Agora, esse é um jogo muito importante para mim. Sabe, em 1997 o Super Nintendo estava praticamente acabado e era hora de querer o videogame da próxima geração. Enfase no "querer", porque independente do que eu quisesse ou não, minha família não tinha a minima condição financeira - mas hey, uma criança tem que sonhar, não?
Tendo crescido com um famiclone e posteriormente um Super Nintendo, era dado que o Nintendo 64 seria a continuação óbvia. Porém não tinha como não notar que a cada mês o Playstation ganhava mais e mais páginas na Ação Games enquanto o videogame da Nintendo não apresentava muita coisa realmente (salvo BLAST CORPS, que como eu citei naquele texto foi o único jogo que REALMENTE me impressionou), gerando uma dúvida legitima se esse tal de Playstation não seria uma melhor opção.
E essa dúvida se transformou em certeza quando eu vi na locadora do bairro ESSA abertura:
Até onde eu pude encontrar, a capa japonesa do jogo tem mesmo essas cores estouradaças |
Infelizmente, o enredo não fica muito melhor em termos de evitar clichês ou escrita até muito mais tarde no jogo. As primeiras quinze horas do jogo especialmente são muito sem inspiração ou sem sentido. Os caras maus são maus como pica-paus porque existe a terrível força do mal que odeia o bem e quer destruir o mundo, e obviamente a terrivel força do mal tem quatro generais igualmente malignos que igualmente odeiam o bem apenas por motivos de malignidade.
Tá, verdade que dois dos generais malignos do mal tinham algum tipo de motivação, motivos esses que foram copiados na cara dura dos vilões de Jetman (cês acham que eu não to ligado nas pilantragens), mas são motivos... que não realmente dão em muita coisa senão duas cenas bem curtas e sem muita emoção.
Então o que vc faz efetivamente nesse jogo? O usual bullshit de RPGs de fantasia: os vilões precisam fazer X para ressucitar sua deusa da morte e destruição, e vc sabe desde o começo que eles vão conseguir e que vc vai ter que resolver a parada com a deusa da morte e destruição em pessoa no tapa. Ainda sim, a primeira metade do jogo inteira é dedicada a tentar proteger as estátuas que selam essa entidade (só faltou ser em um continente voador pra ficar mais FINAL FANTASY 6).
Depois disso, a segunda metade do jogo é sobre reunir mcguffins para ter o poder de derrotar o mal: adquira os espiritos dos 6 guardiões, consiga 2 malenmolengas para construir o próximo veículo que vai te deixar explorar o mapa um pouco mais, e encheções de linguiça desse tipo.
Sabe, frequentemente esse jogo é descrito como um sucessor espiritual de LUFIA 2: Rise of the Sinistrals por causa dos gráficos de Super Nintendo bem parecidos e dos puzzles nas dungeons (mais sobre isso daqui a pouco), e enquanto isso é verdade, eu achei também similar devido ao jogo ser essencialmente uma encheção de linguiça entre fetch quests e colecionar mcguffins altamente previsiveis.
Mesmo quando a trama ganha força no último quarto do jogo, grandes revelações são tratadas com muito pouca emoção, como se fosse mais uma fetch quest a ser cumprida rumo ao final do jogo. Ou este jogo foi muito mal escrito, ou teve uma tradução péssima, mas seja qual for a razão o resultado é que o jogo falha bastante em manter o interesse na trama para além de “derrotar o maligno vilão do mal que quer destruir o mundo por motivo nenhum senão que ele é maligno e do mal".
Felizmente, a jogabilidade é decente. E por "decente", eu quero dizer o padrão esperado de um RPG de 1997, com algumas exceções. Fora da batalha, cada personagem tem uma habilidade especial que pode usar bem ao estilo THE LEGEND OF ZELDA: A LINK TO THE PAST. Bombas para explodir obstáculos, hookshot para alcançar lugares ou uma varinha para falar com animais, por aí vai.
Embora eu goste dessa ideia de ganhar habilidades que permitem exploração maior, eu sinto que frequentemente o jogo parece esquecer que essas coisas existem, que o sistema não foi usado em todo o seu potencial. Eu não estou cobrando puzzles do nível ALUNDRA de explorar toda "física" do jogo, mas... c'mon guys, dava pra ter se esforçado um pouquiiiiinhozinho mais do que ISSO:
APOSTO QUE VC PEGOU UMA DUNGEON DO COMEÇO DO JOGO QUE SERVE COMO TUTORIAL SÓ PRA TIRAR DE CONTEXTO E ILUSTRAR O SEU PONTO
Então, não. Eis aqui um "puzzle" da última dungeon do jogo, a título de comparação:
Considerando como os puzzles são insípidos neste jogo, teria sido fantástico o jogo te exigir trocar personagens com habilidades únicas a cada um. O que parece ser algo que os desenvolvedores tinham mais intenções de usar, mas no final das contas não o fizeram.
O combate nesse jogo... faz o básico do básico. Ataque, magia, defesa, item, o velho ruguru sem nada de especial, como se fazia desde os dias do Nintendinho. A única coisa realmente diferente que esse jogo faz é que tem uma barra de Force que vai enchendo conforme vc apanha, o que funciona de certa forma como o FINAL FANTASY 7, com a diferença que (fora Cecilia que summona monstros com a sua Force) eles não tem ataques ou movimentos especiais interessantes. Apenas dão bonus de acuracy ou aumentam a velocidade, coisas do tipo.
Os personagens também têm habilidades diferentes na batalha. Rudy pode usar sua arma (ou ARM como o jogo afirma), Jack tem tecnicas de espada e Cecilia, como toda personagem feminina de jRPG dos anos 90, usa magia. No final das contas, é chato, mas é um chato confortável - especialmente pq o jogo não requer grinding, apenas jogar normalmente é suficiente pra terminar ele e isso sempre é uma coisa boa.
Alias, ainda enquanto estamos nisso, a taxa de encontros é bem confortável também, então kudos onde kudos são devidos. De modo geral, o combate nesse jogo não faz nada de especial, mas ele não faz nada pra te irritar também, e isso é algo que eu aprendi a nunca tomar como garantido. Cada pequena vitória é sempre uma vitória.
Claro, tem que ser mencionado que Wild Arms foi o primeiro RPG a apresentar gráficos de polígonos 3D em seu sistema de batalha. O que teria sido uma grande coisa no início de 1997, ver os gráficos de batalha em 3D já que praticamente todos os outros RPGs usavam sprites exclusivamente... não fosse o fato que FINAL FANTASY 7 foi lançado alguns dias depois desse jogo e ESBAGALHOU com o que Wild Arms faz em qualidade de gráficos. Sério, chega a ser constrangedor comparar:
Ainda sim, eu gosto do estilo da arte. O mesmo não pode ser dito dos gráficos 2D, entretanto (que são os gráficos do jogo fora de combate). Eu ia dizer que eles parecem gráficos de Super Nintendo, mas a real é que o SNES entregava gráficos muito melhores que isso nessa época, como STAR OCEAN ou TRIALS OF MANA. Não é ruim, apenas são gráficos medianos de um jogo de SNES de três anos antes.
O design de som é ... estranho. A música é muito, muito boa - se vc desconsiderar que ela não combinada com o jogo. A música temática de western é muito maneira... só o jogo não é sobre isso. É como colocar Ennio Morricone em Senhor dos Anéris: a música é boa, só tá no cenário errado.
Por outro lado, os efeitos sonoros são... bem, eles são ruins. Atingir um inimigo resulta em sons estranhos, como um miado de gato. É meio aleatório, as vezes parece que eles só abriram o MARIO PAINT e colocam os efeitos sonoros que tinha. Claro, não é nada tão estranho quanto dragões fazendo barulhos de elefante como em Suikoden, mas que parece completamente aleatório, parece.
No fim das contas, Wild Arms é a definição de dicionário de "RPG genérico", para o melhor e para o pior. É um RPG absurdamente medíocre e desinspirado, mas que nunca faz nada de errado para ser puxado abaixo da linha do "mediano" também.
E quer saber? Eu entendo pq Wild Arms é mediocre do jeito que é. De verdade.
Vc tem que entender que esse foi não apenas o primeiro RPG feito pela Media Vision (que hoje é conhecida pelo Digimon Cyber Sleuth e por ter assumido a série Valkyrie Chronicles) em 1996. 1996 é o ano de escassez terrível de RPGs no console da Sony, onde as coisas mais notáveis eram... Jesus no pogobol... BEYOND THE BEYOND e o primeiro ARC THE LAD. Nada do que o PS1 pudesse se orgulhar, eu temo.
Isso torna compreensível que a Sony quisesse RPG decente, bem basicão para manter o público japones feliz - e é exatamente isso que Wild entrega, sem tirar nem por: um RPG basicão com todos os cliches esperados, que não corre absolutamente nenhum risco mas também não comete nenhum erro (exceto a escrita/tradução).
Então se esse jogo parece muito com o primeiro RPG que os desenvolvedores fariam em um RPG Maker da vida... é exatamente isso que ele é. O que não deixa de ser um desapontamento dado que os momentos iniciais do jogo dão a entender que ele vai tentar algo novo e cativante. Não vai, e com efeito, não foi.
Então para encerrar, Wild Arms não é culpado realmente de fazer nada de errado, é apenas culpado de fazer quase tudo que você já viu antes e ser bastante mediocre em fazê-lo.
MATