Nos últimos dias, tivemos algumas reviews bem pesadas. Mergulhos multimídia profundos que misturavam livros com filmes, dissecações históricas de eras esquecidas, RPGs extensos com mais missões secundárias do que eu tenho anos de vida restando... ufa. Então, para a análise de hoje, vamos dar um passo para trás, respirar um pouco e falar sobre algo simples: fundamentos de game design. Sabe, só para relaxar. Mais precisamente, vamos falar sobre aquela mecânica humilde, mas vital, conhecida como invulnerabilidade pós-acerto.
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Invencibilidade pós-acerto em Mega Man 1, de 1987 |
O conceito é simples: quando seu personagem sofre dano, ele geralmente pisca ou pisca e fica temporariamente invulnerável por alguns segundos. Pra que isso? Porque sem isso, cada pequeno toque de um inimigo sugaria sua barra de energia saúde ais rápido do que um cubo de gelo derretendo no asfalto quente do Rio de Janiero na metade de fevereiro. Faz sentido, certo? Na verdade, faz tanto sentido que até os jogos de Nintendinho dos anos 80 já faziam isso. Essa pequena escolha de design tornava os jogos infinitamente mais suportáveis, e sempre que um título de Nintendinho não fazia isso chamava atenção negativamente — como um cacto plantado no meio de uma padaria.
Então imagine — apenas imagine — se um jogo lançado em meados dos anos 2000, uma boa década e meia depois que o NES já havia tornado isso um padrão, simplesmente... decide não o fazer. O PlayStation 2 já foi lançado, Final Fantasy está em sua nona edição numerada, a indústria passou por polígonos, FMVs, trilhas sonoras orquestrais — e então um joguinho aparece e diz: "Sabe de uma coisa? Invulnerabilidade pós-golpe? Nah." Um inimigo te toca, e pronto: eles podem drenar sua barra de vida como uma criança com um Nesquick de Morango, um canudinho e nenhum medo de usa-lo. Sem invulnerabilidade piscante, sem espaço para respirar, apenas dor pura e sem filtro. Seria loucura um jogo fazer isso a essa altura do campeonato, né?
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Staggering em Double Dragon 2, de 1988 |
Mas calma, fica melhor. Vamos falar de outro conceito fundamental: staggering. Não se assuste com o nome, não é nada complicado. Quando você acerta um inimigo que não morre com um único golpe, ele deve cambalear, recuar, algo assim — porque, caso contrário, eles simplesmente marcham em sua direção como se você os estivesse golpeando com um guardanapo molhado. E pior ainda, sem stagerring não há feedback, nenhuma sensação de que seus ataques realmente conectam. Você está basicamente brandindo uma espada (ou seus punhos) no ar enquanto o inimigo dá de ombros e continua andando. Não é apenas sem graça, é desorientador. E, mais uma vez, adivinhe? Até o Nintendinho— o hardware que tinha dificuldade para animar uma cachoeira — descobriu isso nos anos 80. Stagerring e frames de invencibilidade não são truques de design sofisticados, são o básico de game design, o tipo de coisa tão básica que você não devia sequer cogitar fazer um jogo se não sabe isso.
E agora, caro leitor, tendo cuidadosamente exposto esses princípios básicos do design de jogos, deixe-me te surpreender: MediEvil 2 — um jogo lançado no ano 2000, no PlayStation 45845542415 vezes mais poderoso que o Nintendinho, na mesma geração que nos deu METAL GEAR SOLID, SILENT HILL e SPYRO THE DRAGON — consegue falhar em ambos. Não apenas um. Ambos.
Sem invulnerabilidade pós-golpe. Sem staggering. Nada. Sir Daniel Fortesque, o pobre cavaleiro esqueleto, é atingido por um inimigo e pronto — você fica preso em um liquidificador de dor até que sua energia saúde evapore. E quando você finalmente reúne forças para brandir sua espada de volta o inimigo não recua, não para, não cambaleia. Sequer reconhece educadamente sua existência. Eles simplesmente continuam indo pra cima de você como se você fosse um fantasma em seu próprio funeral.
Você consegue entender o quão insano isso é? Os jogos de Nintendinho resolveram isso quando Lambada ainda era moda. Castlevania — um jogo que acreditava que "controlar onde o seu personagem vai cair depois que vc aperto o botão de pulo" era frescura — já sabia fazer melhor. E, no entanto, mais de quinze anos depois, com o poder do PlayStation, dublagem e gráficos 3D, MediEvil 2 olhou para os fundamentos e disse: "Eh, isso é para comedores de quiche". É como um decidir não cozinhar macarrão antes de servi-lo. Você não ganha pontos por inovação — você ganha anos de prisão.
Deixando de lado esses crimes de design de jogo, vamos falar sobre mover seu personagem — porque, de alguma forma, MediEvil 2 leva para casa o prêmio de "Piores Controles 3D que Não São Controles de Tanque" (ou PC3DqNSCdT, para abreviar). Eu sei, isso parece hiperespecífico, talvez até uma implicancia minha. Mas no momento em que você pega o controle, vc entende: Sir Daniel não corre. Este é um jogo de plataforma 3D onde você anda como se estivesse em um passeio de domingo por um museu. A única maneira de correr? Tocar duas vezes para frente e depois segurar para frente.
Sabe qual outro jogo 3D usa essa mecânica? Vou te dizer: NENHUM. JAMAIS. Não é obscuro, não é de nicho — é simplesmente terrível. Absolutamente, espetacularmente terrível. Tocar duas vezes constantemente para se mover em um ritmo razoável já é estranho o suficiente com um direcional, mas com um analógico? Você consegue sentir o plástico rangendo, o pobre analógico gritando por misericórdia enquanto sua vida útil diminui a cada "duplo toque" desesperado.
Então, quais são suas opções? Você pode:
- Usar apenas o D-Pad, o que em um jogo 3D parece tão natural quanto um homem das cavernas com sapatilhas de balé;
- Duplo toque no analógico — horrível, destrutivo, fisicamente desconfortável.
- Ou, minha solução alternativa favorita: toque duas vezes no direcional, segure para frente e, em seguida, use o polegar direito para segurar o analógico para frente para então passar o polegar esquerdo do D-Pad para o analógico enquanto o direito ainda segura... tudo isso só para se MOVIMENTAR. Ah mas vão a merda porra, isso não é jogabilidade — é uma Olimpíada de Dedões, um minigame de torcer os dedos imposto a você por pura incompetência.
Mas tá, se vc quiser um exemplo mais perto usando a arquitetura do Playstation, eu preciso lembrar que já haviam DOIS jogos de Spyro the Dragon naquela época, dando voltas no hardware do PS1, ensinando a todos como criar um jogo de plataforma 3D suave. No entanto, de alguma forma, MediEvil 2 olhou para todos aqueles exemplos, todos aqueles tutoriais por aí, e disse: "Não, vamos reinventar a locomoção. Do jeito mais porco possível".
Não, sério — como? Eu tenho que saber. Pra vcs terem ideia de como esse jogo pateteia com coisas tão básicas que nem mesmo os maiores desastres dos jogos 3D chegaram a esse ponto. Bubsy 3D não fez isso. SPAWN: The Eternal não fez isso. RASCAL não fez isso! Como — só COMO — você supera os piores em idiotice?
Mas tá... deixando todas essas falhas de lado... bem, não exatamente "de lado", porque atrocidades de gane design como essas não é algo que possa simplesmente ser ignorado, mas vamos fingir por um segundo para seguir adiante. Vamos lá: eu nunca fui o maior fã do primeiro MEDIEVIL. Mas pelo menos — ao menos isso — era jogável. Eu dou isso a eles.
O primeiro jogo foi desenvolvido pela filial europeia da Sony. E se tem algo que eu sempre deixei bem claro nesse blog é que na década de 90 o design de jogos europeu tinha uma... filosofia única. Que seria: se o jogador estivesse se divertindo, alguém seria demitido por isso. Você provavelmente teria sua licença de desenvolvedor caçada se alguém ao menos sorrisse enquanto jogava. Então, naturalmente, quando chegou a hora de fazer uma sequência, a ordem era clara: "Diversão detectada? Corrija isso imediatamente."
Porque aqui está a questão: o primeiro jogo tinha seus problemas — controles desajeitados, combate flutuante, inimigos que drenavam sua saúde como mosquitos no verão — mas pelo menos você tinha um jeito de lidar com isso. Havia piscinas de cura espalhadas pelas fases, fontes de uso infinito onde você podia rastejar de volta, lamber suas feridas e seguir em frente. Os inimigos não respawnavam, então com bastante perseverança (e xingamentos), você podia limpar uma área, se arrastar até a piscina, se curar e seguir em frente. Não era elegante, mas funcionava.
