sexta-feira, 10 de março de 2023

[#1065][Set/96] REVELATIONS SERIES: Persona

O mundo hoje é muito diferente do que era nos anos 90. Se, naquela época, me perguntassem qual é a melhor e mais influente franquia de RPG japonês, nunca que em mil sóis amarelos-lancinantes eu diria que é Megami Tensei, da Atlus. Com efeito, eu sequer ia saber que porra é essa.

Eu não sou particularmente fã do estilo de arte desse jogo, mas a capa japonesa ficou bem mais legal que a americana... como de costume

O primeiro jogo da franquia, Digital Devil Story: Megami Tensei ("A História do Demonio Digital: O Renascimento da Deusa") é um RPG para Nintendinho de 1987 que já começa diferente de todos os outros porque é baseada em um livro de Aya Nishitani, que era grande popularidade no Japão a época. 

O jogo, no entanto, é o seu bom e velho dungeon crawler com uma diferença significativa: a party que você controla é composta por dois humanos fixos e então mais dois ou três (depende da versão do jogo) monstros que são capturados nas dungeons. Ou seja, é tipo Pokémon só que com deuses, demonios e figuras mitológicas como personagens jogaveis.


Claro, "personagens jogaveis" para um RPG de Nintendinho de 1987, mas era o que a casa oferecia. Seja como for, Megami Tensei (ou MegaTen para os íntimos) acabou sendo realmente um grande sucesso no Japão, pq afinal pessoas adoram essas porras de colecionar monstros e se isso é verdade hoje (taí Pokemon que vende 8 bazilhões de cópias mesmo com jogos beeeeeeeem marromenos), também era verdade em 1987.

Isso deu origem não apenas a continuações inúmeras para o jogo, como todo tipo de spin-off que vc possa imaginar. E algunas que vc não pode imaginar como o spin-off do Jack Frost (o demonio mais iconico e mascote da série) para o fodendo VIRTUAL BOY.

Sim, é sério, houveram apenas 22 jogos desenvolvidos para o desastre da Nintendo em toda sua vida, e um deles foi um spin-off de MegaTen pq saporra era grande desse jeito. Virtual Boy, maluco!

Embora o jogo em si não seja tão terrível assim, jogar no Virtual Boy era (é um videogame que literalmente estraga sua visão se jogado por mais do que poucos minutos de cada vez, começa daí) de modo que estar na mesma página de anuncio que a desgraça de VIRTUAL HYDLIDE é bastante justo

MegaTen se tornou a terceira maior franquia de RPGs do Japão atrás de Final Fantasy e Dragon Quest apenas (embora seja disputado se Ys não era tão grande quanto, ao menos nos anos 90), e entre os inúmeros, inúmeros, minha nossa senhora é muito mesmo vcs não fazem ideia do quanto, spin-offs dessa série, um em particular ganhou o ocidente de assalto e esse é o motivo pelo qual estamos aqui hoje.

Estou falando, é claro, do spin-off conhecido como "Persona".


Narrativamente, MegaTen é série sobre... bem... digamos que seria o tipo de jogo que você escreveria depois de olhar um Birdbox nos olhos. É sobre insanidade e destruíção da realidade como a conhecemos a um ponto que o Guilermo Del Toro diria "amiga, seje menas". Quero dizer, MegaTen é o jogo onde surgiu pela primeira vez ESSE CARA como inimigo: 


E enquanto MegaTen é mais conhecido por ser um dungeon crawler puro cujo foco é o gameplay e o cenário em primeiro lugar, "Persona" é uma pegada mais... bem, pessoal dos personagens. E por pessoal eu quero dizer explorar a sua psique mesmo, no sentido Jungiano da coisa.

OKAY, AGORA TU ESTÁ EXAGERANDO...

Pior que não estou. Personaé uma série bem mais intimista e é, em um sentido literal e metafórico, mais sobre o que se passa dentro das pessoas mais do que fora. Mesmo que use os mesmos monstros (inclusive esse cara aí de cima) e alguma coisa dos sistemas de combate, Persona geralmente é bem menos opressivo e lovecraftiano do que Megami Tensei. 

