sábado, 2 de agosto de 2025

[#1520][Ago/2000] TENCHU 2: Birth of the Stealth Assassins


Como o orgulhoso e apenas muito ocasionalmente rabugento boomer que eu sou, permita-me dizer uma coisa: eu já joguei muitos jogos. E quando eu digo "muitos", eu me refiro a muitos MESMO, tipo mais do que qualquer ser humano em sã consciência poderia jogar e ainda lembrar que cor é o Sol. Dito isso, tem uma coisa que eu nunca fiz em todos estes anos nessa indústria vital: eu nunca fiz um jogo. 

Nunca me sentei em um escritório enfumaçado às 3 da manhã debatendo contagens de polígonos com um produtor que ainda está de pé graças apenas a café barato e péssimas escolhas de vida. Então não, eu não posso falar da experiencia de como é desenvolver um jogo, tudo que eu sei sobre game design eu aprendi através de entrevistas e reviews post-mortem. Mas tem sim uma coisa que, mesmo de fora, eu posso afirmar: eu tenho a mais absoluta certeza de que o desenvolvimento de jogos deve ser um dos empreendimentos mais caóticos e enxaquecosos conhecidos pela humanidade.

Uma prova irrefutável disso é que tantas sequências ao longo dos anos acabam parecendo aquele episódio de Chaves em que o Professor Girafales está ensinando Kiko a tocar violão: "Faça isso", e Kiko faz perfeitamente... mas no momento em que tenta adicionar algo novo, esquece tudo o que fez certo segundos antes. Isso, meus amigos, é exatamente o que acontece com inúmeras sequências: os desenvolvedores heroicamente consertam o que não funcionou no primeiro jogo — yay! — mas, inexplicavelmente, acabam cagando o que tinham acertado em cheio da primeira vez — menos yay!

E isso nos leva ao convidado de honra desta noite, um jogo que se encaixa nesse belo padrão de desastre: "Punição Divina 2: O Nascimento dos Assassinos Furtivos" para PS1.


Então, aqui temos a sequência de um jogo que eu realmente respeito e ainda me lembro com carinho, TENCHU: Stealth Assassins. O primeiro Tenchu foi uma daquelas joias raras que pegou as não poucas limitações do PlayStation original — um número de polígonos tão baixo que você podia contar no olho, texturas que pareciam que iam desmontar a qualquer momento e menos memória RAM que um Tamagotchi hoje em dia — e as transformou em vantagem. Tinha atmosfera, tinha foco e fazia você se sentir como um assassino silencioso na noite. Isso era — e ainda é — algo especial.

Corta agora pra dois anos depois e temos a sequência. Ou melhor dizendo, uma prequência. Mas chegaremos à história em um minuto.

O que realmente importa primeiro é como o jogo realmente funciona. Veja, a coisa é que o original tinha aqueles controles notoriamente desajeitados. Seu ninja se movia como uma empilhadeira, duro para uma senhora caceta, porque era isso que uma pequena equipe trabalhando com restrições de hardware  e orçamento conseguia fazer na época. E funcionava a proposta do jogo porque forçava você a evitar o combate horrível e escolher bem suas lutas.


A boa notícia com Tenchu 2 é que eles claramente tinham um orçamento maior desta vez — o suficiente para refinar o que importava. Seu ninja se move com muito mais fluidez agora, mesmo que os controles de tanque ainda estejam presentes por razões que provavelmente faziam sentido para alguém naquela época. E honestamente está tudo bem. Não é elegante, mas funciona e mantém a coisa que este jogo não é para ser jogado como um Dinasty Warriors da vida e sim que você depende da furtividade para assassinar seus alvos com o minimo de altercações possíveis.

Então sim, o combate ainda é uma porcaria — mas isso é uma escolha de design. A verdadeira essência de Tenchu é se esgueirar, observar, esperar pela sua chance e, então, terminar a luta antes mesmo de ela começar. Uma morte furtiva e certeira — é aí que o jogo realmente brilha. E, nesse sentido, a sequência recompensa você melhor por jogar da maneira certa: aguardar silenciosamente, pacientemente e nas sombras. Então, o meu ponto é: eles realmente consertaram o pior ofensor do primeiro jog e isso funciona. Ótimo! Então, com esse grande obstáculo superado, o que possivelmente poderia dar errado?

...Bem, algumas coisas. Para começar, eles conseguiram errar em coisas que já tinham acertado da primeira vez. Como a história, por exemplo.


