em-up no início dos anos 90? A Jaleco lançou RIVAL TURF  — um jogo que não é ruim, mas também não é muito bom. Então veio a era dos jogos de luta, com STREET FIGHTER II: THE WORLD WARRIOR e FATAL FURY: The King of Fighters  incendiando os fliperamas. A Jaleco respondeu com... "HEY PUNK! ARE YOU TUFF E NUFF? MASTER THE MOVES TO MASTER ME!" — o que, admito, pode ser o melhor nome que um videogame já teve. Mas a jogabilidade? De novo — nem ruim, nem ótima. Essa é a Jaleco em poucas palavras: uma empresa que vive e morre pela arte sagrada da imitação medíocre.

Então, quando a Jaleco decidiu que era hora de fazer um jogo de survival horror para chamar de seu, você já sabia duas coisas:

a) seria uma imitação barata de RESIDENT EVIL, e
b) não seria um jogo ruim... mas com certeza também não seria um bom — porque é assim que a Jaleco rola.

A capa europeia do jogo pode não ter relação nenhuma com o jogo em si, mas pelo menos é a única que não grita "Jogo Genérico 2K"

Entra Carrier, um jogo ambientado em algum lugar do século 21, em um mundo dilacerado por uma boa e velha rivalidade geopolítica entre Norte e Sul. Para garantir que o Sul nunca mais tenha uma chance naval, a potência econômica do Norte constrói o Heimdal: um gigantesco porta-aviões do tamanho de uma pequena cidade, projetado para esmagar qualquer esperança de resistência sulista. E, cara, funciona. Logo na primeira missão, o Heimdal aniquila uma base militar sulista inteira como se estivesse matando uma mosca. Viva o imperialismo do Norte!

...Só que, no caminho de volta, o Heimdal para de responder. Todas as comunicações são perdidas. Menos viva.

Entra em cena a equipe SPARC (e não, o jogo nunca explica o que SPARC realmente significa exceto que eles queriam alguma coisa que soasse como STARS do RESIDENT EVIL). Eles são enviados para investigar, mas as coisas dão errado — como você já podia esperar — rápido. As defesas automatizadas do porta-aviões derrubam o helicóptero da equipe, deixando-os presos a bordo do navio... agora repleto de zumbis, monstros e uma conspiração absurda esperando para se desenrolar.

Então, vamos recapitular tudo até agora, certo? Você tem uma equipe de elite com siglas de cinco letras enviada para investigar um local misterioso. O helicóptero deles se torna convenientemente inutilizável, prendendo-os em um cenário labiríntico, cheio de zumbis e horrores mutantes. Ah, e naturalmente — naturalmente — um deles pode ser um traidor. Isso é o mais perto que você pode chegar de RESIDENT EVIL antes de receber uma comunicado extra-judicial da equipe jurídica da Capcom. Mas espere — tem mais!


"Você sobreviveu a um acidente aereo e está com a perna quebrada, vou te deixar aqui sozinho na chuva enquanto dou um rolê, mas não se preocupa, o único perigo é se eles tentassem recriar a cena do primeiro zumbi de Resident Evil" - Leon... digo Jack Inglês, nosso herói


O porta-aviões não apenas copia o tom e o cenário, a estrutura do jogo também. Aqui temos duas campanhas principais exatamente como em RESIDENT EVIL 2: você começa jogando como Jack Ingles, um cara loiro de uniforme azul (porque, é claro). Depois de terminar a história dele, você desbloqueia uma segunda campanha da perspectiva de sua parceira desaparecida — Claire Redf... quer dizer, Jessifer Manning. Uma ruiva de roupas vermelhas e shorts pretos.

ACHO QUE VOCÊ QUIS DIZER "JENIFFER", NÃO?

Não. Jessifer. Não é um erro de digitação. Eu queria estar inventando mas eu não conseguiria inventar o nome "Jessifer" nem se você me pagasse.


Então, sim, Carrier é uma cópia completa de Resident Evil: tom, estrutura, design de personagens — servido à la Jaleco, mestre do clone perfeitamente medíocre.

