terça-feira, 28 de julho de 2020

[AÇÃO GAMES 051] SOLDIERS OF FORTUNE (SNES e Mega Drive, 1993)[#451]



Em junho de 1887, o impensável aconteceu: foi concluída com sucesso a primeira viagem no tempo da história da humanidade. Bem, "sucesso" é uma palavra forte já que o viajante do tempo em questão não sobreviveu ao procedimento então menos yay, mas ainda mais yay do que tinhamos no começo.

Isso por si só já seria um feito extraordinário, não fosse que esse é apenas o começo da nossa história. Isso porque os destroços desse viajante do tempo pouco sucedido foram encontrados por ninguém menos que um cientista da época, o Barão Fortesqué.

O Barão consegue fazer engenharia reversa no equipamento de viagem no tempo, e isso o permite criar tecnologias que estão muito além do seu tempo. Diante de tecnologia (literalmente) séculos a frente do seu tempo, o Barão se torna o homem mais poderoso da Inglaterra e em breve, do mundo. E é justamente neste afã de poder, glória e banheiras de nutella nunca antes imaginadas que ele realiza sua mais fabulosa invenção: uma máquina capaz de modificar o próprio tempo e o espaço, para não dizer alterar a realidade. A Chaos Engine (que é o nome original do jogo).


Na abertura vemos o Barão prestes a cometer um dos  maiores crimes contra a humanidade: filmou na vertical
Essa é a boa noticia. A má noticia é que a máquina se torna senciente e como isso é um jogo, é claro que deu merda. A Chaos Engine não apenas decide que vai dominar a porra toda, mas começa absorvendo a única pessoa que poderia para-la: seu criador. O Barão Fortesqué é absorvido por sua criação e agora a Máquina do Chaos segue tocando terror modificando a realidade para transformar as pessoas em monstros e misturar diferentes eras históricas apenas porque ela pode. Tipo a gemea maligna da TARDIS.

Que bela alhada nos metemos, pois não?



Esse não é o fim da história, entretanto, já que seis soldados do destino (o que é uma forma chique de dizer que são mercenários) partem em direção ao coração da Inglaterra para deter a Chaos Engine antes que seja tarde demais. Como nenhuma das realidades criadas pela Chaos Engine realmente envolve cyberwaifuscatmaidlolis, eu diria que já é tarde demais de qualquer jeito. Eu também gostaria de reparar como, apesar do mundo estar acabando, apenas seis pessoas se voluntariaram para ir lá e resolver a bagaça. Se alguma coisa, eu aplaudo esse jogo pelo seu realismo ao retratar a essencia humana.

Como dá pra ver, Soldiers of Fortune (como é o nome no SNES) ou The Chaos Engine (como é o nome no original) não tem uma história desprezível. Eu diria até que é bastante boa, eu totalmente vejo um episódio de Doctor Who disso. O que não é tão estranho assim, afinal esse jogo foi feito por uma desenvolvedora britanica e é claro que todo britanico é legalmente obrigado a ser familiarizado com Doctor Who. É a lei.

Mas... espera... desenvolvedora britanica no começo dos anos 90? E essa versão de SNES é um port... mas então para qual sistema é o jogo original? Porque os videogames que eram populares na Europa nessa época eram o Master System e ... oh, não, não tudo menos isso, isso não, não, naaaaaaaaaaoooooooo!!!!



Bem, sim, é mais um jogo da oitava praga de Deus contra os egipcios: o AMIGA. A boa noticia é que esse não é um jogo de plataforma, então dá para ter alguma esperança aqui. Veja, o Amiga era um computador voltado para games com especificações até decentes para a época que foi lançado, mas sua arquitetura de programação não trabalhava bem com rolagem de tela então esse é um dos motivos pelos quais jogos de plataforma do Amiga são tão ruins: o aparelho foi feito para trabalhar com jogos de telas paradas. E claro, a falta de decencia humana dos seus programadores pode ter algo haver com isso também.

Nos outros generos de jogos o Amiga não era TÃO hediondo quanto era nos de plataforma, só que infelizmente apenas jogos de plataforma eram portados para os videogames decentes da época... ou para o vidoegame decente da época e para o Mega Drive, mais precisamente.

Mas se Soldiers of Fortune não é um jogo de plataforma, então que tipo de jogo ele é?



Ele é de um genero relativamente raro nessa época: um top down shooter, não muito diferente de SMASH TVZOMBIES ATE MY NEIGHBORS ou POCKY & ROCKY. Não é exatamente o meu genero de jogo favorito porque ele basicamente está a apenas um passo de ser um shmup e eu abomino jogos de navinha. De qualquer forma, a gente trabalha com o que a casa oferece...

