quinta-feira, 7 de agosto de 2025

[#1525][Jan/2000] COVERT OPS: Nuclear Dawn (ou "Chase the Express" no Japão)

Mesmo que pareça impensável hoje em dia — quando o gênero está morto e enterrado, ao menos em sua formula clássica com mecânicas ultrapassadas — o final dos anos 90 foi uma era de ouro para o survival horror. Não apenas uma modinha passageira, mas um fenômeno cultural completo. O enorme sucesso de RESIDENT EVIL, seguido de perto pelo brilho surreal e psicológico de SILENT HILL, desencadeou uma tempestade de imitadores. Todos mundo e os cachorros poligonais de todo mundo queria um pedaço daquela torta cheia de tensão e sem munição. E mesmo quando os jogos não eram estritamente de terror, eles ainda tentavam copiar a vibe — ângulos de câmera fixos, controles de tanque, ambientes claustrofóbicos.

Você poderia argumentar, é claro, que o survival horror foi projetado para ser intencionalmente desajeitado. Aqueles controles rígidos, os ângulos frustrantes, o combate lento — isso não são falhas, são escolhas de design. Tudo parte de uma máquina cuidadosamente construída para fazer você se sentir vulnerável, indefeso e constantemente em perigo. O objetivo não é aniquilar os inimigos em um momento de glória — é era temer cada encontro, sobreviver a ele por um triz.

Então, quando alguém decidiu pegar toda essa fórmula e transplantá-la para um jogo de ação, bem... foi uma escolha infeliz, para dizer o mínimo. É como pegar Tubarão e dizer: "Sabe do que isso precisa? Dar pros caras um lança míssil com munição". Hmm, sim, eles certamente matariam o Tubarão mais fácil... mas meio que não é esse o ponto do filme? De igual modo, ao tentar usar os elementos de survival horror em um jogo de ação, para surpresa de absolutamente ninguém, os resultados são frequentemente desastrosos — catástrofes nucleares como THE CROW: City of Angels ou o não menos infame PERFECT WEAPON me vêm à mente.

E o tema de hoje, a primeira vista, parece estar indo direto para a mesma lixeira flamejante. Ele pega emprestado a câmera, o esquema de controle, a apresentação... todas as características do survival horror. E, no entanto, tenta algo um pouco diferente: "E se fizéssemos um jogo de survival horror... sem o terror?"

Nossa desenvolvedora aqui é a Sugar & Rockets — um nome que mais lembra uma banda indie de synth-pop do que um estúdio de jogos. Eles foram uma das várias pequenas equipes satélites que a Sony apoiou durante a era do PS1 para produzir conteúdo exclusivo, mais conhecida pelo peculiar RPG PoPoLoCrois Story ou pelo... alternativo... jogo de plataforma 3D JUMPING FLASH! antes de SUPER MARIO 64 definir como o que se faria com o genero. Eventualmente, como a maioria desses pequenos laboratórios experimentais, eles foram absorvidos pela máquina maior que se tornou o Japan Studio, que mais tarde seria remodelado para o Team Asobi, agora mais conhecido por transformar o Astro Bot no novo mascote não oficial do PlayStation.

Mas eu dizia que naquela época a Sugar & Rockets teve uma ideia. Uma ideia que, no papel, já cheirava a um tiro pela culatra: "E se fizéssemos um jogo de ação... mas o projetássemos como um survival horror?"

Em uma situação que não acontece todo dia, a capa mais elegante e bonita de toda é a europeia

Isso mesmo — ângulos de câmera fixos, controles de tanque, munição limitada, corredores claustrofóbicos, todo o jazz de RESIDENT EVIL — mas em vez de tropeçar em zumbis cambaleantes, você está atirando em terroristas armados com metralhadoras. 

E, como eu disse antes, isso não funciona. Pelo menos não normalmente, porque para ser justo existem exceções. RESIDENT EVIL 3: Nemesis é um bom exemplo de ação feita dentro dessas restrições. Claro, a Capcom estava jogando um jogo completamente diferente naquela época, operando em um nível com o qual a maioria dos estúdios só poderia sonhar. A maioria dos outros que tentaram... vamos dizer apenas que eles não era a Capcom, nem de longe.

Mas então... algo estranho aconteceu. Quer dizer, muito estranho. Algo quase inédito no desenvolvimento de jogos. A Sugar & Rockets estava até o pescoço nessa fórmula estranha de ação com survival horror quando de repente... as estrelas se alinharam. Uma luz desceu dos céus. Nuvens se abriram, um coro de anjos poligonais cantou um coro em MIDI, e os programadores pararam o que estavam fazendo. Eles olharam para sua criação, respiraram fundo e disseram: "...É, isso tá uma merda. Isso nunca vai funcionar. Nem agora, nem depois, nem em um milhão de anos". E assim, de repente, um raro milagre aconteceu em uma indústria famosa por apostar em ideias ruins: eles mudaram de ideia.