Então, aqui está a questão... Carrier é funcional — na melhor das hipóteses. Há um mapa. Um mapa funcional. Você pode abri-lo, ver quais salas você explorou, e o jogo ainda tem a decência de codificar por cores as portas trancadas para que você saiba qual chave abre o quê. Só isso já o coloca à frente de outros jogos de survival horror que parecem achar que mapas são para covardes. O backtracking é administrável, o ritmo não é insuportável e o loop de "explorar, encontrar a chave, destrancar a porta, repetir" flui razoavelmente bem.

O organismo que gera a infecção é quase TRÊS VEZES mais velho que o universo!

O combate também é funcional. Você se move, atira, há uma variedade razoável de armas e espera-se que você economize munição como em qualquer título de survival horror de verdade. Nada de especial, mas também nada quebrado. Você pega, joga, as coisas funcionam. Sem grandes reclamações.

E esse, meus amigos, é o problema central: tudo simplesmente funciona. Não mal. Não bem. Apenas... existe. O jogo inteiro é um 6/10 vivo e pulsante. Um monumento à mediocridade. Ele faz o que se propõe a fazer — e então para de repente, olhando fixamente para você, como se dissesse: "Tá bom já, né?"


Outro exemplo perfeito são os inimigos. Eles são basicamente rejeitados de Resident Evil com skins modificadas. Você tem os clássicos zumbis lentos que andam direto de RE1, os zumbis que vomitam ácido de RE2 (exceto que aqui eles atiram tentáculos, mas é a mesma ideia), bichinhos que se agarram ao teto e caem como Gremlins do Umbrella Lab, e formigas mutantes gigantes substituindo Lickers. É tudo tão familiar que você quase consegue ouvir a música do save room de Resident Evil ecoando fracamente ao fundo. Mas então... então Jaleco ousa ser original. E você realmente deseja que eles não tivessem feito isso.

Sua inovação ousada... são inimigos invisíveis. Sim, invisíveis. Para lidar com eles, você precisa sacar um scanner em primeira pessoa e varrer a sala até que algo borrado e vagamente hostil apareça. Parece assustador, certo? Não. É menos Fatal Frame e mais ENEMY ZERO — e não no bom sentido. Sinceramente, Jaleco, continue com as cópias - suas ideias originais são meio horríveis.


Falando em ideias originais, Carrier realmente consegue algo que Resident Evil ainda não tinha feito — pelo menos não até RESIDENT EVIL - CODE: Veronica, que, aliás, saiu apenas um mês depois e ofuscou completamente esse coitado (além de tudo, os caras são azarados ainda!)

Seja como for, o grande destaque aqui é iluminação dinâmica. Como Carrier usa ambientes 3D em tempo real em vez de fundos pré-renderizados, Jaleco teve a chance de brincar com ângulos de câmera e efeitos de iluminação. E mais uma vez... você realmente desejaria que eles não tivessem feito isso.


Olha, tá, eu entendi. Vocês estavam tentando uma vibe creepy. Mas há uma linha tênue entre "creepy" e "não consigo ver nada porque este jogo é mais sombrio que a contabilidade de um clube de futebol". Quando RESIDENT EVIL - CODE: Veronica brincava com iluminação, ele te dava um isqueiro — tanto como demonstração de sua bela iluminação dinâmica quanto como mecânica de jogo. Você tinha que escolher: carregar o isqueiro para visibilidade ou equipar uma arma para defesa. Isso é tensão. Isso é design.

Carrier, por outro lado, apenas dá de ombros e diz: "Tu não vai enxergada nada e vai gostar disso!". Sem ferramentas, sem tensão — apenas salas escuras onde você esbarra nas paredes e reza para que um zumbi não morda seus tornozelos a menos que você use a camera de primeira pessoa a cada esquina (que é quase tão ruim de entender quanto a escuridão).


E isso, novamente, é Carrier em poucas palavras: ele pode fazer coisas originais... só não devia. É repleta de momentos em que você para, respira fundo e murmura: "Argh... queria que não tivessem feito isso."

