domingo, 22 de agosto de 2021

[SNES/MEGA] STAR TREK DEEP SPACE NINE: Crossroads of Time (Setembro de 1995) [#749]


Sendo o mestre supremo e absoluto dos games, eu suponho que seja muito fácil extrapolar e imaginar que eu entendo absolutamente tudo de todas as areas ligadas a nerdosfera... o que esta usualmente correto, na maioria dos casos. Eu consigo manter uma conversa em bom nível a respeito de todas as areas nerdicas (por conversa entenda-se "monologos internos", não é como se eu falasse com pessoas realmente)... exceto uma. Tem uma coisa em particular que eu não sou realmente entendido, e não é exatamente uma coisa pequena na cultura nerd: Star Trek.

Quer dizer, eu assisti toda a série clássica dos anos 60 e todos os seus filmes, e assisti episódios de STAR TREK THE NEXT GENERATION dos anos 80 o suficiente para conhecer os personagens e as dinamicas entre eles, assim como os inimigos... mas meio que é isso. Para além disso, eu sou bastante casual em Star Trek.

DEIXA VER SE EU ENTENDI: TU ASSISTIU UMA SÉRIE TODA E METADE DA CONTINUAÇÃO, PELO MENOS UNS 12 FILMES... E ISSO É SER "CASUAL"?

I feel you, bro

Basicamente. Por exemplo, até me preparar para esse jogo eu não sabia absolutamente nada a respeito de Star Trek: Deep Space 9 exceto que ela existia. De todas as séries que já foram feitas na história da humanidade, essa definitivamente é uma delas - era até onde eu sabia. Então, em nome da eterna evolução nerdica inerente a minha persona, eu decidi pelo menos ver o episodio-piloto da série (que tá na Netflix, alias) pra ver qual que era a desse show.

E pelo que eu vi até aqui... é surpreendentemente bom. Veja, a coisa de Star Trek é que ela aborda as viagens da nave interestelar U.S.S. Entreprise, visitando novos mundos, resolvendo novas tretas onde audaciosamente indo onde nenhum homem jamais esteve. A série dos anos 60 se passa no ano 2265 e a série dos anos 80 se passa no ano 2364 (com outra tripulação e mesmo outra nave que se chama Enterprise), mas a ideia geral é a basicamente a mesma.


Deep Space 9 foi a primeira série de Star Trek a tentar algo diferente, e por isso eu quero dizer radicalmente diferente: para começar a série não se passa em uma nave cantando e dançando pela galaxia, e sim em uma estação espacial estacionada em um único lugar (até porque uma estação que sai por aí seria uma nave também) - a Deep Space 9.

Essa diferença pode não parecer grande a primeira vista, mas ela muda toda a dinamica da forma com que a série é pensada. Star Trek sempre foi construída sobre episódios isolados: tem o "planeta da semana" onde alguma treta especifica daquele mundo está acontecendo, nossos heróis vão lá e salvam o dia. As vezes o capitão passa o rodo numas nativas, as vezes não. Terminados os trabalhos, a nave engata a quinta marcha de dobra e semana que vem estaremos em outro mundo sem nunca mais olhar para trás. Essa natureza episódica da série é a própria estretura sobre o qual Star Trek foi pensada.


Em DS9 isso não é possível. Você tem um cenário fixo e embora a Deep Space 9 seja uma estação espacial (ou seja, muita gente sempre chegando e partindo), e mesmo que em alguns episódios eles vão para outros lugares, é muito dificil manter essa estrutura episódica no geral. Isso quer dizer que DS9 é bem mais sobre arcos de personagem e desenvolvimento do cenário do que "o planeta da semana".

Hoje isso é apenas esperado de uma série (series curtas raramente fazem isso, e mesmo series longas usam um misto das , normalmente tem um "episódio da semana" com um metaplot rolando ao fundo), mas nunca havia sido feito nada do tipo em Star Trek e eu considero que essa estrutura mais "moderna" bem mais fácil e interessante de se assistir.

Melhor ainda que em adição a esse formato mais interessante (ou talvez seja melhor dito, justamente por causa dele) o próprio cenário no qual se passa a série é interessante. Usualmente nas séries de Star Trek, a Enterprise é a melhor nave da frota da Federação. A mais incrível, a mais versátil, a mais pirocuda das galaxias. DS9 não poderia ser mais oposto disso.