Percebendo que transformar este jogo em um SYPHON FILTER com câmeras fixas era como tentar correr uma maratona de calça jeans, eles se fizeram uma pergunta completamente insana: "E se usássemos essa fórmula de survival horror para fazer... sabe... um survival horror?"

Aqueles malucos.
Aqueles absolutos loucoshomens.
Aqueles pioneiros do bom senso.

Você tem que respeitar uma equipe que para no meio do caminho e diz: "Espere, não vamos fazer besteira", e então faz algo a respeito. O resultado é um jogo que ainda parece um thriller de ação narrativamente... mas que joga como algo muito diferente.

Então, o que temos aqui é algo bem único porque, no papel, "Covert Ops: Nuclear Dawn" é survival horror da cabeça aos pés. Ângulos de câmera fixos? Confere. Controle de tanque? Sim. Espaço limitado no inventário? Pode apostar. Um mapa estilo Metroidvania, onde você está constantemente coletando chaves para desbloquear áreas que vc já passou antes? Com certeza. Você viu isso em RESIDENT EVIL, viu em SILENT HILL, viu até em VAMPIRE HUNTER D — bem, eu vi em VAMPIRE HUNTER D, porque ninguém mais jogou esse jogo. Mas a questão permanece: as digitais do gênero estão por toda parte aqui.


MAS — e este é um "mas" bem grande — em vez dos seus monstros de sempre como zumbis, vampiros ou funcionários dos Correios de Curitiba... você está enfrentando terroristas. Sim, terroristas armados que sequestram um trem. Sem armas biológicas, sem maldições, sem cidades enevoadas. Apenas bandidos com rifles e um relógio correndo.

E é aqui que fica ainda mais estranho — no bom sentido. Porque a "mansão" neste survival horror não é uma mansão (na verdade não é nem em RESIDENT EVIL, porque levaria varias decadas para RESIDENT EVIL voltar a se passar em uma residencia, mas divago) e sim um enorme trem-bala de alta tecnologia que se estende por vários vagões, cada um atuando como uma sala ou corredor em um jogo de terror tradicional. Narrativamente, este jogo é muito mais próximo de Duro de Matar do que de Resident Evil, e isso por si só lhe dá um toque que o diferencia de seus contemporâneos.

Agora, eu admito — no começo eu estava cético. A ideia de confinar toda a ação aos vagões parecia um pouco... linear demais. O gênero não deveria ser labiríntico e extenso? Mas aqui está o plot twitter: eles fizeram funcionar.


Covert Ops oferece um mapa completo, tão complexo e cuidadosamente projetado quanto qualquer outro dos melhores títulos de survival horror. Você se moverá entre vagões constantemente, revisitando áreas, desbloqueando novos caminhos e lidando com ameaças dinâmicas que evoluem conforme a missão avança. O cenário apertado acaba se tornando um trunfo — cria tensão, urgência e um design de níveis genuinamente inteligente. Navegar pelo trem, voltar, lidar com ameaças em espaços apertados... acabou sendo uma das abordagens mais inovadoras que já vi neste gênero.

A história aqui começa com um supertrem transcontinental chamado Blue Harvest, que foi sequestrado por uma organização terrorista que se autodenomina Cavaleiros do Apocalipse, porque afinal esse é um jogo projetado no final dos anos 90 e nunca se podia ser edgelord o suficiente. Seja como for, as exigências deles era 20 BILHÕES DE DOLARES. Isso mesmo, bilhões, com B. E em troca, eles gentilmente devolverão Pierre Simon, o embaixador francês na Rússia, junto com sua esposa e filha, que eles fizeram reféns.

[HÃ... OLHA, EU ENTENDO QUE TODAS AS VIDAS IMPORTAM E TAL, MAS... VINTE BILHÕES DE DÓLARES? POR UM EMBAIXADOR? QUER DIZER, PARA UM PRESIDENTE ISSO JÁ SERIA FORÇAR A BARRA, MAS PARA UM ÚNICO DIPLOMATA FRANCÊS E SUA FAMÍLIA? ISSO NÃO É MEIO PEDIR DEMAIS]

... ah, e eles também estão ameaçando detonar uma bomba nuclear a bordo do Blue Harvest assim que chegar a Paris se suas exigências não forem atendidas. Você pensaria que essa seria a informação mais importante, certo? Mas não — a maior parte do drama é focada no embaixador e seus entes queridos em prantos. Quer dizer, eu entendo, bombas nucleares em tique-taque simplesmente ficam paradas ali, o que não é exatamente material de Oscar. Uma filha chorando, por outro lado? Muito mais fácil de extrair emoções. Prioridades narrativas, eu acho.