A grande influencia que moldou Persona foi o psiquiatra suíço Carl Gustav Jung, até mesmo o termo "persona" foi cunhado por ele. Basicamente, a psicologia jungiana é o principal ramo da psicologia moderna que se desvinculou de Freud e se foca bastante no quanto a nossa mente subconsciente tenta se comunicar conosco através de simbolismo e metáforas enraizadas.

E enquanto o valor como psicoterapia para problemas de saúde mental é... questionável... ainda sim é uma ferramenta muito útil para analisar literatura, filmes e jogos. Mas o que a psicologia jungiana diz?



Bem, Jung diz que todo mundo usa algum tipo de mascara - seja consciente ou inconscientemente. - para melhor nos encaixarmos na sociedade. A pessoa que você se mostra quando esta no almoço de domingo com os seus pais não é a mesma que você se mostra na rave as da manhã de quinta-feira, que por sua vez não é a mesma que você mostra quando falhou pela décima oitava vez em conseguir as quatro estrelas em Overcooked 2 eu já disse que é para deixar os pratos na pia que eu lavo!!!

... e, onde eu estava? Ah sim, mascaras. Essas mascaras são várias facetas da nossa personalidade, e as mostramos conforme for necessário ou conveniente. Jung chamava essas mascaras de "personas". Enquanto são ferramentas muito uteis para funcionarmos como sociedade, elas também vem com o risco de se tornarem prisões e em algum ponto nós acabarmos nos perdendo sobre quem realmente somos por trás dessas mascaras.

E a série Persona é basicamente sobre isso.



Ao longo das várias iterações da série isso é abordada de algumas formas diferentes, como em Persona 5 não por coincidência os Phanton Thieves despertam seus poderes literalmente arrancando as mascaras de seus rostos, não sem arrancar sangue porque essas mascaras são algo profundamente cravado na nossa carne. Nossos heróis arrancam a mascara de baderneiro que não liga para nada (Ryuji), a boa aluna que faz tudo para agradar os adultos (Makoto), a filha obediente que segue os designeos do pai sem questionar (Haru), o pupilo que obedece ao seu mestre porque acha que nunca será tão bom quanto (Yusuke) e por aí vai. Apenas quando eles arrancam essa mascara metafórica que usavam é que seus verdadeiros poderes despertam.

Em Persona 4, vai mais fundo ainda quando os mestres das dungeons são aspectos distorcidos dos nossos heróis, as coisas que eles tem vergonha de mostrar para o mundo e tentam enterrar no mais fundo do seu subconsciente. Não é por coincidência que o pacto com a sua verdadeira persona é selado com a frase "Eu sou tu, tu sois eu".

Ma va bene, enquanto tudo isso é muito bom e muito bem nos jogos mais recentes da série... como isso funciona exatamente na sua primeira iteração? Hmm, vamos colocar assim: é beeeem mais simples do que viria a ser posteriormente, mas definitivamente melhor do que eu esperaria de um jogo de 1997 - mesmo após FINAL FANTASY 7.

Como isso funciona? Bem, vamos colocar assim: nos jogos de Persona vc tem multiplos "Palácios da Mente", onde os heróis literalmente entram na mente de vários personagens e essa são as dungeons do jogo. E como já explicado, isso tem conexão com o desenvolvimento psicologico daquele personagem - com uma conclusão positiva ou negativa.



Nesse primeiro Persona, no entanto, todo o jogo é o estudo de personagem de uma única personagem. Ao invés de ter 4,5,6 personagens explorados, aqui todo palácio da mente se passa na mente de uma única personagem e suas diferentes personas, suas diferentes facetas.

Essa é uma abordagem bastante interessante e que eu definitivamente não me importaria em ver reaproveitada em um Persona 6 da vida: ao invés de ter vários palacios da mente de pessoas diferente, fazer um estudo de personagem aprofundado da mente de um único personagem parece algo interessante a ser feito.

Até pq nesse jogo em particular, "aprofundado" não é uma palavra que eu usaria. Maki Sonomura é uma personagem legal e suas personas apresentadas são curiosas, mas nada muito mais profundo do que vc esperaria do seu tipico RPG mediano de 1997. A ideia é mais profunda que a execução, vamos dizer assim. O que não é ruim realmente, apenas não é espetacular também.

