Podendo me gabar de ter mais de 1.500 reviews nesse blog, eu posso dizer que é muito raro — quando não completamente sem precedentes — que eu me sente para jogar um jogo e fique sem saber como classificá-lo. Não vou fingir que joguei ou mesmo conheço todos os jogos já feitos, mas gosto de pensar que tenho um conhecimento bastante sólido da grande tapeçaria dos gêneros. E, no entanto, aqui estou eu, olhando para a série Deception, coçando a cabeça e me perguntando o que, exatamente, acabei de vivenciar. É estratégia? Ação? Puzzle? Terror? Uma viagem de tóchicos sonhado por designers que assistiram Ra-Tim-Bum demais? Olha, é tudo isso e nada disso ao mesmo tempo.
[DECEPTION NÃO É "DECEPCIONANTE", ISSO É UM FALSO COGNATO]
São quase 9 anos nessa indústria vital, Jorge, eu tenho que me divertir onde eu consigo. Seja como for, a melhor maneira de explicar Deception é esta: é um puzzle fazendo um cosplay muito, muito convincente de Action RPG. À primeira vista, tudo grita "dungeon crawling da era PlayStation" — você move seu personagem por ambientes 3D com iluminação sombria, corredores sinuosos e inimigos perseguindo você. Mas aqui está a diferença: você não pode revidar no sentido convencional. Sem espadada, sem bolas de fogo, em um mísero soquinho.
Em vez disso, as únicas armas reais à sua disposição são armadilhas — engenhocas cruéis e elaboradas que só você pode ver (e essa é a justificativa pra eles caírem nelas). Essa é a genialidade da série: você não derrota os inimigos diretamente, você orquestra a queda deles. Você tem três slots para armadilhas — uma no teto, uma na parede e uma no chão — e a partir daí, seu objetivo é usar as engenhocas para criar videocassetadas espetaculares. Seus inimigos avançam contra você, e você responde com estacas, machados giratórios, pedras rolantes gigantes e trampolins que lançam cavaleiros com armaduras pela sala como uma comédia pastelão medieval.
O grande charme da série Deception é ser não um hack'n slash, mas o melhor jogo de HOME ALONE jamais feito onde você não é Macaulay Culkin gritando para o espelho, mas sim o próprio espelho, observando silenciosamente suas vítimas serem fatiadas por ventiladores de teto.
Porque é aqui que Deception passa de um gimmick engraçadinho para uma genialidade diabólica: o melhor uso das armadilhas não é apenas causa dano, mas os combos encadeando sequencias de pancadas exponenciam o dano causado. Não basta jogar uma pedra na cabeça de alguém — você quer que essa pedra a esmague contra um spike na parede, que então a joga em um trampolim, que então a lance sob um machado giratório.
E a parte mais divertida da coisa toda certamente é usar o cenário como como parte do espetáculo. alem das suas próprias armadilhas que vc pode castar, cada sala tem suas próprias ferramentas para serem usadas: escadas que viram rampas para fazer os inimigos escorregarem direto para suas armadilhas, um lustre pode cair na hora certa para completar sua "máquina de sofrimento medieval de Rube Goldberg". Não se trata de força bruta — trata-se de timing, espaçamento e criatividade.
Esse é o elemento do quebra-cabeça: cada encontro é menos uma luta e mais "como faço para esse idiota bater em todos os galhos na queda?". Você não está apenas lutando contra inimigos, você está criando uma experiência para eles, uma armadilha de cada vez. Em essência, é por isso que Deception é melhor compreendido como um puzzle do que como um RPG: cada encontro é essencialmente um problema de lógica envolto em armadura e caras maus querendo te açoitar com uma claymore. O que parece uma batalha é, na verdade, uma sequência de perguntas: Onde devo ficar? Como devo kitear o inimigo? Em que ordem devo acionar as armadilhas? Cada sala se torna um quebra-cabeça, e seu sucesso não é medido em pontos de vida perdidos, mas na elegância com que você resolveu o problema.
E como dá pra imaginar, isso é imensamente gratificante. Há uma alegria infantil em ver seu plano se concretizar, cada passo disparando em sequência exatamente como você imaginou. Essa satisfação é o que faz Deception funcionar. Não importa que você já tenha visto os mesmos tipos de inimigos ou usado os mesmos modelos de armadilhas antes — você está sempre procurando novas maneiras de reorganizá-los, para criar uma máquina mais mortal, mais engraçada ou simplesmente mais estranha.