Após decadas de dominio, o império Cardassiano retirou suas forças do planeta ocupado Bajor basicamente porque o planeta estava exausto de recursos e eles não achavam mais economicamente interessante manter aquele dominio. Também porque Bajor fica pra lá da puta que pariu do oeste da Via Lactea, então não é como se fosse uma posição estratégica nem nada. Assim quando os Cardassianos viram que não valia o esforço, foram embora.

O governo provisório de Bajor então pede auxílio a Federação de Planetas para ajudar na reconstrução de um governo civil, e a Federação assume a estação Deep Space 9 deixada pra trás pelos Cardassianos. Só que como você pode imaginar, quando foram embora os Cardassianos levaram tudo de valor com eles, de modo que a DS9 é basicamente um pedaço de sucata orbitando na base de Silver Tape e cuspe.

As coisas se complicam, entretanto, quando se descobre um wormhole estável proximo a DS9 que leva para uma região inexplorada da galaxia, subitamente tornando a DS9 um ponto de interesse da galaxia já que toda exploração dessa nova região agora vai necessariamente passar por uma estação caindo aos pedaços e sem recursos de combate. Isso numa região politicamente complicada dominada por um Império não realmente amigável.



Como dá pra ver, toda a coisa é uma alusão a situação do Oriente Médio, que é uma região complicada e então uma coalização estrangeira vai ajudar a "tomar conta" enquanto o governo local se reestrutura após os invasores irem embora. A Federação de Planetas e Bajor são simbolismo para as intervenções americanas para "ajudar" no Iraque. E tal qual na vida real, você pode imaginar que é um ambiente carregado onde nenhuma das partes morre de amor pela outra. Para adicionar caldo a fervura, oficialmente a Federação de Planetas tem relações diplomáticas com os Cardassianos e eles não são proibidos de visitar sua antiga estação.

Como dá pra ver, é um cenário rico que dá pra extrair bastante coisa daí. E, nesse sentido, quase tanto esforço quanto na criação dos personagens que é o elenco mais rico que eu já vi numa série até então.

A começar pelo comandante da DS9, Ben Sisko (que é o primeiro capitão negro de Jornada nas Estrelas), ele começa a série como comandante de estação em um trabalho que não tinha certeza se queria. Ele é um pai solteiro que ainda sofre a perda de sua esposa anos antes. No episódio piloto - o melhor de qualquer piloto de Trek, de longe - Sisko encontra os alienígenas do buraco de minhoca, que são adorados como deuses pelos Bajorans. Ele se torna seu Emissário. Um Messias profundamente relutante, Sisko aprende ao longo dos próximos sete anos a aceitar seu papel com graça, e ele é sem dúvida retratado como uma metafora de Cristo - mas isso não o impede de ser o capitão de Trek mais badass de todos os tempos - eu realmente gosto de como ele é prático e tem bom senso! Devo também mencionar que, como seu personagem, Avery Brooks cresceu muito como ator nas próximas temporadas.


A oficial militar da DS9 é Kira Nerys, uma bajir que antes desse cargo passou a vida inteira como membro da resistencia contra os cardassianos. A sacada de colocar uma nativa endurecida por só ter conhecido a vida de guerrilha durante toda sua existencia não faz dela apenas uma personagem badass, mas a coisa de ser uma nativa trás uma luz de bom senso a visão colonialista e frequentemente condescendente que a Federação tem de uma região tão isolada da galaxia.

Em uma cena logo no episódio piloto, o médico da estação se vangloria que com as notas que ele teve na academia poderia escolher ir para qualquer lugar da galaxia mas ele magnanimente escolheu ir para aquele lugar atrasado onde os serviços dele seriam mais necessários. Ouvindo isso ela comenta que "aquele lugar atrasado" é o lar dela, mas que os "nativos" vão ser muito beneficiados dos magnificos serviços dele sempre que as simpatias e infusões de ervas primitivas falharem.


Falando no médico, ele também é uma figura interessante. Recém graduado da academia, o doutor Julian Bashir. Embora ele seja academicamente brilhante, a coisa dele é que ele não tem experiencia nenhuma com a vida real e ir para uma região fronteiriça que basicamente uma zona de guerra é um choque bem grande com a sua visão de mundo idealista de guri de apartamento.

