domingo, 3 de janeiro de 2021

[MEGA DRIVE] TURMA DA MONICA NA TERRA DOS MONSTROS (ou Wonder Boy in Monster World, nos EUA e Wonderboy V no Japão) [Agosto de 1994][#604]


Em setembro de 1994 a quarta geração de consoles já havia passado da juventude e começava a sentir os primeiros sinais da idade chegando. Todos os amigos da faculdade tinham se mudado ou estavam ocupados demais com suas vidas, subir um lance de escadas tirava mais folego do que costumava tirar e os jovens de hoje em dia parecem cada dia mais barulhentos. E também algumas franquias que existem desde, bem, o inicio dos videogames modernos começaram a ter sua última edição, como é o caso de Wonder Boy.

Agora, Wonder Boy é um caso particularmente interessante porque é um jogo intimamente associado a própria essencia da Sega e reflete tudo que essa empresa foi - no seu melhor, e no seu pior. 

Em um raro acontecimento, a capa americana não é um homão sarado besuntado no suor dos seus músculos e sim algo semelhante ao personagem original. Embora em uma tentativa de deixa-lo "mais maneiro e cool", seus tenis estão desamarrados

Wonder Boy nasceu como um jogo de arcade publicado pela Sega e desenvolvido pela Escape em 1986. A coisa particularmente interessante desse jogo é que esse foi uma das primeiras segadas históricas que viriam a marcar a longa carreira de palmfaces da empresa: a Sega adquiriu os direitos do personagem Wonder Boy para si... só que esqueceu de registrar o jogo também.

Então a Escape apenas mudou o personagem principal e lançou o jogo que a Sega bancou para o console da concorrente, onde foi um grande sucesso sob o nome de ADVENTURE ISLAND. Segada clássica, eu te disse.

E, como de costume, a capa japonesa não tem medo de ser kawaii

Mas se o primeiro jogo reflete os níveis de patetice que a Sega era capaz de atingir, o segundo jogo do Menino Maravilha é um simbolo do que a Sega tinha de melhor em "Wonder Boy in Monster Land". Ao menos no Brasil, isso é. Porque a Tec Toy - a distribuidora dos produtos da Sega no Brasil - teve uma ideia assaz genial: vamos pegar esse jogo random aí e transforma-lo em ... um jogo da Turma da Monica!

Assim a Tec Toy mudou os sprites do jogo e traduziu o texto para lançar MONICA NO CASTELO DO DRAGÃO. O que foi uma sacada realmente legal e um dos raros pontos positivos de ter um Master System. Bem, ao menos na teoria porque na prática infelizmente esse jogo não é muito bom.


Infelizmente a série Wonder Boy não tem relação com a música do Tenacious D, mas isso não me impediu de ficar ouvindo na cabeça em loop enquanto jogava

Ele é um action RPG onde comprar itens para subir seus atributos de ataque e defesa é muito importante, só que você não ganha moedas por grindar. Os inimigos só dão moedas na primeira vez que você os mata. Para além disso, o que é necessário, para conseguir moedas você tem que passar em pixels especificos do cenário (enfase no especifico aqui) para ganhar moedinhas e sacos de dinheiro. O problema é que os itens vão ficando exponencialmente mais caros a medida que o jogo avança e você é obrigado a comprar todos (se você não comprar o Escudo II, o Escudo III nunca vai aparecer em nenhuma loja). Isso significa que se você passar por algumas moedas escondidas pode RECOMEÇAR O JOGO. Não tem como vencer. Isso é tão divertido quanto soa.

A partir daí a Tec Toy decidiu que Wonder Boy seriam os jogos da Monica no Brasil e assim foi feito. O terceiro jogo do menino maravilhoooooooso que sai tabelando, tocando, "Wonder Boy III: The Dragon's Trap" virou "TURMA DA MONICA em O RESGATE"

Os anos 90 não seriam anos 90 se a Tec Toy também não tivesse lançado um "Master System Girl", que vinha com "SONIC THE HEDGEHOG" e "TURMA DA MONICA em O RESGATE"... só que rosa. "Porque rosa é coisa de menininha", anos 90 in a nutshell

A história do menino maravilha 3 é interessante: ele começa exatamente na batalha final do jogo anterior, que você revive e mostra que ao derrotar o Dragão nosso boy magia foi amaldiçoado e transformado em monstro. Agora você precisa quebrar a maldição (usando outras formas de monstros, que dão habilidades diferentes) para voltar a ser o menino maravilhoso. Na versão brasileira, Monica é raptada ao derrotar o boss na batalha final e agora a turminha do bairro do limoeiro tem que se teleportar para a terra dos monstros para salvar a personagem-título da franquia. Porém a máquina que o Franjinha inventou para fazer isso só permite uma pessoa de cada vez, e é por isso que você alterna os personagens (enquanto no original você adquire novas formas de monstro).