Como o título Birth of the Stealth Assassins sugere, esta é uma prequela — a primeira aventura da nossa dupla shinobi favorita do PS1, Rikimaru e Ayame. O que significa que, em vez dos assassinos frios, disciplinados e discretamente estilosos que conhecemos no original, aqui eles são... adolescentes. E não qualquer adolescente, mas o típico adolescente dos anos 90: barulhento, teimoso, que acha que sabe tudo e escrito com aquele tom inconfundível de "how do you do, fellow kids?" que se tem quando adultos tentam soar como jovens.

Então, em vez dos ninjas frios e focados que tornaram a atmosfera do primeiro jogo tão marcante, agora temos Ayame falando sem parar e Rikimaru agindo ocasionalmente como um protagonista de anime taciturno que acha que já sabe tudo. É irritante — não apenas porque entra em conflito com o mundo sério e perigoso em que vivem, mas porque parece forçado. Como se os escritores achassem que os personagens precisavam "parecer jovens", mas acabaram fazendo com que soassem mais como surfistas californianos do que como aprendizes shinobi.

Mas, embora os personagens definitivamente tenham dado um passo para trás tanto em idade quanto em escrita (e, sejamos honestos, o primeiro jogo já era puro suco de filme B na sua escrita) — essa parte ainda é administrável. O que realmente dói mais é que o level design deu o mesmo passo para trás. Veja bem, em vez daquelas vilas compactas e becos estreitos onde você podia se esgueirar pelos telhados, perseguir sua presa e se sentir como uma sombra da morte da era Bakumatsu se movendo pela noite, a sequência decidiu adotar um design de níveis muito mais aberto.


Tá, eu entendo a razão, a equipe claramente domina o hardware melhor agora e tinha um orçamento maior após o sucesso do primeiro jogo. Dá para perceber o salto técnico imediatamente. Eles meteram um SPYRO THE DRAGON aqui: a draw distance é muito maior, os inimigos não se popalizam bem na sua frente — especialmente com vc já dentro do alcance de detecção deles, o que era uma puta merda no primeiro jogo. Agora você pode avistar guardas de longe e planejar ao redor deles. Isso é uma melhoria, sem dúvida.

…mas não combina muito com o que Tenchu faz de melhor: ser um ninja correndo por telhados, atacando sem ser visto e desaparecendo na noite. De repente, em vez de espreitar acima de ruas estreitas, você está correndo por grandes campos abertos ou espaços amplos onde não há tanto assim onde se esconder, e não é tão divertido. Sim, é tecnicamente impressionante, especialmente para o que o PS1 podia fazer, mas "tecnicamente impressionante" nem sempre significa "melhor para o jogo".

E claro, o primeiro jogo também teve sua cota de fases mal projetadas — algumas áreas onde a furtividade não funcionava e você acabava jogando como um hack'n slash toscão em cavernas ou corredores. Mas o que todos lembram com carinho do original são aquelas fases urbanas atmosféricas e bem construídas. Os telhados. Os becos iluminados por lanternas. Aquela sensação de ser um caçador silencioso movendo-se acima de um mundo desavisado — não é por nada que Assassin's Creed, o sucessor espiritual de Tenchu está por aí até hoje fazendo uma versão infinitamente mais polida disso.


Então, em vez de repetir o que todos amaram no primeiro jogo, a sequência se concentra em mostrar o que a equipe era capaz de fazer tecnicamente — mesmo que isso significasse melhorar o que, na verdade, tornou Tenchu mais fraco. E... cara, essa é uma escolha que eu não faria.

Ainda falando em downgrades, há outra coisa que todos lembram com carinho do primeiro jogo: a trilha sonora. E, honestamente, isso não deveria ser surpresa, porque o propósito de ser um shinobi é a atmosfera, certo? Aquele clima. Aquele peso. Aquele som inconfundível de shamisen e biwa melancólicos te seguindo enquanto você carrega a morte pela noite.

É um jogo ambientado no Japão feudal, então me faça sentir como o melhor assassino japonês se esgueirando entre as sombras enquanto, em algum lugar, uma gueixa lamenta um amor perdido. Não é nada tão complicado quanto física quântica que eu to pedindo, gente: a música dá o tom, e o tom é o que faz a fantasia funcionar.