Por razões tecnicas, os advogados da Atlus afirmam que a empresa nunca ouviu falar de um tal de Jojo's Bizarre Adventure e não vê a relação entre personas e stands


Agora, o interessante é em como isso é integrado a narrativa de uma forma coerente para leigos. Hoje, um jogo de persona pode simplesmente dizer que o mundo paralelo é o Metaverso, ou o TV World, ou a Dark Hour, e isso vai fazer sentido pq já existe uma base na cultura popular. Em 97, no entanto, esse jogo teve que começar do zero e a forma que eles fazem essa integração é nada senão muito inteligente: até a metade do jogo vc acha que está apenas enfrentando um vilão do mal que odeia o bem que esta usando as pesquisas da sua megacorporação para destruir o mundo e é apenas derrota-lo que vc entende que é mais complicado do que isso.

Em um tempo em que a internet beirava o inexistente e conceitos básicos de psicologia não eram tão parte da cultura popular quanto são hoje, eu não vejo como a introduução aos conceitos da série poderiam ser mais assimilaveis e organicos.



Adicione a isso um elenco que pode não ser muito profundo mas funciona como um elenco de filme da Sessão da Tarde dos anos 90: nada muito incrivelmente profundo, mas com personalidades bem definidas e boa quimica entre eles, e temos um jogo que funciona muito acima do que vc poderia esperar para a época.

UAU, ENTÃO REALMENTE NÃO EXISTE NENHUM JOGO RUIM DE PERSONA DESDE O PRIMEIRO? NÃO É ATOA QUE ESSA É A SÉRIE DE JRPGS MAIS POPULAR DA ATUALIDADE, SE ELA É CONSISTENTEMENTE INCRÍVEL ASSIM!

Hã... então... Eu realmente amei os conceitos de Persona 1 e é bastante claro que a Atlus got something, really really something. O que eu amei bem menos do que o seu conceito, no entanto, foi sua execução.

FUN FACT: Nessa cena tem alguem jogando Groove on Fighting, um jogo de luta da Atlus que eu vou falar a respeito dele daqui uns dias

Isso porque enquanto hoje Persona é um RPG/visual novel/dating sim, em sua origem esse jogo não desvia muito das suas raízes MegaTen e é um dungeon crawler acima de tudo. O que quer dizer que, no fim do dia, esse jogo vive e morre por quão boas suas dungeons e o quão divertido é o combate, afinal isso É o jogo essencialmente.

E é nessa parte que Persona 1 tem problemas, eu temo.


Abertura de Persona 1 ou o labirinto de uma bruxa em Madoka Magica? Só o tempo dirá

Boy oh boy... vamos lá... Imagine que você está jogando um Final Fantasy onde seu grupo é composto por cinco invocadores. Em cada batalha aleatória, você summona seus monstros e o movimento que você usa leva, no mínimo, 10 segundos de animação (pobre), às vezes até 20. Isso acontece para todo e cada um dos cinco de seus personagens, bem como para cada um dos inimigos, dos quais pode haver de dois a oito em uma batalha aleatória. 

Isso leva uns bons 5 minutos para concluir, mas se você tiver sorte e calhar de ter uma persona que tem ataques elementais para explorar uma fraqueza E um ataque em area, pode levar apenas dois minutos. O que ainda é muito tempo para uma batalha aleatória. O tempo de batalha também não diminui conforme você sobe de nível, por razões que explicarei mais tarde .


Agora, para todos os problemas que a localização americana do jogo tem (e tem problemas bem sérios, entrarei em detalhes daqui a pouco tb), saiba que os encontros aleatórios foram diminuidos e a experiência por batalha aumentada. O que é uma revelação terrível, já que encontros aleatórios ainda acontecem a cada quatro ou cinco passos. Eu realmente não consigo imaginar quanto tempo a versão japonesa deve demorar para jogar.

Contribuindo para a frustração das batalhas arrastadas, tem o sistema de grid. O que é incrível na teoria, menos na execução - esse é meio que um tema recorrente do gameplay desse jogo, como já deu pra notar. O que rola aqui: tem um grid para você distribuir seu galere e seus personagens só podem atacar o que podem alcançar. Justo, não?

Você então se planeja para isso colocando lutadores de espada/machado de curto alcance na frente e alguém usando um arco atrás, mas alem dos ataques fisicos tem tambem os ataques das personas e elas tambem obedecem o grid, o que significa que você não pode colocar persona de curto alcance atrás, ou dar persona de longo alcance para as pessoas na frente.


