Quando eu estava pesquisando para escrever sobre BLOOD (não me olha assim, Jorge, eu pesquiso sim sobre as coisas e não apenas tiro tudo da bunda... majoritariamente), uma coisa que eu vi repetida algumas vezes é que BLOOD tinha um "irmão" family friendly.
E por isso eu quero dizer que é outro jogo lançado na mesma época (com efeito, no mesmo mês até) e que supostamente também leva a Build Engine (a engine que roda os DOOM-like) a sua ultima capacidade antes dela ser abandonada completamente em favor dos FPS verdadeiramente 3D.
Bem, eu tenho que dizer que esse jogo tem uma produção surpreendentemente de alta qualidade (não tão surpreendente se pensarmos que é um jogo da Lucas Arts, eles meio que eram bons nisso) e um foco na narrativa que não era muito comum no gênero na época. Contudo, porém, todavia, entretanto, isso não significa que esse jogo seja uma obra-prima perdida, na verdade bem longe disso.
Nos anos 90, todo mundo que desenvolvia FPS tinha sua própria versão da Build Engine para fazer seus clones de DOOM e a da Lucas Arts tinha a "Jedi Engine". O nome veio do fato de que, alem de ser a empresa do George Lucas afinal, é que essa engine foi usada no FPS anterior da Lucas Arts,
ESPERA, A LUCAS ARTS TEVE UM FPS ANTERIOR A ESSE?
Claro que teve, vc não lembra de STAR WARS: Dark Forces?
DIFICILMENTE.
Eu tambem não costumo pensar no FPS de Star Wars com muita frequencia, mas bem, esse jogo existiu e a versão 2.0 da sua engine é esse jogo que vemos aqui. O que quer dizer a Jedi Engine definitivamente tem mais em comum com DOOM engine e parece um tanto arcaico e limitado quando já existiam FPS verdadeiramente 3D como QUAKE.
Porém, o que Outlaws não alcança em pura proeza técnica, ele definitivamente tenta compensar em termos de apresentação com suas lindas cutscenes desenhadas à mão que definitivamente resistiram ao teste do tempo e são uma maravilha de se ver. Quer dizer, Deus sabe que o mesmo não pode ser dito sobre as cutsenes DUKE NUKEM 3D ou mesmo BLOOD.
Acho que não é preciso ser um grande crítico de arte para perceber que isso...
... envelheceu oito trilhões e meia de vezes melhor do que isso em termos de qualidade dos gráficos:
A história aqui é o mais faroeste possível que já faroestou na faroestolandia: um vilãozão mau como um pica-pau quer comprar as terras do delegado aposentado James Anderson, que obviamente não quer venda-las pq senão não teria história.
Os bandidos então decidem fazer as coisas ao velho estilo texano, e enquanto eu frequentemente uso essa expressão essa é a primeira vez que eu posso usa-la no sentido literal: eles decidem matar a esposa de James, tocar fogo na sua casa e sequestrar sua filha. Bem, eles não DECIDIRAM isso, mas foi o que acabou acontecendo.
Agora nosso bom homem da lei precisa voltar as armas para por fim a corja de nepomucenos e resgatar sua filha, não necessariamente nessa ordem. E quando digo corja de bandidos, eu estou na verdade me referindo a milhares deles, porque é mais ou menos quantos vc mata até o fim desse jogo. Definitivamente a habilidade mais assustadora do vilão desse jogo não é sua perícia com armas de fogo, e sim sua capacidade de RH de gerenciar milhares de capangas em seu bando. Realmente impressionante.
Porém o que é realmente impressionante aqui é a qualidade das cutscenes de abertura: não apenas a animação é estupendamente bonita, como a dublagem é nível estelar. Quer dizer, sabe aquelas dublagens de videogame que eles claramente pegaram alguém que tava passando no corredor e deram dois toblerones para o cara ler uns papeis?
Não foi o que aconteceu aqui. A dublagem é de qualidade, tendo nomes de peso como Jack Angel (o eterno Papai Smurf), Beau Billingslea (dublador americano do Jet Black de Cowboy Bebop e do Barretão de FINAL FANTASY 7) e até mesmo fucking John de Lancie.
Mais impressionante ainda é que esse jogo foi lançado no Brasil dublado em 1998, e a dublagem brasileira é o fino do fino do fino do que se pode ter. Estou falando de nomes como Cecília Lemes (a dubladora da Chiquinha), Guilherme Lopes (o dublador do Plankton de Bob Esponja e do Mr. Satan de DBZ) e Fabio Lucindo (o dublado do Ash de Pokemon). É só camisa pesada que entorta o varal, e com certeza em 1998 não era comum jogos dublados terem ESSA qualidade na dublagem. Não era comum ou sequer feito antes. Então tanto no original quanto na versão dublada, a qualidade do produto que a Lucas Arts entregou foi como o tiozinho do Jurassic Park, não poupou despesas.
