domingo, 15 de agosto de 2021

[3DO] IRON ANGEL OF THE APOCALYPSE (Abril de 1994) [#745]


Sabe, olhando de fora pode parecer que eu tenho alguma coisa contra o 3DO, mas isso absolutamente não é verdade. Com efeito, meus sentimentos a respeito do 3DO são bastante simples:


Eu não odeio o 3DO porque em 99,997% da minha vida eu sequer lembro que ele existiu. Porém vou dizer uma coisa a vocês: a esse ponto eu realmente já estou torcendo pelos caras para que eles consigam emplacar ao menos um, eu digo apenas UM jogo exclusivo foda, só um. Pq senão eu terei que dizer que o 3DO é o pior console de todos os tempos, e ficar atrás do Jaguar (que em todos seus defeitos pelo menos tem ALIEN VS PREDATOR) é a coisa mais triste que se pode imaginar. Bem, não tanto quanto um doguinho esperando na chuva, mas ainda sim bastante triste.

E sabe o que é pior? A esse ponto dá pra dizer que os caras estão realmente tentando, de verdade. O 3DO meio que já passou do ponto de "enche essa porra de minigame só pra dizer que tem alguma coisa" e eles estão tentando de verdade fazer jogos bons. Apenas que sempre ALGUMA COISA dá errado, mas sempre mesmo. As vezes o jogo bate na trave como GEX, as vezes apenas a tecnologia não estava lá pra fazer o jogo que eles imaginaram em primeiro lugar como em IMMERCENARY... mas na maior parte do tempo é apenas falta de talento bruto mesmo para ser algo maior.

E esse jogo aqui definitivamente é um desses casos.

A capa japonesa do jogo é... algo. Definitivamente algo.

Tetsujin: Iron Angel of the Apocalypse é um jogo desenvolvido pela Synergy Inc, que se descreve na caixa como um "Action Role-Playing Movie". O que isso significa exatamente é algo para os historiadores que escavarem os escombros da nossa civilização debaterem, mas meu palpite é que quem estava digitando o texto da caixa do jogo teve um AVC e o autocompletar do editor de texto foi jogando palavras enquanto o autor passava mal no teclado. Me parece a abordagem mais realista, porque esse jogo é basicamente um dungeon crawler de tiro em primeira pessoa, onde entra o "movie" nisso eu realmente não sei.

A história desse jogo é a seguinte: você é Tetsujin, a “máquina de matar definitiva”, cujo criador esclarecido quer destruir a humanidade. Não é explicado muito bem porque, ele apenas quer. Provavelmente algo haver com a Adriana não responder suas cartas de amor na quinta série, o que considerando que agora ele quer erradicar toda raça humana se mostrou uma decisão bastante acertada da parte dela. Mas divago.

Ow, calma ae Romeu, eu acho que a gente devia se conhecer melhor primeiro


Seja como for, então o cara constrói esse androide de matar definitivo para erradicar toda a raça humana, que é você, porém ele acha de bom tom primeiro testa-lo antes de soltar no mundo para passar o chumbo na geral. O que é bastante razoavel, se você cria a "máquina de matar definitiva" e ela tomba depois de tomar pipoco do primeiro azulzinho que encontra, bem, isso seria definitivamente embaraçoso.

Então ele solta o robo na base do seu edificio/labirinto/fortaleza/sede de reunião dançante para terceira idade as quartas e o desafia a chegar até o último andar. Se conseguir, Tetsujin então estará pronto para eliminar toda raça humana. E eis aqui meu singelo conselho, crianças: se algum dia você, por qualquer motivo que seja, sentir que PRECISA construir um robo como objetivo de erradicar toda raça humana, certifique-se primeiro de incluir um parametro na programação que exclua você da matança. Pode ser meio tricky programar isso, mas eu garanto que vale o esforço. E bem, eis aí sua história. 

Isso é contado através de um filme introdutório até que bem produzido que mistura CGI primitivo com alguns videoclipes do cientista louco que dura cerca de seis minutos (isso é onde a parte do "filme" entra, eu acho) e após isso você começa a avançar durante trinta niveis onde coleta um total de cinco armas que o jogo tão graciosamente permite que você tenha: uma Runt Gun, ou Big Heat, ou Gatling, uma Bazuca e uma arma secreta (spoilers, um laser). Parece divertido, não é? Ao longo do caminho, você enfrentará chefes a cada seis neves e terá sua vontade testada contra cutscenes progressivamente mais bregas.


Bem, eu disse que é um jogo de tiro em primeira pessoa, e tecnicamente ele é, mas ele é mais um dungeon crawler do que qualquer outra coisa. Você consegue atirar em inimigos, um de cada vez, e tem uma perspectiva de primeira pessoa, mas a maior parte do seu tempo será gasta navegando pelos níveis da masmorra. Como pode isso ocupar tanto tempo, vc pergunta? Bastante simples, na verdade: o jogo não te dá automaticamente um mapa da fase. Nem mesmo vai desenhando enquanto você avança - como acontece nos bons FPS do tipo, como em DOOM,

Então me permita realçar isso com o enfoque que merece: é um jogo de labirintos em primeira pessoa que não tem mapa. Pois é, eu vou te deixar assimilar o peso dessas palavras enquanto você contempla o quão divertido isso é (spoiler: não é).