Então a OTAN faz o que sempre faz em videogames: envia uma unidade de forças especiais para salvar o dia. E, como manda o cliché (até porque senão não teria história), a coisa dá terrivelmente errado. A equipe de elite vira paçoca instantes após chegar em cena, emboscada por terroristas que estão inexplicavelmente preparados para absolutamente tudo.

Eis que entra você — o último homem de pé. Tenente Jack Morton. Um único sobrevivente, agora preso a bordo do Blue Harvest em movimento, encarregado de salvar os reféns, neutralizar os Cavaleiros do Apocalipse e impedir que uma bola de fogo nuclear engula Paris por completo. Ainda não sei por que essa última parte não é a prioridade, mas, ei, não sou eu que escreve os briefings de missão da OTAN. 

Para um título da reta final do PS1, Covert Ops é visualmente bem legal. Ele se mantém fiel ao padrão do gênero da época: modelos poligonais de personagens se movendo por fundos em sua maioria pré-renderizados, mas há um cuidado surpreendente com os ambientes. Você encontrará cozinhas desorganizadas, enfermarias esterilizadas, dormitórios apertados e, ocasionalmente, cadáveres jogados por aí para te lembrar que os terroristas pegaram todo mundo de surpresa. Cada vagão do trem tem sua própria identidade visual distinta e, impressionantemente, é bem fácil saber onde você está, mesmo sem precisar olhar o mapa.


... até porque o mapa que você tem na tela não é exatamente uma central de comando tático. É apenas um pequeno retângulo que mostra em qual carro você está e de que lado seu personagem está. Funcional, mas não espere o radar de METAL GEAR SOLID. Ainda assim, cumpre o seu papel.

Quanto aos modelos dos personagens... bem, as texturas são limpas o suficiente e todos se movem de forma tão convincente quanto se poderia esperar de articulações do PS1. O que me incomoda mais não é tanto as limitações do PS1 e sim as escolhas conceituais: Jack Morton se parece com todos os soldados genéricos já criados — se ele entrasse no saguão de um SOCOM, você o perderia de vista imediatamente. Os terroristas são igualmente desinspirados: apenas caras sem rosto, mascarados e com uniforme militar, como NPCs rejeitados de uma demo do Syphon Filter por serem muito chatos. Nada ofensivo, apenas... agressivamente bege.

Agora, falando de violência: vamos falar de sangue. Quando você atira em um inimigo, há respingos de sangue ocasionais. E por "ocasional" quero dizer enormes jatos de jato vermelho vivo que parecem como se alguém tivesse arremessado uma melancia na parede. Eu entendo — se você disparar uma rajada de três tiros de fuzil a queima roupa, claro, você pode esperar um pouco de névoa vermelha. Mas aqui temos tiros do outro lado do carro de 9 mm explodindo como se alguém tivesse disparado um cartucho de espingarda. Tenho quase certeza de que um torso não deveria explodir assim, a menos que você esteja contrabandeando fogos de artifício debaixo do colete.


E as FMVs são o puro suco do que vc poderia esperar da época. A dublagem gloriosamente desafinada — do tipo que não ficaria deslocada em um filme de artes marciais mal dublado da Sessão Kickboxing na Band. O que, pelos padrões do survival horror, é basicamente um rito de passagem. Se suas cutscenes não parecem uma apresentação de PowerPoint narrada por um dublador privado de sono no fuso horário errado, você é mesmo um survival horror?

Tá que a dublagem não é um nível de constrangimento do tipo "Jill Sandwich", infelizmente, mas ainda é bem peculiar. Algumas atuações são aceitáveis, outras parecem ter saído de uma peça de teatro do ensino médio na metade do segundo ato. Por exemplo, o embaixador — Pierre Simon — que, apesar de ser francês, entrega suas falas sem nenhum esforço para soar como tal. Nem mesmo com um sotaque arrastado e cartunesco de Pepe Le Gamba. Ele fala como um corretor de seguros de Chicago. Enquanto isso, Boris Zugoski — nosso vilão russo sem sentimentos — poderia muito bem ser de Nova Jersey, considerando todo o esforço que dedicaram ao seu sotaque. Sério, Lorenzo Lamas em Letal fez uma imitação russa melhor, e isso quer dizer alguma coisa.

A história se desenrola de forma bastante linear, mas não confunda isso com "simples". Você correrá para cima e para baixo ao longo do trem mais vezes do que um garçom no vagão-restaurante, frequentemente voltando para coletar itens importantes ou encontrar certos personagens. Ocasionalmente, sim, você terá que atirar em um ou dois terroristas que cruzarem seu caminho — mas, felizmente, o foco aqui está mais na progressão do mapa do que no combate em si porque, como já estabelecemos, o combate não exatamente brilha em engines de survival horror.