Mas então, o que é um Top Down Shooter? Para surpresa de todos, é exatamente o que o nome sugere: um jogo de tiro com visão de cima. Você vira seu bonequinho para os lados e tenta sobreviver a saraivada de tiros que aparecem. E... é basicamente isso. Não tem muito mais que isso realmente, e esse é um dos motivos eu não ter lá grandes amores por esse genero.


A boa notícia é que a Bitmap Brothers estava plenamente ciente das limiações do genero e saiu do seu caminho para dar mais variedade a esse jogo, torna-lo mais interessante do que ele poderia ser. Daí vem a principal feature do jogo, que é contar com seis personagens diferentes. Mas diferente em que sentido?
   
De inicio parece haver três tipos de personagens: dois personagens lentos e fortes, com muitos pontos de vida e baixa IA (se um deles for um jogador de computador); os personagens médios sem forças ou fraquezas notaveis e, finalmente, os personagens rápidos com baixos pontos de vida e inteligência artificial muito inteligente. Todos os personagens também possuem habilidades especiais que podem ser usadas, os personagens mais lentos têm apenas dois slots especiais, os médios recebem três, enquanto os personagens rápidos podem ter até quatro poderes especiais no final do jogo.

Só que é mais profundo que isso realmente, já que cada personagem tem um custo para ser contratado. Isso faz diferença porque o que sobra é transformado em pontos para comprar atributos aos personagens, dando uma vantagem adicional aos personagens menos poderosos em termos de força bruta.



Sim, atributos porque a cada duas fases os dinheiros que você coleta são utilizados para comprar atributos sendo eles:

HEALTH: É a sua barra de vida, obviamente;
SPEED: É a velocidade que seu personagem se move na tela;
WISDOM: Jogando sozinho, o computador sempre controla um segundo personagem. Wisdom é a IA desse personagem, quanto maior melhor esse personagem joga. Esse atributo não tem proposito jogando com dois personagens, mas ainda sim eu achei uma sacada bastante interessante e realmente gostaria que mais jogos tivessem essa função. Então donuts para os rapazes, realmente.
SKILL: Esse é o atributo mais tricky: mesmo que você tenha um caminhão de dinheiro você não pode dar all-in em um atributo e sair pra gandaia, não. Existe um limite do quanto você pode comprar de cada atributo, e para aumentar esse limite é onde entra a skill. Essa realmente foi uma boa sacada para evitar que o jogo quebre e ele se torne fácil demais já que health é o atributo mais importante.

Com dinheiro ainda você pode comprar vidas extras, aumentar o dano da sua arma, reabastecer sua habilidade especial ou mesmo comprar novas desde que você ache o item correspondente na fase e tenha slots no seu personagem para isso.



Isso por si só já colocaria esse jogo bastante a frente dos pares de sua época, porém isso não é tudo! Isso porque não apenas os personagens podem ser evoluídos diferente dependendo do que você compra, como eles são fundamentalmente diferentes entre si no sentido que varia não apenas quais habilidades especiais eles começam (ou mesmo quais eles podem comprar, as opções de compra são pre-definidas para cada personagem) como mesmo o tipo do seu tiro padrão.

O Gentleman, por exemplo, começa com uma das habilidades mais bosta (o mapa, que não é realmente útil nesse jogo), mas em compensação seu tiro atravessa monstros. Já o Navvie tem uma frequencia de tiro muito menor, mas em compensação seus tiros tem sprites mais largos e pegam mais coisa na tela.


Eu tenho que admitir que é um nível de complexidade e variedade que eu realmente não esperava em um jogo da época, muito menos em um jogo de *cospe no chão* Amiga! Jogos da época até tinham personagens com atributos quase imperceptivelmente diferentes como SUNSETRIDERS ou TEENAGE MUTANT NINJA TURTLES IV: TURTLES IN TIME, mas isso são gerações inteiras menos de esforço do que a Bitmap Brothers colocou planejando os personagens desse jogo.

Uma estratégia que pode ser feita, por exemplo, é Minha escolher um tanque poderoso como o Mercenary e dar à CPU um personagem inteligente como o Gentleman ou o Scientist (que começam com Wisdom maior). Eles têm baixa constituição e podem morrer rapidamente, mas eles tomam melhores decisões e podem ganhar mais dinheiro para você desde que não precisem estar na linha de frente.



E toda essa complexidade sutil e você ainda nem começou o jogo! Ok, tá tudo muito bom e tudo muito bonito, mas nada disso adianta muita coisa realmente se o jogo não for bom de se jogar afinal de boas intenções... E como é esse jogo de se jogar, ele faz jus a todo esforço que foi colocado no setup?

Então...


O objetivo de cada fase é, claro, chegar ao fim, mas não antes de ativar vários pilares que destrancam passagens para chegar a outras áreas. Eles não são escondidos de maneira inteligente nem nada do tipo, mas provavelmente você estará muito ocupado em sobreviver a onda de monstros que chega até você para ter muito tempo para explorar de qualquer maneira.

