domingo, 24 de agosto de 2025

[#1538][Abr/2000] MEDIEVIL 2

Nos últimos dias, tivemos algumas reviews bem pesadas. Mergulhos multimídia profundos que misturavam livros com filmes, dissecações históricas de eras esquecidas, RPGs extensos com mais missões secundárias do que eu tenho anos de vida restando... ufa. Então, para a análise de hoje, vamos dar um passo para trás, respirar um pouco e falar sobre algo simples: fundamentos de game design. Sabe, só para relaxar. Mais precisamente, vamos falar sobre aquela mecânica humilde, mas vital, conhecida como invulnerabilidade pós-acerto.

Invencibilidade pós-acerto em Mega Man 1, de 1987

O conceito é simples: quando seu personagem sofre dano, ele geralmente pisca ou pisca e fica temporariamente invulnerável por alguns segundos. Pra que isso? Porque sem isso, cada pequeno toque de um inimigo sugaria sua barra de energia saúde ais rápido do que um cubo de gelo derretendo no asfalto quente do Rio de Janiero na metade de fevereiro. Faz sentido, certo? Na verdade, faz tanto sentido que até os jogos de Nintendinho dos anos 80 já faziam isso. Essa pequena escolha de design tornava os jogos infinitamente mais suportáveis, e sempre que um título de Nintendinho não fazia isso chamava atenção negativamente — como um cacto plantado no meio de uma padaria.

Então imagine — apenas imagine — se um jogo lançado em meados dos anos 2000, uma boa década e meia depois que o NES já havia tornado isso um padrão, simplesmente... decide não o fazer. O PlayStation 2 já foi lançado, Final Fantasy está em sua nona edição numerada, a indústria passou por polígonos, FMVs, trilhas sonoras orquestrais — e então um joguinho aparece e diz: "Sabe de uma coisa? Invulnerabilidade pós-golpe? Nah." Um inimigo te toca, e pronto: eles podem drenar sua barra de vida como uma criança com um Nesquick de Morango, um canudinho e nenhum medo de usa-lo. Sem invulnerabilidade piscante, sem espaço para respirar, apenas dor pura e sem filtro. Seria loucura um jogo fazer isso a essa altura do campeonato, né?

sábado, 23 de agosto de 2025

[#1537][Mar/2000] KESSEN


Kessen é um jogo de estratégia em tempo real ambientado no final do período Sengoku no Japão — mais precisamente, é uma releitura fictícia da Batalha de Sekigahara em 1600 e dos eventos que se seguiram. Produzido pela Koei (a mesma Koei que recria obsessivamente a história japonesa e chinesa há décadas, porque aparentemente eles acordam pela manhã e perguntam: "Vamos fazer outra adaptação do Romance dos Três Reinos ou tem uma batalha do Bakumatsu que não usamos ainda?"), Kessen permite que você controle Ieyasu Tokugawa, que representa o clã Tokugawa ou Ishida Mitsunari, que representam o clã Toyotomi... 

... e se tudo isso soa como se eu só estou despejando um monte de nomes japoneses em você, é porque é exatamente o que eu estou fazendo. Bem vindos a verdadeira Kessen Experience™.

sexta-feira, 22 de agosto de 2025

[#1536][Mar/2000] SUMMONER


É tarde da noite. Lá fora, faz um vento confortável, a vigilância cuida do normal. Em uma sala iluminada apenas pela estática de uma televisão de tubo, um rosto aparece. Olhos arregalados, segurando um controle com tanta força que o plástico range.

—De jeito nenhum! Eu me recuso! Você me ouviu? O contrato é nulo! Eu sou um cidadão, não um prisioneiro! Jorge, diga a eles! DIGA A ELES QUE EU TENHO DIREITOS!

[ESSA É A REVIEW DE UM JOGO DE 25 ANOS ATRÁS, VOCÊ ABRIU MÃO DOS SEUS DIREITOS AO ESCOLHER FAZER ISSO. MAS TÁ, O QUE FOI QUE ACONTECEU DESSA VEZ?]

O rosto de homem se contorce em uma expressão mista de insanidade e curiosidade, como se estivesse vendo o pequeno Shy Guy imaginario pela primeira vez em sua vida. Ele respira fundo, passa a mão pelos cabelos desgranhados com zero resultados no longo prazo, expira mais profundamente ainda, e então solta um urro de dor que apenas uma alma dilacerada pode compreender:

—O QUE FOI DESSA VEZ? Eu vou te contar o que foi dessa vez! Esta... esta cidade! Esta Alcatraz digital! Ela não me deixa ir! Eu procurei em todos os lugares! O mapa é uma mentira! As pessoas são mentirosas! Todo mundo só diz ‘as minas estão fechadas’ como se fosse eu estivesse preso na novela do fodendo STEPHEN PICAMOLE KING! Foi isso que aconteceu, Jorge!