Dito isso, a caixa de ferramentas do jogo não é infinita. Você tem um bom número de armadilhas e perigos ambientais para jogar, mas eventualmente você vai desejar um pouco mais de variedade. Alguns brinquedos extras na caixa teriam expandido as possibilidades criativas dez vezes mais. Tá, eu sei, esse é um título de PlayStation 1 de um único CD — eu não vou pegar TÃO pesado com as limitações técnicas. Ainda sim o que está aqui dá pra se divertir por umas boas horas. Mais variedade teria feito o espetáculo de Rube Goldberg brilhar mais, mas o que está aqui ainda é suficiente para fazer você se sentir como um engenheiro sádico de uma comédia pastelão.
O verdadeiro ponto fraco de Deception 3: Dark Delusion é, sem dúvida, a história — ou, mais precisamente, a quase total ausência de uma. O que temos é uma narrativa costurada por uma tradução rudimentar que mal se sustenta. Personagens falam, eventos acontecem, mas na maioria das vezes você fica coçando a cabeça se perguntando se perdeu alguma fala crucial ou se o roteiro simplesmente esqueceu o que estava tentando dizer. Não é que não haja uma história — definitivamente há muitas cutscenes, muitas conversas ameaçadoras e muitas cameras panorâmicas dramáticas. Mas o significado real muitas vezes se dissolve em absurdos, como ler um conto de fadas medieval que foi mastigado pelo Bing Translator de 1998.
Dito isso, não é um fator decisivo. Os recursos principais e a gloriosa engenharia de armadilhas sustentam o jogo sem problemas sem a estrutura narrativa. Ainda assim, não consigo deixar de imaginar o quanto a experiência geral teria sido mais forte se a história correspondesse à engenhosidade da jogabilidade. Afinal, claramente os devs estavam tentando escrever algo que importasse — as cutscenes não são preguiçosas, são animadas com esforço e detalhes. Dá para perceber que os desenvolvedores estavam tentando contar algo envolvente... mas nunca funciona, deixando você com uma peça de teatro onde os atores murmuram suas falas em uma língua estrangeira.
Então, sim, as armadilhas funcionam, os quebra-cabeças cantam e o caos pastelão à la Rube Goldberg é mais do que suficiente para manter você envolvido. Mas uma história mais precisa e melhor localizada poderia ter elevado Deception 3 de "curiosidade brilhante, mas estranha" a um verdadeiro clássico cult. Do jeito que está, você joga pelas engenhocas e acha bonitinho, mas dificilmente alguém vai colocar esse jogo na sua lista de Top 10 jogos de PS1.
A maior adição que Deception 3 faz em relação aos outros jogos da franquia é a capacidade de criar suas próprias armadilhas. Você pode pegar uma armadilha base, dar a ela um atributo com um Emblema, ajustar seu comportamento com um Anel e aumentar seu poder com Orbes. Muitos desses modificadores são obtidos ao completar o modo challenge, o que torna jogar o modo secundário de jogo uma recompensa não apenas simbólica.
As combinações podem ser surpreendentemente criativas: coloque um Emblema do Trovão em uma armadilha de Pedra e, de repente, você terá uma Pedra Volt; coloque o acessório certo e você poderá fazer com que as armadilhas se ativem automaticamente ou até mesmo reduzir preciosos segundos de seu tempo de recarga. E quando as coisas começam a ficar sérias demais, o jogo oferece algumas opções deliciosamente tolas — como uma casca de banana para humilhar seus inimigos ou, minha favorita, uma barracuda gigante que simplesmente despenca do teto como uma intervenção divina dos deuses do pastelão. É ótimo, mas, mais uma vez, eu gostaria que o jogo tivesse se aprofundado mais nessa estranheza lúdica. Mais opções dessa bobagem poderiam ter transformado a experiência de inteligente em inesquecível.
No entanto, mesmo sem essa camada extra, Deception 3 continua sendo um jogo gostoso e criativo — o tipo de título que ousa te dar ferramentas e deixa sua imaginação fazer o resto. É revigorante e único em um cenário onde a maioria dos jogos se apega a fórmulas mais seguras. Talvez não seja um clássico atemporal, mas o que é — uma experiência profundamente divertida e infinitamente inventiva — é mais do que suficiente para valer uma conferida até hoje.