segunda-feira, 4 de agosto de 2025

[#1522][Dez/1999] VAMPIRE HUNTER D

Se eu te pedisse para imaginar a literatura mais vendida no Japão...

ONE PIECE. OBVIAMENTE, É ONE PIECE.

Bem, sim, é, mas não é exatamente isso que eu ia dizer. O que eu estava perguntando na verdade é: se você tivesse que adivinhar as franquias de livros mais vendidas no Japão...

HARRY POTTER! AGORA EU ACERTEI. TEM QUE SER HARRY POTTER!

... Jorge, você está impossível hoje. Mas tudo bem — você não está realmente errado. A franquia de livros mais vendida no Japão é mesmo Harry Potter. Porque, qualé, você estava lá nos anos 2000 — você, eu, todo mundo e a mãe de todo mundo viu o que aconteceu. Mas ainda não é esse o ponto que estou tentando abordar.

Agora, se a voz imaginária na minha cabeça me deixar terminar, o que eu estou tentando dizer é: quando você pensa nos livros mais vendidos no Japão, provavelmente imagina algo chamativo. Títulos que ganharam adaptações bombásticas para anime, grandes e coloridos títulos de mangá, talvez até um ou dois videogames. Mas aqui está a coisa: isso não poderia estar mais longe da verdade.

Veja, o mercado literário japonês — com exceção das light novels — não costuma andar de mãos dadas com os cantos mais barulhentos e explosivos da cultura pop. Em vez disso, é um mundo imerso em introspecção silenciosa e profundidade psicológica. Pense em Norwegian Wood (ノルウェイの森), de Haruki Murakami, ou Totto-Chan: A Menina na Janela (窓ぎわのトットちゃん), de Tetsuko Kuroyanagi. Obras que convidam você a se ler serenamente, refletir e talvez chorar um pouco em uma tarde chuvosa.

Claro, existem animes que exploram questões sociais ou mergulham em jornadas interiores — mas sejamos honestos: esses não são exatamente os títulos emblemáticos que todos associam a animes. Os grandes e barulhentos animes de caça a monstros e lutas de espadas que ganham brinquedos e vendem lancheiras? É, nem tanto.

E é isso que torna o tópico de hoje tão especial: porque era uma vez uma rara intersecção. Uma encruzilhada gótica, pós-apocalíptica e meio esquecida, onde romances de fantasia sombria se espalharam para os animes — e nos deu algo diferente de tudo. Hoje, vamos falar de Vampire Hunter D.

Capa do primeiro livro, de 1983

Com quase 20 milhões de livros vendidos em 56 volumes ao longo de 42 anos, Vampire Hunter D é uma franquia que se recusa a morrer — trocadilho intencional. Escrita por Hideyuki Kikuchi, a saga nos apresentou ao seu protagonista dhampiro estoico (e 97% do tempo silencioso) em 1983... e ainda não há sinais de que isso vá desacelerar. Em entrevistas, Kikuchi deu a entender que eventualmente imagina um final... algum dia... mas esse dia não chegará tão cedo. E, falando sério, por que chegaria dado o quão bem essa franquia vende regularmente a tanto tempo? 

Mas afinal, o que tem de tão especial nesse belo e taciturno meio-vampiro que o público japonês parece não se cansar jamais?

Bem, para começar, nosso menino bonitão é realmente muito bonito. Digo, absurdamente bonito, porque o ilustrador é ninguém menos que o próprio homem, o mito, a lenda: Yoshitaka Amano. Sim, aquele Amano — você talvez o conheça como o designer de personagens por trás da série Final Fantasy; o mesmo artista cujo trabalho está exposto em galerias ao redor do mundo; O mesmo cara que Neil Gaiman escolheu pessoalmente para ilustrar as capas de Sandman. Como eu disse: não existe nada maior que esse cara quando você pensa em arte japonesa moderna.

Então, sim, a arte nesses livros é absolutamente deslumbrante. Amano é um mestre em design de personagens, e com o ambiente gótico sombrio e pós-apocalíptico que Kikuchi lhe deu, era praticamente um passe livre para dizer: "Go nuts, my man". E nuttado ele foi. O resultado? Um universo tão visualmente rico, estiloso e inconfundivelmente Amano que eleva a história além do horror pulp para algo mais próximo do lovecraftiano.


Mas qual é exatamente o cenário aqui? Bem, é aqui que as coisas, felizmente, ficam mais estranhas ainda. Imagine isso: o futuro muito, muito distante de... 1999 (ei, era um futuro distante para um autor escrevendo em 1983,tá?). Alguém, em algum lugar, finalmente apertou o grande botão vermelho, e a guerra nuclear fez a civilização ir de comes e bebes.