[ACHO QUE VC ESTA EXAGERANDO UM POUCO, NÃO PODE SER TÃO RUI...]

—STEPHEN PICAMOLE KING, JORGE! PICAMOLEEEEEEEEEEEEEE!!!11!!1ONZE CÊ TÁ ME ENTENDEEN— —

Sim, esse aí sou eu.
Você deve estar se perguntando como eu vim parar nessa situação. Bem, tudo começou quando eu decidi fazer a review de um joguinho de Playstation 2 chamado "Summoner"...

quinta-feira, 21 de agosto de 2025

[#1535][Dez/1999] DECEPTION 3: Dark Delusion

Podendo me gabar de ter mais de 1.500 reviews nesse blog, eu posso dizer que é muito raro — quando não completamente sem precedentes — que eu me sente para jogar um jogo e fique sem saber como classificá-lo. Não vou fingir que joguei ou mesmo conheço todos os jogos já feitos, mas gosto de pensar que tenho um conhecimento bastante sólido da grande tapeçaria dos gêneros. E, no entanto, aqui estou eu, olhando para a série Deception, coçando a cabeça e me perguntando o que, exatamente, acabei de vivenciar. É estratégia? Ação? Puzzle? Terror? Uma viagem de tóchicos sonhado por designers que assistiram Ra-Tim-Bum demais? Olha, é tudo isso e nada disso ao mesmo tempo.

Mas suponho que isso faça parte do charme da série, em que tentar definir Deception em um único genero é... decepcionante. [coloca óculos escuros] YEEAAHHHH.

quarta-feira, 20 de agosto de 2025

[#1534][Nov/1998] RAILROAD TYCOON 2

Como muitos meninos, eu cresci fascinado por trens. E, como muitos homens, nunca perdi esse fascínio.

Antigamente, eu podia passar horas com meu Ferrorama da Estrela. Aqueles trens, pelo menos aos meus olhos de criança, pareciam satisfatoriamente substanciais — construídos em metal sólido que ecoava o peso de seus equivalentes em tamanho real. Alguns modelos (não o meu, infelizmente) até soltavam fumaça quando você pingava um pouco de "fluido de fumaça" na chaminé, um detalhe mágico que os fazia parecer vivos. Passei muitas tardes dirigindo minhas locomotivas em miniatura sem parar pelos trilhos, testando os limites da velocidade até descobrir, muitas vezes em meio a descarrilamentos espetaculares, exatamente o quanto uma curva podia suportar antes que o desastre acontecesse. Mas então chegou o Natal de 1991, e com ele um Nintendo Entertainment System (mais precisamente, um Bit System famiclone). A partir daquele momento, o ferromodelismo rapidamente foi esquecido (que tal isso como parábola do homo digitalis — trocando vapor tátil e aço por pixels em uma tela de TV?)

terça-feira, 19 de agosto de 2025

[#1533][Fev/2000] THE RING: Terror's Realm


Uma das coisas que eu acho mais fascinante na literatura é que ela frequentemente reflete mais do que apenas histórias — gêneros e tendecias atuam como espelhos para as preocupações, ansiedades e obsessões de uma época. Um exemplo muito claro aconteceu na década de 80: nos Estados Unidos, a economia estava em declínio, a violência urbana estava em ascensão, o futuro parecia incerto e a vida humana parecia cada vez mais barata. Filmes como ROBOCOP ou Taxi Driver mostram bem a visão desesperançada e suja desse período.

Ao mesmo tempo, a tecnologia japonesa a cada dia parecia mais e mais que ia dominar o mundo — de videogames e videocassetes a walkmans e televisores. Essas forças culturais e tecnológicas deram origem ao gênero cyberpunk, uma visão sombria e distópica na qual o capitalismo japonês e a tecnologia fria dominam o mundo, esmagando a humanidade sob seu peso massivo e impessoal. A literatura e o cinema tornaram-se um palco para explorar e dar vazão a esses medos coletivos.

Mas por que eu estou falando isso? Porque, nessa mesma época, o Japão enfrentava seu proprio conjunto de ansiedades e preocupações sociais — só que no caso deles o medo era biológico. Os avanços na biotecnologia, como a fertilização in vitro e a clonagem, combinados com o surgimento de novas doenças como a AIDS, despertaram o medo do bioterrorismo e do potencial descontrolado da ciência. Essas preocupações encontraram um poderoso canal na literatura e no cinema japonês da época. O terror e a ficção científica tornaram-se meios para explorar o corpo como um local de vulnerabilidade, para imaginar vírus, mutações e forças incontroláveis que poderiam mudar para sempre a vida cotidiana, e não para melhor.