... exceto que a sequência simplesmente não faz isso. E nem é que a trilha sonora seja ruim — é que ela é quase inexistente. Sério, há apenas silêncio nas suas missões. O grito da flauta shinobue te assombrando enquanto você persegue seus alvos se foi. Em vez disso, você ouve principalmente passos e o tilintar ocasional do seu gancho.


E de novo — mano. Qual era a ideia aqui? Esta série vive e morre por sua atmosfera; é sobre deslizar para a escuridão, a tensão de se mover sem ser visto e aquela sensação melancólica de inevitabilidade que só a música pode trazer à vida. Sem ela, você fica com um sistema furtivo e alguns polígonos se esgueirando em silêncio. Tecnicamente ainda funciona, mas parece vazio.

Eu entendo a vontade de experimentar com som ambiente ou uma abordagem mais realista, mas isso não é uma simulação — é uma fantasia. E essa fantasia precisa dessa trilha sonora. É como se eles tivessem corrigido uma parte da fórmula, mas depois tirado outra que era tão essencial quanto.

Então, meu ponto é: Tenchu 2 é, no papel, tecnicamente um jogo melhor. Seu conjunto de movimentos é maior e mais flexível desta vez. Você pode nadar — e até se esconder debaixo d'água agora com um caninho pra fora pra respirar. Você pode arrastar corpos para longe da vista em vez de deixá-los para algum guarda tropeçar — ou colocar no caminho justamente para servir de isca. Você tem um punhado de novos movimentos de combate para experimentar. No geral ele realmente se move melhor, você se sente menos como uma empilhadeira e mais como um shinobi de verdade.


Os mapas em si são maiores, a taxa de quadros é mais estável e os modelos dos personagens são um pouco mais detalhados. Até a dublagem é tecnicamente melhor — o que é meio que uma pena, porque o jogo anterior ter a pior dublagem da história dos videogames tinha seu próprio charme estranho.

Tá, pra não dizer que tudo melhorou tecnicamente, a IA... bem, digamos que não recebeu a mesma atualização. Aparentemente, a grave falta de vitamina A na dieta feudal japonesa deixou esses pobres guardas meio cegos e você pode abusar do quão pouco eles enxergam. Mas vai, vou considerar que esse ainda é o PS1 e não vou ser muito duro com ele. Se METAL GEAR SOLID não tinha guardas lá muito espertos, não é Tenchu que ia tirar leite de pedra.

O que eu vou pega duro é que para cada avanço — mapas maiores, controles melhores, novos recursos — eles, de alguma forma, deram dois passos para trás onde realmente importava. A essência de Tenchu nunca foi a proeza técnica bruta. Era a atmosfera: a tensão de rastejar por telhados em becos estreitos, a trilha sonora assombrosa que fazia você se sentir como a morte se movendo pela noite, o ritmo deliberado que fazia cada morte furtiva parecer merecida.

Em vez disso, Tenchu 2 troca essa atmosfera. Sem música durante as missões. Mapas amplos e abertos que parecem impressionantes, mas não parecem feitos para furtividade. E o resultado final é que, apesar de todas as melhorias técnicas, ele esquece o que tornou o original especial em primeiro lugar.

No fim das contas, Tenchu 2 é o tipo de sequência que faz você respeitar às melhorias, mas suspirar pelas perdas. É tecnicamente maior e mais fluido, com algumas adições genuinamente bem-vindas à forma como você se move e caça. Mas em algum ponto do caminho, esqueceu que ser um shinobi não se resume apenas a novos movimentos ou mapas maiores — é sobre atmosfera, tensão e aquela música assombrosa que te fazia sentir ser a morte na noite. E sem essa alma, todas essas melhorias técnicas começam a parecer estranhamente vazias. Ainda vale a pena jogar, porque ser um ninja da morte mortífera mortal sempre vai ser muito maneiro, mas é difícil não vê-lo como um passo pra frente na tecnologia e dois passos pra trás onde mais importava.

MATÉRIA NA AÇÃO GAMES
EDIÇÃO 147 (Janeiro de 2000)


EDIÇÃO 156 (Outubro de 2000)


MATÉRIA NA SUPER GAME POWER
EDIÇÃO 049 (Abril de 1998)


EDIÇÃO 079 (Outubro de 2000)


MATÉRIA NA GAMERS
EDIÇÃO 057 (Março de 2000 - Semana 3)


EDIÇÃO 075 (Agosto de 2000 - Quinzena 1)