O mundo real não é como você acha que deveria ser quando está na faculdade, e todo o ponto do personagem é realizar isso. O que o torna uma adição interessante ao elenco. Adicionalmente, ele é o mais perto que uma série mainstream dos anos 90 se permitira de ter um personagem gay e seu bromance com o cardassiano Garak é uma das melhores coisas da série


Jadzia Dax é basicamente a interpretação de sci-fi americano para os timelords. A raça de Dax é na verdade um verme que vive pra sempre, apenas em simbiose com um hospedeiro. Quando o hospeiro envelhece ou está morrendo, o verme pode ser transplantado para um novo corpo. No corpo anterior Dax foi o mentor do capitão Sisko e agora após sua regeneração Dax tá no corpo de uma novinha cute-cute.

A parada é que o verme absorve a personalidade do hospedeiro, então quando Dax troca de corpo na prática é uma nova pessoa com as antigas memórias e o foco aqui é como o capitão Sisko lida com alguém que foi o seu mentor e melhor amigo agora ser basicamente um estranho. Como eu disse, basicamente o take americano do Doutor.

DS9 já tinha um protagonista trans muito antes de Doctor Who ser modinha! ... não, espera, isso não está certo, mas vc entendeu o que eu quis dizer...


Miles O'Brien é basicamente a versão DS9 do Chief de Battlestar Galactica. Ele é o mecanico responsável por manter a estação funcionando basicamente com esparadrapo e ódio, só que ao contrário do que normalmente acontece em Star Trek ele não é um gênio que resolve qualquer problema tecnico sem esforço.

Ele é apenas um cara com muita integridade que mantém minha cabeça baixa e trabalha até que os resultados sejam alcançados. E quando as coisas dão fenomenalmente errada, ele aguenta os revezes com uma dignidade silenciosa. Não é muito segredo que DS9 é uma das inspirações para Battlestar Galactica, e O'Brien é onde se vê isso mais claramente.



Quark é o personagem mais iconico de DS9, e não apenas porque seu visual de alienigina é bem estranho. Ele é um ferengi, um povo cuja única religião é o comércio e e o ator Armin Shimmerman rouba todas as cenas Quark participa. Fundamentalmente cético e prático, sua única prioridade na vida é levar alguma vantagem só que ele é tão honesto a respeito disso que frequentemente ele questiona as loucuras e hipocrisias do comportamento humano. Muitas das críticas mais incisivas que DS9 faz à condição humana e à Federação vêm de sua boca, só que de uma forma engraçada. 


E por fim, pra Star Trek ser Star Trek tem que ter o alien que não compreende muito o que significa ser humano. Na série original temos o Sr. Spock, em The Next Generation temos o androide Data e aqui o "esquisito" é Odo, que é um... bem, nem ele sabe o que ele é exceto que é um shapeshifter de metal liquido - nada diferente do T1000.

Até agora eu não vi nada muito interessante sobre ele, mas dizem que ele tem um arco de personagem interessante. Mas heh, mesmo que não seja também não se pode acertar todas né.

Turn down for what!

Deep Space Nine permanece fiel aos ideais de um futuro otimista de Star Trek, porém os examina através de novas lentes. Mais importante que isso, ao invés de ser apenas outra série de Star Trek, Deep Space Nine impulsiona corajosamente a franquia para o século 21, construindo sobre os sucessos do Star Trek original e The Next Generation. Ela expandiu a fronteira, questionando muitas das suposições subjacentes de Star Trek, enquanto permanecia fiel a seus princípios fundamentais. Deep Space Nine foi algo novo e interessante, sem deixar de ser Star Trek. 

O que eu pesquisei a respeito é que é razoavelmente argumentado que Deep Space Nine marcou o último ponto em que a franquia realmente avançou, e que as séries seguintes de Star Trek se contentam apenas em tentar emular a série dos anos 60 e dos anos 80. Deep Space Nine representou algo desafiador e empolgante, mas também marcou um limite que permaneceria não cruzado. De muitas maneiras, Deep Space Nine marca o limite da fronteira final.

Isso ainda permanece a ser visto, mas eu pretendo acompanhar essa série daqui pra frente. Enquanto isso, vamos falar do jogo de SNES/Mega Drive então... bem, os jogos de Star Trek têm uma longa história de serem medíocres (a exceção de STAR TREK 25TH ANNIVERSARY). Star Trek Deep Space Nine Crossroads of Time no SNES e Mega Drive reforça essa afirmação.