Em outras palavras, assim como o cyberpunk processava o impacto social da tecnologia e da globalização, o bioterror japonês do início da década de 1990 permitiu que leitores e público lidassem com as consequências reais e imaginárias do progresso científico, dando forma a uma ansiedade coletiva que era ao mesmo tempo visceral e intelectualmente irresistível. 


Obras como PARASITE EVE, de Hideaki Sena (que ganhou popularidade adicional no Ocidente graças a continuação na forma de jogo para PS1) não eram apenas histórias de terror — eram a cristalizaram das ansiedades de uma sociedade à beira de uma revolução biológica e tecnológica. E hoje, quero falar sobre outro exemplo dessa literatura de bio-horror que se tornou imensamente popular no Ocidente: O Chamado, de Koji Suzuki.

[WOW, WOW, ESPERA, TEMPO, TEMPO!]

O que foi desta vez, Jorge?

[OK, EU ENTENDI A METÁFORA — O CHAMADO É UMA HISTÓRIA DE TERROR EM QUE VOCÊ PRECISA COPIAR A FITA E "INFECTAR" OUTRA PESSOA PARA SOBREVIVER. MAS EU NÃO CHEGARIA AO PONTO DE CHAMAR O CHAMADO DE UMA HISTÓRIA DE BIO-TERROR. É UMA HISTÓRIA DE FANTASMAS TÃO FANTASMAGÓRICA QUANTO FANTASMAS PODEM SER!]

Hmm, tá, entendi qual é o problema. Se você só conhece O Chamado, também pode pensar isso — seja o livro original, o filme japonês de 1998, Ringu, ou a adaptação americana de 2002. Mas aqui está a questão: "The Ring" é apenas o primeiro volume da trilogia de Koji Suzuki (The Ring → The Spiral → The Loop), e as sequências não são nada remotamente perto do que vc poderia imaginar que elas sejam.

domingo, 17 de agosto de 2025

[#1532][Dez/2000] EVIL DEAD: Hail to the King


O ano é 1977 na Universidade Estadual de Michigan, onde um estudante de cinema de 18 anos acaba de realizar o que, para ele, foi o maior triunfo de sua jovem vida: ele e seu grupo de amigos de infância filmaram uma comédia boba chamada "The Happy Valley Kid" e conseguiram exibi-la para o público do campus (talvez um pouco bebados, mas enfim).

A parte que o deixou extasiado não foi tanto que alguém tenha assistido ao filme — isso também — mas que todo o projeto custou míseros US$ 700 e arrecadou quase US$ 6.000 com as exibições no campus. Para um garoto obcecado por cinema desde que aprendeu a mexer em uma câmera Super 8 na garagem dos pais, isso não era apenas encorajador. Era uma prova. Dinheiro vivo e frio, multiplicado por dez, de repente estava em suas mãos, e pela primeira vez o sonho não parecia uma sonho de criança — parecia uma carreira esperando para ser construída.

Samuel Marshall Raimi olhou para os amigos, com os olhos arregalados, e disse: "Pessoal, acho que podemos ganhar a vida fazendo isso". Ao que seu amigo de infância e estrela de "The Happy Valley Kid", Bruce Campbell, abriu um sorriso e respondeu: 

sexta-feira, 15 de agosto de 2025

[#1531][Dez/1999] Y2K: The Game



Estamos em 31 de dezembro de 1999. Você olha o relógio, marca 23h21.
O mundo vai acabar precisamente em 39 minutos, isso era um fato.

Mas não por causa de alguma profecia biblica, não porque Nostradamus disse, nem a NASA previu um asteroide com um timing absurdamente dramático, e sim por causa do Bug do Milênio. Ah, o bug do milênio. O grande bicho-papão digital do final dos anos 90. Dependendo de para quem você perguntasse, seria um pequeno contratempo ou o fim da civilização como a conhecíamos. Bancos quebrando, aviões caindo do céu, bombas nucleares disparando — basicamente O Exterminador do Futuro, mas causado por um bug de programação em vez da Skynet.