Essa história é contada numa HQzinha que vem no manual e eu achei uma boa sacada. O jogo, entretanto, eu não definiria com essas palavras. O jogo continua sendo um action RPG e a coisa de farmar itens foi resolvida... porém um problema pior ainda surgiu porque o jogo não é mais linear - não existe mais "passar para a próxima fase", agora ele é um metroidvania em que você precisa de power ups especificos para atingir certas partes do jogo e o problema é que o que você precisa conseguir é absurdamente criptico ao ponto que não tem como jogar esse jogo sem um detonado.

E é claro que a página oficial da Sega tem um Master System waifu, é óbvio que ia ter uma Master System-chan como não...

Por exemplo, para entrar na última dungeon do jogo, você precisa da espada mágica que transforma estrelas em blocos. O problema é que você não sabe que isso existe, jogando tudo que você vai encontrar é uma tela que é um beco sem saída cheio de estrelinhas. Você só dá de ombros e diz "hã", e é isso. Mesmo quando você encontra a espada mágica, nada diz que ela transforma estrelas em blocos e em nenhum outro momento do jogo ela faz isso. Então você tem que deduzir da bunda que naquela sala em especifica você tem que equipar um item especifico que vai ter uma habilidade que não tem em nenhum outro momento do jogo. Agora imagine o jogo inteiro assim. 

Pois é.

A boa notícia é que para o quarto jogo da série, "Wonder Boy in Monster World", o primeiro para Mega Drive, esse problema foi resolvido e o que você tem que fazer não é tão criptico assim. Não é algo que se diga "minha nooooossa, é um SUPER METROID esse jogo", mas com um pouco de paciencia e exploração você meio que se vira com qual item é necessário para chegar em determinado lugar. Além disso, por ser o primeiro Wonder Boy para Mega Drive ele é consideravelmente mais bonito que seus antepassados para Master System, o que torna essa a rendição mais agradável de se jogar das três lançadas para consoles domésticos da Sega. Tanto que esse jogo é a inspiração direta para A Lenda do Herói.


Ao menos a versão original é, a versão brasileira "Turma da Monica na Terra dos Monstros" é um pouco mais .... problemática. Para começar, foi a primeira vez que a Tec Toy reprogramou um jogo de Mega Drive e isso aparece bastante nos gráficos já que ele parece mais com um jogo de Master System e não com a fofureza do original. 


Mas o principal problema nem é esse realmente, e sim que a adaptação meio que cobriu pistas importantes do que fazer. Por exemplo, o item que permite o Wonder Boy mergulhar - e por consequencia explorar as partes subaquaticas - é o Tridente de Poseidon, sendo que ao equipa-lo seu personagem visualmente fica com um tridente na mão. Ok, isso faz sentido visualmente.

Na versão brasileira o personagem não muda de arma quando equipa uma nova, são sempre o coelho sansão só com nomes diferentes. Assim o "Tridente de Poseidon" virou "coelho mar" e boa sorte descobrindo que agora dá pra mergulhar se equipar essa arma - eu literalmente descobri na sorte, porque ela sequer é a melhor arma e você não tem motivos para equipa-la atributo-wise. Em vários momentos assim a adaptação passa por cima do original e torna o jogo mais abstrato do que ele deveria ser.

Além do que é um downgrade no visual do jogo mudar de cada arma equipada ser diferente no personagem para todas serem sempre o Sansão.



Deixando isso de lado, Wonder Boy é basicamente sobre grindar dinheiro, comprar itens, pular plataformas flutuantes e atacar com um botão. Vá de cidade em cidade, vencendo a masmorra correspondente com a ajuda de um aldeão, encontrando um item, comprando novo equipamento e expandindo sua contagem de corações. A variedade de equipamento é limitada - você tem duas classes de armas (espadas e lanças, ou coelho que bate pra frente e coelho que bate verticalmente na versão brasileira), escudos, várias botas que afetam suas habilidades de salto e velocidade e uma gama de magias que você pode usar poucas vezes antes de ter que descansar no inn. Por outro lado os colecionaveis secretos - especialmente os corações para energia extra, ao estilo Legend of Zelda - são um toque legal que recompensa a exploração.

Enfim, um jogo funcional no que se propõe a fazer, enquanto não tem nenhum grande e épico momento, ao menos não repete as falhas de seus antecessores e tudo funciona redondinho. Bem, não 100% redondinho porque senão esse jogo seria excelente e ele é apenas bom, e de fato tem algumas coisas que eu melhoraria como os inimigos droparem itens de cura (eles até dropam, mas uma vez na vida e outra na morte) e definitivamente fazer um boss rush de enfrentar todos os chefes de novo na ultima fase não é algo que eu colocaria em um jogo excelente (ok, exceto Mega Man).

Não que seja importante a história, mas os textos da versão brasileira são inconsistenes. Tem hora que parece que os personagens não se conhecem na histórinha de fantasia, outra hora são os personagens são eles mesmos. 

Ainda sim, mantenho que é um jogo bastante okay, e considerando que eu sou um grande fã de metroidvanias, "apenas okay" é bem pouco. Tanto que a Ação Games prometeu  um detonado do jogo "nas próximas edições" e simplesmente nunca mais tocou no assunto.

MATÉRIA NA AÇÃO GAMES
Edição 067