Só que aqui que a coisa passa de apenas mais um cenário de Fallout ou Mad Max para algo muito mais interessante: em vez de saqueadores com equipamento de futebol americano brigando por tampinhas de garrafa, os vampiros que estavam de boa na lagoa em seus castelos góticos por todos esses séculos, coletivamente, disseram: "Bem, a humanidade acabou de se escrever sozinha para fora da história... acho que este é o nosso quintal agora."

Então, o que eles fizeram? Usando um mix de magia, conhecimento antigo e tecnologia perdida absurdamente avançada (pense algo tipo Castlevania), os vampiros reconstruíram a Terra arrasada — não como um mundo humano, mas como sua própria utopia vampírica decadente. Imagine torres de mármore, laboratórios arcanos e feitiçaria coexistindo com biotecnologia futurista.

E por um tempo, funcionou. A civilização deles durou mais do que você esperaria, já que os vampiros são famosos por não suportarem cruzes, luz do sol... mas, principalmente, uns aos outros. Porque se tem uma coisa que os sugadores de sangue odeiam mais do que o amanhecer, são outros sugadores de sangue.


Avançando para o verdadeiro "presente" da história — por volta do ano 12.000 e pouco. A grande sociedade vampírica está em decadência. Em parte porque pararam de gerar novos vampiros (porque gerar um filho da puta que provavelmente vai te esfaquear nas costas é algo que eles não fazem levianamente), e em parte porque a humanidade finalmente se cansou de ser gado. Armados com armas de alta tecnologia e muito rancor, os humanos aprenderam a revidar.

Agora, os poucos Nobres vampiros restantes se refugiaram em castelos em ruínas — meias-ruínas de mármore e sombras, espalhados por uma paisagem moribunda. Eles ainda são perigosos, mas estão sendo caçados implacavelmente por caçadores de vampiros profissionais.

E esse é o tom de Vampire Hunter D: um deserto gótico futurista onde a era de ouro dos salões de mármore vampíricos e bailes decadentes já se foi há muito tempo. Tudo o que resta são fortalezas decadentes repletas de geometria gótica impossível, monstros à espreita e o ocasional lampejo de tecnologia futurista inspirada na art déco ainda zumbindo silenciosamente na poeira.

Assim entra em cena nosso herói: o misterioso mestiço conhecido apenas como D.

Os livros não falam muito sobre o passado de D — principalmente porque ele não fala muito sobre absolutamente nada. Taciturno nem começa a descrever; este é um homem cuja gama emocional inteira parece oscilar entre "friamente indiferente" e "um pouco menos friamente indiferente". Insinua-se que D pode ser o resultado de algum experimento antigo: um dhampir geneticamente aprimorado criado pela genialidade do próprio enigmático Rei Vampiro. Mas nada é explicado em detalhes, e a história se mantém intencionalmente vaga. Até mesmo o Rei Vampiro — às vezes chamado de Ancestral Sagrado — é mais lenda do que personagem: outrora o governante todo-poderoso que fez a sociedade vampírica funcionar, um dia... simplesmente desapareceu.

O que deixou o resto da raça vampírica governando as coisas por conta própria. E, bem, pedir a um bando de vampiros egocêntricos e sedentos por poder que administrem pacificamente uma sociedade complexa é tão eficaz quanto pedir a uma sala cheia de gatos que administre uma barraca de cachorro-quente. Previsivelmente, tudo desmoronou espetacularmente.

Kikuchi disse em entrevistas que o que realmente aconteceu com o Rei Vampiro — e toda a verdade sobre as origens de D — será revelado no arco final que deve encerrar a saga. Algum dia. Talvez. Possivelmente em um futuro distante, quando a própria humanidade for substituída por baratas sencientes que ainda leem Vampire Hunter D porque a série ainda não terminou. 

De toda as referencias aleatórias que você poderia esperar, tem um episódio de Invader Zim que é uma paródia de Vampire Hunter D...

MAS SE OS LIVROS NÃO SÃO REALMENTE SOBRE O PASSADO MISTERIOSO DE D... ENTÃO SOBRE O QUE SÃO? 

Em sua essência, os romances de Vampire Hunter D são road movies envoltos em horror gótico e salpicados de beleza trágica. Pense assim: cada volume é um conto de fadas sombrio, ambientado nas ruínas de um outrora grandioso império vampírico, onde monstros ainda rondam as terras devastadas e castelos antigos jazem em ruínas sob luas vermelho-sangue.