Então, o que eles fizeram na sequência? Eles consertaram os controles? Eles refinaram o combate? Eles adicionaram invulnerabilidade pós-acerto como, sei lá, todos os desenvolvedores decentes desde 1986? Não, não, claro que não. O que eles decidiram "consertar" foram as piscinas de cura. Agora elas são de uso único. Um gole, e sumiu para sempre. Porque, aparentemente, o verdadeiro problema com MediEvil não eram as mecânicas quebradas — era o fato de você poder se recuperar delas.
Sim, amigos, esta foi a grande revelação cerebral da SCEE: não consertar as falhas, apenas retire a rede de segurança. Sir Daniel Fortesque não precisa de frames de invencibilidade, controles responsivos ou combate funcional — ele precisa de menos chances de sobreviver! Porque, obviamente, esse era o problema o tempo todo. Bravo, mates. Sério, crumpets para todo mundo por minha conta!
[CENÁRIO: Uma sala de reuniões londrina chique, 1999. Mesa de carvalho, bule de chá por todo lado, uma Union Jack drapejada num canto. Um letreiro na parede diz: Sony Computer Entertainment Europe – Excelência Através do Sofrimento.]Chefe de Design (Nigel): Muito bem, cavalheiros — e Beatrice — vamos rever o feedback sobre MediEvil. Os críticos dizem que é… “jogável”.(Suspiros de horror em volta da mesa.)Produtor (Reginald): Jogável?! Bons céus, homem! Tem noção do que está a dizer? Se isto se espalhar, as pessoas podem realmente divertir-se!Diretor de Gameplay (Percival): Impensável. Absolutamente impensável. Jogos jogáveis são para os japoneses com seus "Super Darios" ou o que quer que seja que os pagãos fazem hoje em dia. Mas aqui é a Europa, aqui temos civilização, aqui temos padrões. Nós moldamos as crianças em homens corretos da socidade através de dor e miséria, não de “diversão”.Chefe de Narrativa (Beatrice): Exactamente, meu caro. Se uma criança conseguir completar o primeiro nível sem chorar, falhámos enquanto artistas. Falhámos enquanto seres humanos.Nigel: Precisamente. Agora, o que é que o tornou tão insuportavelmente “jogável”?Percival (ajustando o monóculo): Bom, para começar, os jogadores podiam curar-se. Havia estas poças de energia espalhadas por todo o lado, de uso gratuito e sempre que quisessem. Era praticamente um dia de spa para o bom Sir Daniel.(Murmúrios de desagrado.)Beatrice: Poças de cura? Ilimitadas? Como se a vida pudesse... ter bons momentos? Pela amada rainha, o que estamos a ensinar a nossas crianças?Reginald: Isto explica tudo. As pessoas não estavam a sofrer porque podiam recuperar dos nossos controlos defeituosos.Nigel (batendo com o punho na mesa): Então é óbvio! Para a sequela, tiramos-lhes as poças de cura.Percival: Cavalheiros — e Beatrice — também não somos barbaros selvagens como aqueles rudes americanos e suas profanidades como GOOM ou algo do tipo, não. Somos homens — e Beatrice — civilizados. Proponho tornamo-las de uso único! Deixamos os tolos beberem uma vez, e depois observamo-los perecer.Beatrice (aplaudindo): Genial! Verdadeiramente genial! Por Jove, é praticamente poesia.Reginald: E só para ficar claro—não vamos corrigir o combate flutuante, os frames de invencibilidade em falta, ou os controlos de movimento que fazem parecer que se conduz um empilhador através do melaço?Nigel: Corrigi-los?! Que impaupério, homem! Decerto que não! Se fizermos alguma coisa, é piorá-los. Mas as poças de cura—essa foi a nossa bondade fatal. Nunca mais.(A sala irrompe em aplausos britanicamente educados, chávenas de chá tilintando em aprovação.)Nigel (levantando a chávena): A MediEvil 2! Que seja menos jogável de todas as formas possíveis e imagináveis!Todos: Hear, hear!
Então aqui estou eu — flabergastado. E eu nem sei o que essa palavra significa, mas tenho quase certeza de que descreve exatamente o que estou sentindo agora. Como eles conseguiram estragar tudo desse jeito está além da imaginação mortal.