Isso soa muito interessante na teoria, mas na prática a teoria é outra.

O problema é que não raramente, os inimigos só são vulneraveis a elementos especificos, o que significa que muitas batalhas (que já não eram rápidas) são estendidas artificialmente quando o inimigo está numa posição que a única pessoa do seu grupo que tem aquele elemento está fora de alcance, então vc tem que ir dando porradinhas que não tiram tanta vida com os outros. Teoricamente vc pode fazer pre-sets de posicionamento salvos e alternar durante a luta para posicionar todo mundo de forma a conseguir contribuir, só que usar isso é um enorme, ENORME saco e não é algo que  eu tentei mais de uma ou duas vezes.

O sistema de grid, teoricamente, deveria ser um pouco compensado por cada membro do grupo ter uma arma de fogo além da sua arma corpo-a-corpo e a persona equipada. O problema é que as armas de fogo causam tão pouco dano (mesmo que essa seja a vulnerabilidade do oponente) que é mais fácil apenas ignorar que elas existem. Mais na verdade ainda, não é realmente surpreendente que a mecanica das armas de fogo só voltou a ser usada em Persona 5 - quando finalmente deram uma utilidade mecanica para elas.

Então eu reafirmo que o combate está repleto de boas inteções... mas sua execução é mais exaustiva do que divertida realmente. Mas hey, esse jogo é um filhote da série MegaTen, então ele é realmente sobre negociar com demônios e ter eles na sua party, certo? Na verdade, isso faz parte mandatória do jogo, porque a menos que você consiga bons monstros, você nunca obterá personas mais poderosas para seus personagens e o jogo assume que vc vai ter boas personas quando seta o nível de dificuldade.


Ok, eu vou dizer que não realmente gostei de como a negociação com os monstros funciona aqui pq ela é zero intuitiva. Cada personagem tem 4 opções de dialogo e vc tem que escolher as certas para encher a barra de "eager" do monstro.

Então seu protagonista, por exemplo, tem as opções de dialogo recrutar, provocar, persuadir e cantar. Ok. Outros personagens tem outras opções próprias (como subornar, elogiar ou ameaçar). O problema é que qual opção afeta cada monstro é um mistério total. Mesmo que vc siga um FAQ que te diga quais opções provavalmente funcionam para encher o eager de cada monstro, isso não realmente funciona o tempo todo e não dá pra realmente entender a lógica da coisa. 

A parte de recrutamento nunca é explicado além do fato de que tem que acontecer, e meu melhor palpite é que a fase da lua tem efeito no recrutamento (eu acho), as vezes é aleatório, e e as vezes o monstro vai te fazer uma pergunta que enche uma das barras conforme for a resposta - novamente, nada que vc consiga quantificar.



Algumas pessoas costumam citar o mistério por trás desse sistema como parte da localização ruim, mas eu tenho bastante certeza de não é o caso de que havia uma explicação em japones e a tradução decidiu cortar, mesmo em japones não existe realmente uma explicação de como isso funciona.

A boa noticia é que o processo de criação da persona funciona exatamente como em outros jogos Persona. Negociando com os demônios, você obtém suas cartas, então você as leva para o Velvet Room, onde Igor (completo com sua música tema de sempre) irá combiná-las em uma persona para você.

Eu diria que a parte de fusão de monstros é a coisa que melhor funciona nesse jogo - uma vez que você tem as cartas, isso é. O jogo te dá bastante informação sobre o que esperar ANTES que você gaste a carta do monstro, então uma vez que vc tem os recursos é divertido ficar montando personas para atender as necessidades da sua party. Não por coincidencia, a parte que melhor funciona nesse primeiro jogo foi a que menos mudou nesses 25 anos da série. 


O que nos leva ao ao próximo tópico, que é o sistema de experiencia... que não é distribuido igualmente e sim de acordo quanto cada personagem contribuiu na batalha. Meritocracia no RPG soa muito bonito, mas é bastante problemático quando você está tentando upar uma persona recem fusionada, ou mesmo de nível baixo pq vc não consegue outra que atenda as suas necessides. Ou ainda upar um membro do grupo que ficou para trás. 