Toda história começa mais ou menos da mesma forma: em algum lugar na amaldiçoada Fronteira, uma vila é atormentada por um vampiro Nobre, ou pior — algum horror mutante criado por bioengenharia  ou um dhampir FDP . Quando a esperança está quase perdida, um cavaleiro solitário surge no horizonte: um homem vestido de preto, com um chapéu enorme que esconde metade do rosto, uma lâmina forjada para matar coisas que não deveriam existir a um preço que ninguém pode realmente pagar... mas que sempre acaba pagando.

Então surge D, sempre com seu cavalo biomecanico, silencioso como um túmulo, cavalga de um lugar para outro — um eterno andarilho. Cada livro o vê assumindo uma nova missão: resgatar uma garota sequestrada por um Nobre; matar um vampiro ancestral que despertou após milênios; ou desenterrar um segredo proibido que até os próprios vampiros temem.


Os enredos podem soar como o clássico terror pulp — e, em muitos aspectos, são —, mas o que os torna especiais é o tom. Tudo transborda melancolia, decadência e tragédia silenciosa. Os outrora grandiosos castelos vampíricos agora são ruínas, mantidas em pé ainda apenas por tecnologia ancestral e orgulho teimoso. A humanidade luta em pequenas aldeias dispersas, sempre vivendo à sombra do que veio antes.

E no centro de tudo está D: belo, frio e aparentemente intocado pelo tempo, vagando pelas terras devastadas por razões que nem ele mesmo consegue compreender completamente. Ele não está realmente tentando salvar o mundo, nem parece gostar tanto dele. No entanto, sempre que o mal ameaça, ele desembainha sua espada sem hesitar.

E sim, ocasionalmente, seu sarcástico companheiro Mão Esquerda — literalmente um rosto falante na palma da mão — intervém com comentários, adicionando uma estranha dinâmica de buddy cop ao dhampir, que, de outra forma, seria quase um filme mudo. Mas até mesmo o humor da Mão Esquerda parece menos um alívio cômico e mais uma camada de tragédia: o eterno andarilho forçado a seguir em frente, nunca completamente sozinho, mas sempre completamente isolado.

Então é disso que a série realmente trata: uma fronteira gótica e decadente da ficção científica, onde horror, beleza e tristeza andam de mãos dadas — e um caçador silencioso condenado a trilhar esse caminho para sempre. Agora, de um ponto de vista ocidental, Vampire Hunter D pode soar como... bem, não é exatamente o que você esperaria de uma série de quatro décadas.

Quase não há construção de mundo no sentido tradicional da palavra. Nenhum grande arco de personagens. Nenhum suspense de roer as unhas. Nada daquela estrutura de "grande revelação" que os leitores de fantasia moderna desejam. Em vez disso, são basicamente 56 episódios de "monstro da semana" ao longo de 42 anos. Cada livro raramente almeja algo mais elevado do que fazer D parecer descolado sem esforço, contando uma historinha triste ambientada em um mundo destruído, adicionando alguns mutantes bizarros com poderes maneiros e finalizando tudo com um toque generoso de violência.

E não me entendam mal: eu li alguns desses livros, e eles são divertidos pelo que pretendem fazer. Mas eu diria honestamente que você precisa ler a série inteira porque há uma narrativa abrangente magistralmente elaborada? De jeito nenhum — tanto porque mais cedo do que tarde começa a ficar mais do mesmo, mas também porque basicamente não tem uma narrativa onde a coisa toda quer chegar.

Mas aqui está a coisa: depois de todas essas decadas mergulhado em mídia japonesa, acho que aprendi uma coisa ou duas sobre como eles pensam. Veja, os leitores japoneses geralmente não anseiam por "para onde a história vai" da mesma forma que nós no Ocidente. Mesmo as franquias que duram decadas aqui como os quadrinhos de Super-Heróis ou Doctor Who estão constantemente se reinventando, pulando e bordando para manter as coisas interessantes e frescas para o leitor. No Japão, isso não é uma necessidade tão preemente porque nem sempre é sobre os grandes temas, do encerramento narrativo ou da visão artística do autor. O que eles valorizam mais do que imaginamos é a sensação de conforto e familiaridade.

É como reencontrar um velho amigo que você vê uma vez por ano: você não espera que ele mude completamente e, honestamente, ficaria desapontado se ele mudasse. Você lê ou assiste porque se sente em casa, não porque está esperando a próxima reviravolta chocante.

É por isso que o Japão é tão tolerante — até mesmo carinhoso — com animes e jogos fillers. Franquias inteiras existem quase que inteiramente em torno de "fillers" que oferecem exatamente o que os fãs querem: algo fofo, algo familiar. Basta olhar para séries como Hyperdimension Neptunia ou Senran Kagura: é menos sobre coerência na trama e mais sobre dar aos fãs a experiência que eles esperam.