E como bem cabe a um survival horror, você precisa ter cuidado com a forma como administra sua munição. Às vezes, o jogo joga pentes extras em você como a Oprah — "Você ganha uma 9mm! E VOCÊ ganha uma 9mm!" — e outras vezes, é mais difícil do que um pai caloteiro se esquivando da pensão alimentícia. Num minuto você está rico, no outro está vasculhando seu inventário como um guaxinim procurando sobras.

Os puzzles são relativamente simples. Mas, felizmente, assim como os próprios vagões, cada um é visualmente distinto o suficiente para que você dificilmente se esqueça de onde viu aquele encaixe estranho para a crest em forma de estrela ou a válvula estranha que claramente faz algo importante. Claro, uma pergunta melhor seria por que um trem-bala futurista tem uma passagem secreta ativada pela inserção de uma peça de madeira em um mecanismo de fechadura personalizado? Bem, só posso presumir que o arquiteto da Mansão Spencer fez um estágio na Siemens Mobility. Boletos não poupam ninguém, cara.

Mas aqui está a coisa: Covert Ops na verdade tem vários finais. Tipo, cinco ou seis deles, dependendo se você completa ou não certas tarefas ao longo do jogo. Isso pode incluir coisas como preparar corretamente uma bolsa de transfusão de sangue (sem pressão), dar um colete à prova de balas para um personagem secundário, ter o item-chave certo no momento certo ou escolher entre entregar esse item ou jogar duro com os terroristas.


Uma sequência em particular ilustra bem como a narrativa desse jogo é desenhada. Em dado momento, o vilão exige: "Me traga o disco de dados secreto no carro 9, ou o refém morre!". E a partir daí, vc tem algumas opções:

  • Entregar o disco verdadeiro para ele.
  • Recusar, seja porque você está se sentindo malandrão... ou porque nunca encontrou a maldita coisa;
  • Ou, a minha favorita, entregar um disco falso e blefar como se estivesse em um thriller de espionagem... se vc fizer toda uma sidequest para conseguir o disco falso.
Cada escolha leva a um resultado diferente, às vezes de maneiras sutis, às vezes nem um pouco. E essa lógica de ramificação não é apenas superficial — ela realmente muda o desenvolvimento da história ao ponto que o "bad ending" termina tem quase meia hora de conteúdo de gameplay que o "good ending". É facilmente uma das narrativas mais flexíveis e reativas que já vi em um survival horror. Enquanto outros jogos davam a você um final "ruim" ou "bom" dependendo se você perdia uma cena ou usava um item especifico ou não, Covert Ops constrói seus finais com base em consequências reais e lógicas para suas ações. 

Então o resumo da história é que eu entrei nesse jogo esperando o pior. Uma cópia de Duro de Matar de baixo esforço, desajeitadamente socad no formato de survival horror? Mas, contra todas as probabilidades, Covert Ops: Nuclear Dawn me surpreendeu. Ele sabe exatamente onde estão seus pontos fracos (combate, obviamente) e, por isso mesmo, não força a barra com eles. Em vez disso, explora seus pontos fortes — e o faz surpreendentemente bem.

O que temos é um jogo com um design de mapa excelente — sério, fazer um trem em movimento parecer tão navegável e satisfatório não é pouca coisa —, além de uma história surpreendentemente dinâmica e com ramificações orgânicas, e um enredo que cai bem naquele ponto ideal de "divertido e polpudo", como um daqueles thrillers de ação lançados direto em DVD do final dos anos 90. Você conhece o tipo: herói durão, ameaça nuclear, OTAN moralmente ambígua... o pacote completo.

Agora, aqui está a coisa. Eu não gosto do termo "joia escondida". Os YouTubers extraíram todo o significado dele, aplicando-o a qualquer jogo que não seja ativamente ofensivo. Eu entendo o porquê — é difícil conseguir cliques com um título como "Este jogo razoável, mas simplesmente mediano e completamente esquecível de 1999". Então, de repente, tudo o que é remotamente jogável se torna uma "joia escondida".

Mas neste caso, sim... Covert Ops é uma joia escondida. Ele realmente acerta em cheio em várias coisas que títulos de survival horror mais famosos tropeçam feio. É inteligente, tem autoconsciência e realiza muito mais do que qualquer um esperava de um jogo que parece ter nascido à sombra de THE CROW: City of Angels.

De onde você menos espera, geralmente é da onde não sai nada mesmo... mas não desta vez. Em um mundo onde o survival horror girava em torno de zumbis, cidades mal-assombradas e mansões assustadoras... um jogo ousou sair dos trilhos.

MATÉRIA NA AÇÃO GAMES
EDIÇÃO 150 (Abril de 2000)


MATÉRIA NA SUPER GAME POWER
EDIÇÃO 073 (Abril de 2000)


EDIÇÃO 079 (Outubro de 2000)