Graficamente, Carrier é... bom. Decente para a época. Os ambientes são totalmente renderizados em 3D — o que, em teoria, deveria ser um destaque —, mas a maioria das áreas acaba parecendo corredores cinzentos e sem graça, com toda a personalidade de um prédio comercial. Nada ofensivo, mas também nada memorável.

Eu to ligado que a animação de subir e descer a escada é a tela de loading do jogo, mas acho engraçado como eles fizeram ele pisar degrau por degrau pra animação demorar pro jogo carregar

A música é o típico barulho de fundo discreto que você esperaria de um título de survival horror: batidas creepy de piano, silencios sinistros, uma batida de jumpscare ocasional. Cumpre a função. É decente. Que, novamente, é o slogan não oficial de Carrier: "É decente. Por favor, aplaudam."

Agora, a dublagem? Bem, isso merece alguma atenção... talvez não pelos melhores motivos, mas não deixa de ser algo. O que temos aqui é a clássica mixagem de jogos de terror do início dos anos 2000: algumas atuações medianamente competentes, várias atuações sem graça e esquecíveis, e algumas leituras gloriosamente terríveis que soam como a primeira leitura fria de alguém em uma peça do ensino médio. Meu momento favorito são os momentos me que um personagem gritando a beira do desespero: "Não podemos perder a cabeça!" enquanto o dublador lê as falas com toda a urgência de alguém pedindo almoço. 

Mas aqui está o verdadeiro problema: Carrier nem se destaca por ser hilariamente ruim. Não é um lixo autoconsciente como RESIDENT EVIL - CODE: Veronica, que se inclina para o melodrama mexicano com lógica de filme de kung fu. Não, Carrier aposta no dramático... e cai direto no chato.

Eu realmente perdi a conta de quantas vezes entrei em uma sala e me deparei com a mesma cena:

"Quem é você?"
"Estou com o SPARC. Não atire!"
"Você está aqui para me resgatar?"
"Sim. Vá para o convés."
"Obrigado. Pegue este item!"

Não estou exagerando. Essa conversa (com bem poucas variações dela, normalmente é quase literalmente esse o dialogo mesmo) acontece pelo menos vinte vezes. Quase decorei o diálogo em japonês de tanta repetição. 

Carrier é o tipo de jogo que existe não para impressionar, nem para assustar, nem mesmo para entreter, mas para lembrar como é a verdadeira mediocridade (no sentido de mediano mesmo) em sua forma mais pura e destilada. Não é ruim o suficiente para ser fascinante, nem bom o suficiente para ser memorável. É uma parede bege em forma de de videogame.

Ele pega emprestado todas as ideias possíveis de Resident Evil então entrega uma história tediosa, a dublagem varia de sonolenta a involuntariamente hilária, e a jogabilidade... bem, funciona. Tecnicamente, tudo funciona. Você pode jogar do início ao fim sem atirar o controle na parede e essa é provavelmente a coisa mais legal que posso dizer sobre esse jogo.

E ainda assim... eu não odeio Carrier. Eu o invejo. Eu invejo seu compromisso absoluto com a mediocridade. É a coragem de contemplar a grandiosidade de longe e dizer: "Não, obrigado. Ficaremos aqui no meio da estrada, onde é seguro."


Então, se você já se perguntou como seria um jogo de survival horror se fosse desenvolvido por uma equipe cuja filosofia principal de design seja "funciona e tá mais que bom", então Carrier espera por você. Sozinho. No escuro. Sussurrando... "Obrigado. Pegue este item."

Mas então eu estaria mentindo se dissesse que Carrier não faz nada NADA de memorável, afinal onde mais você iria encontrar uma personagem chamada JESSIFER MANNING. Porra, Jaleco, Jessifer? Sérião mesmo?

MATÉRIA NA AÇÃO GAMES
EDIÇÃO 151 (Maio de 2000)


MATÉRIA NA SUPER GAME POWER
EDIÇÃO 057 (Dezembro de 1998)


MATÉRIA NA GAMERS
EDIÇÃO 057 (Dezembro de 1998)


EDIÇÃO 051 (Fevereiro de 2000 - Semana 1)


EDIÇÃO 058 (Março de 2000 - Semana 4)