quinta-feira, 14 de agosto de 2025

[#1530][Jul/2000] X-MEN: Mutant Academy


Na década de 1960, a Marvel já havia ganho o apelido de "A Casa das Ideias", e não sem razão. Sua abordagem aos super-heróis era radicalmente diferente da da DC, e essa novidade atraiu bastante atenção. O Homem-Aranha, por exemplo, não era apenas um adolescente com poderes de aranha — o que fisgava os leitores era o fato de ele ser um adolescente com os mesmos problemas que os deles. Escola, bullies, problemas financeiros, insegurança... tudo envolto no absurdo de lutar contra caras vestidos como birutas nos telhados. O Incrível Hulk não era simplesmente sobre o monstro mais poderoso do universo, mas sobre a clássica tragédia de "O Médico e o Monstro": Bruce Banner, um cientista gentil e brilhante, lutando para manter sua humanidade enquanto o monstro interior dentro de lutava para escapar e esmagar tudo. Se os heróis da DC eram definidos pela grandeza de seus poderes, os da Marvel eram definidos pela humanidade das suas falhas.

Essa diferença não caiu do céu — veio de Stan Lee. O homem, a lenda, o mito... e, para muitos de seus funcionários, o chefe que estava sempre em cima deles. Lee era menos um poeta visionário do que um  homem de negócios pragmático. Ele sabia vender, sabia enxergar no que valia a pena se esforçar e, acima de tudo, sabia que quadrinhos eram um negócio. Segundo muitos relatos de seus colegas, não era fácil trabalhar com ele, muitas vezes mais preocupado em garantir que a máquina continuasse funcionando do que em nutrir grandes declarações artísticas ou manifestos políticos. E, honestamente,  no lugar dele eu faria a mesmíssima coisa: para ele, super-heróis não eram um hobby, eram seu emprego. A coisa que pagava o aluguel, a coisa que colocava comida na mesa.


O que nos leva a um de seus momentos mais famosos de "gênio pragmático" dele. No início dos anos 60, Lee tinha um problema: estava farto de inventar origens complexas para cada novo personagem. Picado por uma aranha radioativa, atingido por raios gama, banhado em radiação cósmica, exposto a  lixo tóxico — ele via aquilo como uma perda de tempo que não apenas precisava de criatividade, comol era apenas protocolo com o qual os leitores não realmente se importavam. Uma noite, frustrado, ele desabafou em casa. Foi quando sua esposa, Joan Lee — que sem dúvida teve mais influência na história da Marvel do que jamais lhe foi creditado — simplesmente disse: "Por que você não diz simplesmente que eles nasceram assim?"

quarta-feira, 13 de agosto de 2025

[#1529][Jul/2000] SILENT SCOPE 2: Dark Sillhouete (com o subtítulo "Fatal Judgement" na Europa e "Innocent Sweeper" no Japão)


Mesmo nos dias de hoje, em que qualquer FPS pode renderizar mais balas na tela do que existem boletos na minha mesa, existe uma arma de um único tiro de cada vez que ocupa um lugar sagrado e intocável na psique gamer: o snipper rifle. Não importa se você está invadindo naves-mãe alienígenas, chutando a bunda de nazistas viajantes do tempo ou apenas causando uma baguncinha gostosa em algum deserto pós-apocalíptico — no momento em que você pega aquele longo e elegante instrumento de precisão mortal (lá ele), o jogo muda. A emoção é uma daquelas compartilhada por toda raça humana. A espera silenciosa. A pontaria delicada. A satisfação divina de ver um inimigo cair antes mesmo dele saber que você existe. Em um hobby que frequentemente recompensa os reflexos e o caos do apertar de botões, o rifle de precisão é a forma de arte.

terça-feira, 12 de agosto de 2025

[#1528][Jan/2000] ROOMMANIA #203


Você está sentado em frente a um monitor CRT bege. O zumbido fraco do seu PC se mistura com o zumbido de um modem de 56k, aquele guincho agudo que você consegue ouvir na sua memória mesmo decadas depois. Você está online — mas a internet ainda não é o oceano estrondoso de dancinhas do TikTok, vídeos sensuais e conteúdo alimentado por algoritmos. É mais como um pequeno arquipélago de ilhas pessoais, cada uma construída à blogs pessoais.

Em algum lugar, enterrado a três cliques de profundidade no diretório do Yahoo, você encontra: "Mark's Dorm Cam – Ao Vivo do Quarto 204". A página tem um fundo HTML simples, talvez com Comic Sans para dar um toque especial. Uma única imagem carrega no topo — 240×180 pixels, ligeiramente granulada. Mark está em sua mesa, curvado sobre um livro didático. Você espera. Depois de dez segundos, a imagem pisca e atualiza. Agora ele está pegando uma caneca.

É isso.
Isso é tudo que tem para ver.
E ainda assim... você não consegue parar de olhar.