Para adicionar ofensa a injúria, a progressão também não é linear: não é apenas achar o elevador e subir um andar, oh não. Frequentemente você tem que pegar o elevador para voltar andares em uma parte que você não tinha acessado antes para pegar outro elevador que aí te permitirá acessar uma nova parte do piso intermediário que aí vai ter um elevador que sobe. E se isso não parece muito simples de entender, me permita refrisar isso: TUDO ISSO SEM MAPA. Pois é, taí. Diversão.


Verdade que em alguns andares existem terminais onde vc pode conseguir o mapa da fase, mas como encontrar um deles envolve apenas ficar andando aleatoriamente até dar sorte, vc pode imaginar o quanto isso realmente resolve o problema do jogo (spoiler: não resolve).

Como alguém foi pago para ter essas ideias é algo que me assombrará até o fim dos meus dias, saiba você. 

E morreu

Vamos falar sobre os gráficos por um momento. Como você pode ver, a exibição da janela é bem pequena, numa tentativa de fazer o 3DO aguentar rodar o jogo melhor... sem muito sucesso, apenas imagino como seria esse jogo rodando em tela cheia, pq esse é o FPS mais lento que eu já vi na vida. Cada comando você aperta no controle parece que tem que ser enviado e aprovado por um comitê soviético antes do jogo responder. 

Também tem pouca variedade de design entre as fases - basicamente parece que você está jogando a mesma fase do começo ao fim. Não que faça muita diferença, pq o draw distance (a distancia com que as coisas aparecem na tela) é terrível. Freqüentemente, você verá uma uma parede com uma textura preta, apenas para se aproximar e descobrir que ela é uma porta na verdade. O mesmo se aplica aos inimigos: eles se materializam muito perto de você, e como seu personagem é muito lento de manobrar é recomendavel ir sempre mais devagar ainda nesse jogo que já é bem lento. 

Bom, pelo menos seus inimigos parecem te esquecer uma vez que saem da tela e nunca te perseguem, então recuar é sempre uma opção. E também porque quando você encontra algo para atirar o framerate desaba mais ainda e parece que eu estou jogando os slides de MYST do que um jogo de tiro em primeira pessoa. Ah, e quando atirar, se você estiver em certos ângulos em relação às paredes ou a um inimigo, seus tiros vão errar desperdiçando munição que já não é muita pra começar. Alias esqueça atirar, vc não consegue  nem andar se não estiver no angulo perfeito pq aparentemente esse Tetsujin é feito de superbonder e enrosca em qualquer parede muito facilmente. Vc tem que estar no pixel perfeito para passar por uma porta ou corredor, pq senão seu personagem enrosca e vc tem que dar ré e tentar por outro angulo.



Eu diria que é quase como operar um caminhão carregado na cidade, mas então não seria preciso pq Euro Truck Simulator tem o seu charme.

Então, com gráficos e controles ruins, e quanto ao som? De alguma forma, consegue ser pior. Não porque o 3DO é uma caixa de marshmellows em chamas acoplada a um diabo da Tasmania como é o chip de som do Mega Drive, mas esse jogo tem uma escolha de design criminosa: quando sua munição está acabando, você recebe um alarme que não para até que você encontre mais munição. Atravessar um nível confuso (porque todas as paredes parecem iguais) sem um mapa e com sua TV gritando dificilmente parece o conceito de diversão pra mim.

Bem, ao menos você pode atirar em Daleks então  tem ao menos isso...

O que este título faz bem então? Poucas coisas. Criar uma atmosfera é uma delas. As cutscenes filmadas são bem feitas (para a época) dão uma vibe cyberpunk. A música complementa isso muito bem e, no geral, tem uma loucura apropriadamente japonesa sobre a coisa toda. Infelizmente, as pessoas não pagam 60 dolares para assistir a uma introdução de seis minutos tanto quanto alguns desenvolvedores pensaram que pagariam. Não quando , o pagante espera jogar um jogo, e o que ele consegue aqui é FPS muito abaixo do padrão e com sérias limitações de hardware. Eu elogio os caras por pousarem fazer um jogo genuinamente 3D e não um "falso 3D que na verdade é 2D" como Doom, de verdade, mas claramente eles não tinham a menor ideia de como fazer isso e muito menos ainda como usar o hardware do 3DO para faze-lo. 

O que é pior,  lendo os créditos no verso do manual é realmente esclarecedor saber que oito pessoas são creditadas pela criação do jogo, enquanto vinte e quatro (!) são listadas pela produção do vídeo. É uma pena que tenha havido tanto esforço óbvio na apresentação de Tetsujin que eles se esqueceram de incluir um jogo, muito menos um jogo divertido. Tecnicamente um jogo de tiro em primeira pessoa, os criadores do jogo acertaram apenas uma palavra da sua própria descrição: filme, mas quanto à ação e ao RPG? Nem ferrando.

MATÉRIA NA GAMERS
Edição 003