E é por isso que algumas das franquias literarias séries mais longas do mundo tendem a vir do Japão. Guin Saga existe desde 1979. Golgo 13 é um manga que existe desde 1968 (e como eu disse, diferente dos quadrinhos ocidentais como Superman e Batman, não se reinventa de tempos em tempos e continua hoje basicamente a mesma coisa que era nos anos 60). Vampire Hunter D ainda está firme e forte depois de quatro décadas. Eles são confortáveis. São familiares. E entregam uma versão consistentemente bem-feita do que se propõe a fazer — nada mais, nada menos.

Então, sim — Vampire Hunter D pode não ser um épico com enredo bem definido ou uma obra-prima narrativa moderna. Mas é algo mais: uma jornada melancólica e sem fim por uma paisagem gótica e pós-apocalíptica que é estranhamente reconfortante em sua consistência. E, às vezes, é exatamente isso que a torna especial.

E se você realmente quiser ver o que funciona melhor nesta série — sem ler dezenas de romances de monstros da semana —, há uma porta de entrada perfeita: "Vampire Hunter D: Bloodlust".


Lançado em 2000, produzido por ninguém que a fodenda MadHouse e dirigido por Yoshiaki Kawajiri (sim, aquele Kawajiri — o mesmo gênio louco por trás de Ninja Scroll), Bloodlust é praticamente Vampire Hunter D destilado em sua forma mais pura e descolada. Você encontra o anti-herói errante e silencioso; as ruínas góticas decadentes contrastando com flashes de tecnologia futurista; e, claro, os designs de personagens incrivelmente belos inspirados na arte de Amano.

É uma história que, como os livros, não pretende ser nada mais complicado do que uma perseguição melancólica e condenada: D é contratado para rastrear uma garota humana sequestrada por um vampiro Nobre e, ao longo do caminho, ele elimina mutantes, caçadores rivais e horrores ancestrais com a mesma elegância fria que o torna tão fascinante nas páginas.

Mas o que torna Bloodlust especial não é o enredo, é o tom: a melancolia gótica arrebatadora e atmosférica; amores fadados ao fracasso, a beleza trágica de monstros condenados por sua própria natureza; e aquela estranha mistura de tecnologia futurista e mármore em ruínas que de alguma forma funciona. Bloodlust demonstra por que a série perdurou por quatro décadas, apesar de nunca ter tido um "grande enredo". Porque, em sua essência, Vampire Hunter D não é sobre o que acontece a seguir — é sobre a estrada solitária e sem fim, as histórias tristes espalhadas ao longo do caminho e a figura silenciosa e trágica que nunca pertence a lugar nenhum, mas continua seguindo em frente.

Claro, Bloodlust não foi a primeira vez que D apareceu na tela. Em 1985, houve o filme original Vampire Hunter D — um dos primeiros exemplos do agora lendário formato OVA (Original Video Animation). Para a época, era uma ideia sem precedentes: lançar um filme não na televisão ou no cinema, mas discretamente em fitas de vídeo cassete.

E, bem... digamos que funciona muito menos. Em vez de se inclinar para a melancolia gótica silenciosa da série, a série tenta desajeitadamente encaixar D em algo mais próximo de um herói shonen: mais mais explicações sobre golpes e tecnicas, niveis de poder e um tom geral que parece preso em algum lugar entre o terror e a aventura exagerada.

É lembrado hoje menos por ser um ótimo filme e mais por ter ajudado a impulsionar o boom dos OVAs — aquelas gloriosas fitas VHS que não precisavam obedecer às rígidas regras de censura da TV. O que, sim, significava que eles podiam alegremente incluir mais sangue, mais gore, uns peitinhos aqui e ali, além de calcinhas a mostra como se não houvesse amanhã.


Historicamente importante? Com certeza. Mas, artisticamente, é um artefato estranho: uma adaptação que nunca captura exatamente o que torna os romances interessantes e, em vez disso, entrega uma espécie de curiosidade pulp escabrosa. Divertido, talvez — mas sem a elegância fria e trágica que Bloodlust acerta em cheio.

Então, se você está curioso para saber por que Vampire Hunter D perdurou, assista Bloodlust. Se você está curioso para saber como era a industria de anime quando percebeu pela primeira vez que "Ei, podemos colocar qualquer coisa numa fita sem precisar seguir a classificação de censura da TV", então sim, o filme de 1985 também vale a pena conferir — mesmo que seja apenas como uma relíquia de uma época mais selvagem e sangrenta.