E tudo isso é elevado ao sétimo sentido quando é acentuado pela trilha sonora composta por Clint Bajakian. Isso pq o tradicional compositor da Lucas Arts (sendo ele que fez as músicas de jogos como FULLTHROTTLE e THE SECRET OF MONKEY ISLAND) se inspirou bastante nos grandes clássicos do bang-bang e se você não soubesse melhor, diria que a trilha sonora desse jogo foi composta pelo Ennio Morricone em pessoa.
Quer dizer, sério, não tem como ficar MAIS faroeste do que com uma música dessas:
Com efeito, o jogo não faz questão nenhuma de esconder suas inspirações e eu considero isso um grande acerto da empresa do Luquinhas-San. É só ver o menu de dificuldade do jogo, por exemplo:
Então suponho que todos podemos concordar que a apresentaçao desse jogo merece nota ONZE. O que é absurdamente incrível. O que é menos absurdamente incrível, entretanto... é jogar o jogo. E por isso eu quero dizer que infelizmente Outlaws tem um core bastante básico mesmo para um FPS de 1997.
Seu conjunto de armas é o mais básico que vc pode imaginar e não empolga por causa disso. Muitos FPSes mais antigos tentaram se destacar experimentando com armas diferentes e o que você pode fazer com elas, ou simplesmente adicionando uma tonelada de consequencias ridiculas aos seus tiros, como destruir o cenário, explosões ou gore até a alma.
Outlaws, por sua vez, não tem tais toques e fica no básico o tempo todo, com até mesmo uma gatling gun parecendo comum e sem peso quando disparada. Vindo de ter jogado BLOOD esses dias ainda, a falta de armas interessantes fica mais gritante ainda. No fim, vc sempre vai estar alternando entre o revólver para perto e o rifle para longe. Tem tambem uma shotgun, mas ela dispara apenas duas balas de cada vez antes de recarregar, o que significa que se você errar uma vez, você está morto.
Ah sim, o jogo tem facas, mas... é, sim, vai na fé e use facas neste jogo, eu vou apenas pegar pipoca de assistir. E a dinamite, meu Jesus de patinete turbinado, a dinamite nesse jogo... Eu só consegui matar uma pessoa com ela durante todo o jogo e essa pessoa fui eu. É ridículo, quando você joga você tem que descobrir por si mesmo onde a banana de dinamite pousou já que a coisa fica completamente invisível. A explosão também é risível e não causa absolutamente nenhum dano, a menos que ela exploda bem na sua cara - como aconteceu comigo. Destruir cenário então... kkkkkkkkkk. Acho que BLOOD me mimou demais, mas dinamite neste jogo é absurdamente inútil.
O level design também não faz muitos favores ao jogo, com algumas fases sendo muito obtusas no que você deve fazer para avançar.
A segunda fase, por exemplo, exige que você mate uma quantidade definida de inimigos antes que o chefe apareça, e o número necessário é quase todos eles. Só que o jogo não te diz isso, então vc vai passar varias horas rodando atrás de uma chave que precisa ser cavada do chão (uma mecanica que aparece essa única vez no jogo, então boa sorte adivinhando isso) para abrir quartos trancados em um hotel e matar os capangas que faltam.
Alias é muito comum vc estar em um lugar todos os prédios têm grandes janelas, então os inimigos podem atirar em você de qualquer direção mas tem muita dificuldade de atirar de volta neles. O que é pior, é que quando os chefes aparecem eles surgem do nada e te matam com um tiro, forçando você a reiniciar a fase. E quando eu digo do nada, eu literalmente quero dizer isso mesmo. Uma vez um chefe spawnou bem na minha frente quando eu matei o último inimigo e ele atirou em mim antes que eu pudesse reagir.
Sem mencionar como os puzzles em várias fases são excessivamente obscuros (embora a Lucas Arts não seja a Sierra, tem lá os seus dias puzzles indecifraveis, né SAM & MAX HIT THE ROAD), e o design do mapa é desnecessariamente complicado, sendo mais perda de tempo e busywork do que dificil realmente.
Então sendo um FPS bem medíocre a parte, a única coisa que faz esse jogo ser lembrado é realmente sua apresentação. Mesmo que o jogo em si seja beeeeeem marromenos, ele fica na sua cabeça pelas lindissimas cutscenes em pixel art, os cenários que exploram bem a temática de velho oeste (que nenhum FPS tinha feito ainda), a dublagem espetacular e a mais espetacular ainda trilha sonora do jogo.
Trilha essa que, alias, ganhou vários premios pela sua qualidade mas curiosamente na premiação da Academy of Interactive Arts & Sciences perdeu para PARAPPA THE RAPPER. You gotta believe, i guess.
Outlaws pode não ser um jogo fantástico, mas é um ótimo exemplo de como a apresentação pode tirar um jogo da mediocridade. Como jogo, é apenas vagamente aceitável, mas enquanto experiencia como um todo, é um capítulo muito interessantes da biblioteca da LucasArts.
MATÉRIA NA AÇÃO GAMES
Edição 117 (Julho de 1997)