Os problemas começam quando você percebe o quão pouco polido é esse jogo, e é aqui que o lado Amiga mostra suas cores. O contador de nodes que faltam para terminar a fase frequentemente falha e o numero não atualiza ou apenas dá um número aleatório, mas o pior mesmo é que frequentemente o jogo falha em mostrar marcadores visuais para checkpoints e as coisas que são destrancadas pelas chaves.

É uma coisa muito frustrante em um jogo você pegar uma chave, isso abrir uma porta em algum lugar e você não ter a menor ideia do que mudou - isso é se mudou alguma coisa realmente. Basicamente é PRINCE OF PERSIA 2: The Shadow and the Flame  tudo de novo, só que com ondas e ondas de inimigos sendo jogados na sua cara.


A coisa dos checkpoints é menos incomoda a um nível prático, mas passa muito a sensação de você estar jogando um jogo amador e inacabado - daí o conceito de um jogo ser bem polido, passar uma experiencia top que é algo feito por profissionais faz toda diferença para a experiencia final do usuário.

Isso seria toleravel em um jogo de outra forma agradavel de ser jogado, mas esse não é o caso aqui e o grande vilão dessa história é um velho inimigo desse genero em geral: a dificuldade.

Os comandos que você tem nesse jogo são um botão de tiro e um botão de habilidade especial (B e Y, respectivamente). Os botões L e R rotacionam seu personagem, o que teoricamente ajudaria a mirarna diagonal, mas você simplesmente jamais usa isso porque os inimigos comuns se movem rápido demais. Quando um jogo tem quatro botões e METADE você não usa, algo errado não está certo aí.



Essa característica se nota bastante quando durante o jogo todo você tem a sensação de estar jogando um arcade que foi projetado para come a maior quantidade de fichas no menor tempo possível. O que pode funcionar em um arcade, mas quando você paga sessenta Donalds por um cartucho isso funciona... menos bem. Para dizer o minimo.

E o problema não é apenas que o jogo usa dificuldade de uma forma barata, mas também que a dificuldade aumenta muito cedo. São apenas cinco mundos, cada um com quatro níveis individuais, mas após o primeiro mundo os inimigos começam a te matar com apenas dois tiros se você estiver com a vida cheia, ou dão hitkill se encostarem em você. Essa coisa de você morrer quando qualquer coisa encosta em você, independente da sua barra de vida, é em particular de um nível de filhadaputagem indescrítivel. Porque é claro que eles correm pra cima de você como se fosse um bulldogue francês anunciando que tava na hora de matar a fomê, e é claro que o seu tiro não é forte o suficiente para evitar isso.

Mesmo depois de aumentar o dano da sua arma e sua barra de vida com o dinheiro que vc adquire no Mundo 1, inimigos comuns no próximo estágio te vaporizam tão logo entram na tela. Isso quando eles apenas não spawnam diretamente em cima de você porque foda-se você, apenas por isso.



Apenas para provar seu ponto de filhadaputice amiguistico, sua vida não é reabastecida quando você completa uma fase, e você precisa comprar energia por 75 moedas. Oh, não que isso reabasteça seu HP, apenas enche UMA barrinha do seu HP!

Então, se você completar a fase com apenas uma energia sobrando e ganhar 800 moedas nessas duas fases antes da loja, e precisar preencher 8 marcadores, custará 600 para preencher sua barra de vida ao máximo, te deixando com dinheiro suficiente para no máximo uma outra atualização !!!

Ou seja: todo sistema de upgrade e comprar skills é muito bonito na teoria, mas na pratica você vai gastar todo seu dinheiro em apenas ficar vivo. De que adianta então?

O cenário mais provavel nesse jogo é que você vai perder uma vida por inimigo no jogo, não é realmente nenhum exagero nisso! Aí é dificil se divertir, né amicci? Mesmo que os checkpoints (invisiveis) sejam mais frequentes do que era comum na época... AH COME FUCKING ON!

AP 


Enquanto SoF é muito melhor do que você poderia esperar para um jogo de Amiga, e claramente algum esforço foi colocado na preparação do jogo, devo dizer que a experiencia não funciona tão bem quanto poderia ter sido.

O aumento de atributos é um toque agradável, mas eu não sinto que tenha funcionado por conta de todo o resto do jogo. De qualquer forma, foi a primeira vez que vi algo assim em um não-RPG. Os seis personagens jogáveis parecem diferentes entre si e o toque da IA ser o segundo jogador é um toque legal. Em um jogo que funcionasse redondinho, teriam sido coisas realmente grandes.

A lição de hoje é que no fim você pode tirar um jogo do Amiga, mas não pode tirar o Amiga do jogo!