E, já que estamos vasculhando o armário multimídia empoeirado de Vampire Hunter D... não podemos esquecer o jogo de PS1.


Lançado em 1999, este curioso artefato foi desenvolvido pela Victor Interactive — a mesma equipe mais conhecida por, uh... portar HARVEST MOON, eu acho? Sim. Uma equipe inexperiente cuja fama se devia à tradução de simuladores de fazenda de ritmo lento, de repente incumbida de criar um jogo de survival horror estiloso, gótico e com combate intenso. E o resultado é exatamente o que você esperaria.

Verdade seja dita, ao menos o jogo tentou ser ambicioso: um híbrido de exploração e controles de tanques no estilo RESIDENT EVIL, misturados com combate hack'n slash em tempo real para que você pudesse se sentir como D destruindo mutantes bizarros. Mas a ambição colidiu de frente com limitações técnicas, design desajeitado e uma equipe ainda tentando descobrir como tornar o combate agradável em um controle de PS1.

Os ambientes pareciam sombrios o suficiente, e as cutscenes se esforçaram para transmitir aquela atmosfera gótica de Bloodlust... mas o jogo em si acaba marcando mais pela hit detection absolutamente não intuitiva e ângulos de câmera lutando contra você com mais força do que qualquer chefe vampiro.


Porque fazer um hack'n slash dentro de uma estrutura de survival horror com câmeras fixas é uma daquelas escolhas de design que já não parecem incríveis no papel (eu não conheço ninguém que acha que a parte mais divertida de RESIDENT EVIL é tentar acertar as coisas na faca) e se transformam em um pequeno pesadelo na prática. Kudos onde kudos são devidos, ao menos eles, de alguma forma, não produziram um desastre completo como THE CROW: City of Angels. A melhor coisa que pode ser dita sobre esse jogo é que podia ter sido bem pior, ao menos isso.

Mas os problemas começam no momento em que você realmente joga. Só de mover D já é um desafio. Sério, D se move com tão pouca precisão esse é o primeiro jogo 3D que eu lembro de ter dificuldade em parar em frente a uma porta pra abrir ela, normalmente ele passa ou bate na parede. Eu já joguei mais survival horrors com controles de tanque do que a maioria das pessoas saberia nomear que existem e ainda sim meu boneco ficava girando no mesmo lugar como um Roomba da Shopee.

O combate parece flutuante e desajeitado, com golpes de espada que não conectam de forma satisfatória e uma IA inimiga que é estúpida ou irritantemente mesquinha. Às vezes, sua área de colisão parece ter vinda de um jogo completamente diferente, e se vc vai conseguir passar pelo lado dos bichos (já que vc não ganha nada por matar eles e eles sempre respawnam quando vc entra na sala) ou enroscar neles é algo que apenas a sorte pode dizer.

Para não dizer que o jogo não faz nada NADA de bom, o level design da mansão que você roda pra lá e pra cá (ou castelo de 4 andares, no caso) é decente. Não é nada que se diga "minha noooossa, a Capcom tem que se borrar de medo com essa concorrencia!", mas é um survival horror digno de uma prateleira B como COUNTDOWN VAMPIRES.

No fim das contas, é uma relíquia fascinante: um jogo em que você consegue ver a ambição transparecendo, mas também um em que parar para abrir uma porta é genuinamente mais difícil do que lutar contra um vampiro. Não é exatamente um desastre, mas também não é nada bom. Apenas mais uma peça curiosa e imperfeita do longo e estranhamente resiliente legado de Vampire Hunter D.

E assim, depois de quatro décadas, 56 livros, dois filmes completamente diferentes e um jogo de PS1 desajeitado, mas estranhamente cativante... o que exatamente mantém Vampire Hunter D vivo?

E embora Vampire Hunter D possa não ser um nome familiar no Ocidente, sua influência é mais profunda do que as pessoas imaginam. 

No fim das contas, Vampire Hunter D é reconfortante em sua constância. Como uma balada triste que você já ouviu centenas de vezes, ela não muda muito — e é exatamente por isso que as pessoas continuam voltando. É lindo, trágico e estranhamente atemporal: a eterna jornada de um meio-vampiro por um mundo moribundo, eternamente assombrado, eternamente caçando e eternamente descolado daquele jeito impossivelmente distante.

E talvez seja por isso que, mesmo depois de quarenta e poucos anos, ainda esteja aqui — e provavelmente continuará por muito tempo depois que nós já tivermos partido.

MATÉRIA NA AÇÃO GAMES
EDIÇÃO 149 (Março de 2000)


MATÉRIA NA GAMERS
EDIÇÃO 057 (Março de 2000 - Semana 3)