Antes de começar, entretanto, eu acho interessante compartilhar o que próprio designer do jogo, Maurice Molyneux, colocou no blog pessoal dele falando sobre esse jogo:


Isso é realmente interessante para mostrar o quão complicado é fazer um jogo licenciado e explica em parte porque jogos licenciados usualmente são tão ruins. Isso, é claro, e o fato que a maioria deles é feito pela Ocean, tem isso também. A Ocean conseguiria estragar até Furries Felpudas Combat 2, isso é um fato. Porém em este não sendo o caso, este jogo é apenas medíocre mesmo e não hediondo.

Esse jogo é dividido em duas partes, a primeira é um hub na Promenade onde você conversa com os personagens da série e tem que falar com as pessoas certas na ordem certa em uma miniquest para poder ir para a segunda parte da fase. Normalmente você começa no escritório do Sisko, então alguém te avisa que tem alguma treta rolando e vc tem que investigar.

I'm going in an adventure yay!

A reprodução do Promenade é bem feitinha (para um jogo de 16 bits, isso é) e é sempre legal ver os personagens da série fazendo suas coisas da série. Adicionalmente o mapa não é muito grande, então não é como se você pudesse realmente se perder - o que é sempre legal. Esse hub é sempre o mesmo durante o jogo todo, mas terminada essa primeira parte em cada fase vc vai pra parte de "ação" diferente... e é aqui que as coisas ficam menos excelente.

Isso porque na parte de ação esse jogo de DS9 é... um puzzle plataformer, e se tem algo que sempre trás alegria aos nossos corações ter um PRINCE OF PERSIA-like. Não que o jogo ter movimentos metódicos e animações rotoscópicas-like seja uma coisa inerentemente ruim em um jogo que não preza pela ação e sim pelo timing, sobre usar os elementos do cenário para resolver puzzles. Como eu sempre digo, eu gosto de jogos assim como FLASHBACK: Quest for Identity e OUT OF THIS WORLD.



Então DS9 é um jogo assim? Bem, vamos colocar assim: em pelo menos metade das fases você tem um limite de tempo bastante apertado e não existe nada nessa vida que combine menos com esse gameplay metódico do que AS BOMBAS VÃO EXPLODIR EM DEZ MINUTOS CORRE CORRE CORRE!

Mas aí vocês me fodem o meio campo, né amiguinhos? Não, sério, como que vocês vão fazer uma jogabilidade ASSIM e me exigir correr como se não houvesse amanhã:


Verdade que DS9 ainda é mais rápido que seu tipico Prince of Persia, mas ainda sim não é nada adequado a um time attack da vida. O que torna pior ainda que você tem apenas uma vida, e se morrer o continue te faz recomeçar a fase toda. Yay...

E o pior é que na outra metade das fases quando o jogo apenas te deixa fazer as coisas no seu ritmo... é um jogo funcional. Atirar nos inimigos com o phaser é satisfatório (ainda que um tanto clunky), o level design de onde vc tem que encontrar as coisas e onde tem que ir não é nenhuma carta de ódio ao jogador como Prince of Persia e o jogo tem algumas ideias realmente legais tb.


Por exemplo, eu gosto da fase com os Borgs porque eles incorporaram o defining trait deles na mecanica do jogo. A coisa dos Borgs em Star Trek é que eles assimilam qualquer ataque que for usado contra eles, e na próxima vez ele não vai funcionar mais. Assim um disparo de phaser pode matar um borg, mas essa informação é enviada ao hivemind da espécie e partir do próximo esse tipo de ataque não funciona mais.

No jogo, você tem dois tipos de phaser, o que significa que você pode matar exatamente dois borgs antes que o seu tiro não cause mais efeito. O puzzle da fase é justamente saber quais você tem que matar e quais você tem que contornar e como.


Mas bem, isso sendo dito, se você é apenas um jogador e não é um grande fã de Trek, este jogo provavelmente não prenderá sua atenção por muito tempo. É um jogo de plataforma medíocre com controles Prince of Persia-like e varios momentos injustos pelos motivos errados.

Mas se você é fã do DS9, não dá pra dizer que as referencias ao programa não são muito legais. Infelizmente, o problema de dificuldade do jogo por causa do limite de tempo aliado a um estilo de jogo menos que optimo para isso requer sangue, suor e lágrimas. Partes do jogo são desnecessariamente difíceis e frustrantes onde não precisavam ser. Apesar de suas falhas, DS9: Crossroads of Time não é um jogo terrível, mas é para mater a curiosidade de fãs devotos do DS9.

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