[NÃO É POSSÍVEL QUE ESSE JOGO SEJA SÓ DESGRAÇA, AO MENOS MEDIEVIL 2 TEM ALGUMAS QUALIDADES REDENTORAS, CERTO?]
Oh, Jorge, minha doce e otimista criança do verão... Bem, certo, de facto tem alguns. Kudos onde kudos são devidos, o level design pelo menos tenta ser criativo. A ideia de tirar seu crânio e colocar em uma mão sem corpo como a Mãozinha da Família Addams para explorar lugares inascessíveis é legal. E cada fase tem seu próprio gimmick, sendo a minha favorita a que você canaliza a luz do sol para queimar vampiros, mas de modo geral a maioria delas parece que os puzzles realmente parecem ter tido algum esforço criativo por trás deles. Em um jogo que fosse remotamente jogável, esses conceitos poderiam ter sido genuinamente divertidos.
O mesmo vale para os chefes. Dá para perceber que a SCEE queria apimentar as coisas, tornando cada luta um pouco diferente. Tem até uma em que vocês enfrenta uma luta de boxe no estilo Punch-Out!!. Funciona? Mas nem fodendo, os controles continuam o mesmo pesadelo gelatinoso e se os desenvolvedores não conseguiram acertar nos movimentos básicos ao longo de dois jogos, não ia ser em um gênero completamente diferente para uma luta contra um chefe de cinco minutos. Mesmo assim... respeito a ambição. Acho. Ah, e vá lá — ter um botão de troca rápida para suas armas sem precisar abrir o menu é uma ideia muito boa. Uma estrela brilhante em um céu de sofrimento.
Mas, além desses resquícios de boa vontade, MediEvil 2 é uma experiência completamente miserável. O primeiro jogo estava à beira do "jogável", essa sequência salta alegremente para o abismo, gritando: "Não podemos permitir nenhuma dessas bobagens irritantes de diversão, podemos?".
Até o charme da história do primeiro jogo se foi. Sai a história do nobre Sir Daniel, herói do reino que na verdade era um banana e teve uma morte patética mas por questões politicas entrou para história como grande campeão e agora foi trazido de volta a vida depois de morto mesmo não sendo o melhor cadaver para a missão — e entra um plot que apenas acorda em um museu do século XIX. Uma premissa divertida em teoria, trazer um personagem medieval para a era vitoriana, mas o jogo não faz quase nada com ela. Você esperaria engenhocas steampunk, ruas góticas de Londres, horrores de lampiões a gás — alguma coisa. Em vez disso, o único momento em que o cenário "moderno" realmente aparece é em uma fase em que um enxame de Keystone Cops te ataca. Como são apenas policiais comuns fazendo seu trabalho, você não pode matá-los; tudo o que você pode fazer é atordoá-los temporariamente enquanto eles se amontoam em você como um enxame de Senhores Barriga cobrando 14 meses de aluguel atrasado. Eu aprecio o respeito pela vida humana... mas, como você pode imaginar, não é nem um pouco divertido enquanto gameplay.
E assim chegamos ao fim desta catástrofe, eu sentado aqui absolutamente atônito — não apenas com o fracasso de MediEvil 2, mas com o fracasso em tantos conceitos básicos e elementares de game design. Coisas que o NES havia resolvido décadas antes. Coisas que até desastres como Bubsy 3D acertaram de alguma forma. E, no entanto, aqui estamos: sem invulnerabilidade pós-golpe, sem recuo, controles miseráveis, cura removida, uma premissa narrativa desperdiçada e uma sequência que de alguma forma fez a palavra "jogável" parecer um luxo inatingível.
Por mais chocado que eu esteja com a pura incompetência, não posso dizer que estou surpreso com o que aconteceu em seguida. A Sony deu uma olhada nessa bagunça e silenciosamente se afastou. Este foi o fim de MediEvil como uma franquia first-party. Pense nisso: até APE ESCAPE — uma série criada puramente como um infomercial glorificado para os analógicos DualShock — teve várias sequências no PS2 e além. E MediEvil? Nada. Enterrado, esquecido, abandonado para apodrecer na cripta de onde saiu.
E sinceramente não posso dizer que isso seja injusto. Se MediEvil 2 era a ideia da Sony da Europa para uma sequência, então fingir que essa franquia nunca existiu foi a coisa mais gentil que a matriz poderia ter feito.
MATÉRIA NA AÇÃO GAMESEDIÇÃO 149 (Março de 2000)