Isso gera um efeito bola de neve onde seus personagens/personas fracos vão ficando cada vez mais fracos para o que o jogo exige porque como vc não contribui muito na batalha (pq eles são fracos e causam pouco dano) você não ganha XP suficiente para upa-los. 

Outra coisa que funciona muito bem aqui é que Persona usa música pop cantada como música de dungeons e de batalha, uma tradição que é mantida até os dias de hoje

E a coisa que vc mais definitivamente NÃO quer em qualquer jogo - seja de tabuleiro, cartas ou videogame - é um efeito bola de neve. Isso é game design ruim, simplesmente, e não é surpreendente que a Atlus nunca mais usou essa ideia depois disso (nem ninguem, pq é uma ideia muito ruim realmente).

O que, por fim, nos leva ao MAIOR problema do jogo: o final do jogo tem uma exigencia de level completamente desbalanceada. Sério, eu terminei a antepenultima masmorra do jogo por volta do nível 45 da party, e foi totalmente okay a luta. Não foi esbagaçante nem nada, foi de boas - o que em linguagem de RPG significa que vc está no nivel certo.


Porém de uma hora pra outra o jogo simplesmente tasca monstros nível 70+, então apenas por razão nenhuma vc precisa de várias e várias horas de grinding pra terminar o jogo. E novamente, tava de boas até ali, apenas o jogo decide que do nada vc precisa dobrar seu nível, apenas isso.

Agora some isso ao combate lento e o sistema de EXP com efeito bola de neve... e algo errado não está certo aqui. Isso quer dizer que apesar das suas boas intenções com o sistema de grid, de colecionar personas e fusão, na prática esse jogo é arrastado e exaustivo de se jogar, e quando dungeons são tipo 80% do jogo, isso é um ENORME problema a se ter no jogo.

E não vamos falar sobre o que acontece quando você fica de 3 a 4 horas em uma masmorra e morre - especialmente pq o inimigo colocou charme em area na sua party e atacou com uma vantagem elemental antes que vc pudesse reagir. Vc se torna um com a raiva. Palavrões são inventados. Objetos são arremessados. 


Verdade que esse não é o jogo MegaTen mais dificil ever, pq aqui pelo menos morrer o personagem principal não é game over automatico mesmo que o resto da sua party esteja bem, e foi adicionada à versão americana o fato que seu MP se recupera conforme você anda, vc pode frequentemente usar suas personas. Ainda sim, mesmo os jogadores mais cuidadosos perderão horas e horas de jogo, muitas vezes sem ser culpa sua realmente.

É por essas razões que muita gente diz que Persona 1 é o pior jogo da série... e enquanto eu não joguei todos, não posso argumentar que eles estão errados. Mecanicamente o jogo comete erros que Atlus não devia cometer, já que existem tipo um bilhão de jogos MegaTen, então não é como se eles fossem novatos nisso de RPG.

E diante desses problemas mecanicos, que são BEM graves, eu suponho que deva falar a respeito da adaptação americana do jogo. O que não é tecnicamente um problema tão sério quanto - não é como se ela te impedisse de avançar no jogo - mas, boy oh boy... ela doi na alma.


O que acontece aqui: em 1997, os americanos já sabiam o que era anime e a cultura japonesa já ocupava uma parte da televisão maior do que até então. Ainda sim, a Atlus não se sentiu confiante em lançar o jogo ambientado em um cenário japones - até pq esse é um raro RPG que se passa em um cenário atual, acho que só consigo pensar em EARTHBOUND e ainda sim esse se passa em cidades bem mais fantasiosas.

Eu não realmente culpo a Atlus pelo medo, dado que xenofobia é algo impresso no DNA humano e em especial no norte-americano, mas não posso dizer que elogio seus resultados. Em primeiro lugar, qualquer referencia japonesa foi apagada e os nomes ocidentalizados. Você sabe, aquele bom e velho whitewashing raíz - com direito a todos os personagens terem a pele recolorida para ficarem 100% brancos anglo-saxões. Então Maki virou Mary, por exemplo.


Só que vai além, suas personalidades foram adaptadas também, como a kogaru Yuka (não espere que eu explique tudo pra vc, aprenda a usar o google uma vez na vida) virou a patricinha de highschool Alana e... o melhor amigo do protagonista, Mark, deixou de ser o aluno meio vagalzão e passou a ser o mano das quebrada, tá ligado?

Pois é, a Atlus apenas meteu um blackface e todos os estereotipos raciais que eles conseguiram encontrar, e eu suponho que eu não precise explicar o quanto isso não envelheceu nada bem. Se vcs querem mesmo fazer com que o jogo se passe numa cidade americana e querem ter um personagem negro no elenco, okay, vá lá. Mas pq causa motivo razão ou circunstancia ele precisa falar como se estivesse num clipe de rap yoyoyo?


Porra Atlus! NADA disso envelheceu bem, mas mesmo na época isso em particular chamou atenção por quão ruim ficou a coisa.

Nem mesmo as personas escaparam da falta de fé da Atlus no mercado americano, e todas as referencias a deuses, demonios e mitos - que é meio todo o ponto da franquia MegaTen - foram dumbelizados para o publico americano. Tipo Titania, a Rainha das Fadas (da obra "Sonho de uma Noite de Verão" de Shakespeare) virou apenas "Queen Fly" just because, Duergar virou Dwarf pq foda-se D&D, e Leprechaun virou Ghoul pq... sabe lá o pq.

Quer dizer, sério, é o jogo que o seguinte dialogo certamente aconteceu durante a localização:

- Senhor, nossa equipe de localização recomendou que mudassemos o nome do Belzebub para o publico americano
- Certo, e o que eles sugerem?
- Beezlebum.

Porém o real problema aqui é que, além da tradução bem merda - não chega a ser nonsense tipo um ILLUSION OF GAIA da vida - é que eles tiraram basicamente metade do jogo na versão americana nessa brincadeira. Isso pq além do cenário principal que conta sobre a corporação SEBEC e o Palacio da Mente de Maki, existe um tipo de NewGame+ (não exatamente, mas no mesmo espirito) que é quase puro dungeon crawler (e muito mais dificil) que é conhecido como a sidequest da Snow Queen.


Como essa sidequest, que envolve várias dungeons e é realmente quase metade do jogo, é muito dificil, e mesmo os pre-requisitos para ativar ela são meio obtusos de descobrir, a Atlus da América decidiu que foda-se, os americanos nem entendem de RPG e não iam jogar essa merda mesmo. Então eles apenas tiraram essa quest do jogo, metade das dungeons do CD, para conseguir fechar o prazo e lançar o jogo no natal.

WOW, PENSANDO BEM, ESSE JOGO PARECE BEM HORRÍVEL! É DE SURPREENDER QUE A SÉRIE PERSONA NÃO TERMINOU AQUI MESMO!

Nem tanto ao céu, nem tanto ao inferno. Como eu disse, Persona 1 tem grandes ideias e só precisava executar elas bem. Mas, mais importante que tudo é que a Atlus reconheceu que eu estou certo e formalmente pediu desculpas pelo ocorrido, prometendo que não ia se repetir.

EU ACHO ISSO UM TANTO DIFICIL DE ACREDITAR.

Bem, talvez não com essas palavras, mas o fato é que em 2009 a Atlus lançou um remake para PSP desse jogo e adivinha só: eles resolveram a maior parte dos problemas que eu apontei nesse review. 

Toda palhaçada da localização foi deixada de lado, a quest da Snow Queen foi restaurada, a tradução foi refeita, as negociações tiveram o texto melhorado (agora os monstros tem uma personalidade que vc consegue ter uma ideia do escolher), opção de skipar a animação das summons, o combate foi equilibrado - vc não toma mais tanto one hit kill antes de poder reagir e perder horas de progresso, por exemplo. Entre outras coisas. 

Não resolve tudo, o jogo ainda é arrastado e te enlouquece as vezes (em especial na sidequest da Snow Queen), mas é brutalmente menos do que no original.


Sério, não apenas a maior parte dos problemas foi adereçado nesse remake, como a Atlus ainda adicionou alguns bonus tipo as datadissimas cutscenes em CG dos anos 90 foram substituidas por cenas em anime.

E esse é o verdadeiro good ending de qualquer jogo: quando a produtora afirma que eu estou certo.

MATÉRIA NA SUPER GAME POWER
Edição 040 (Julho de 1997)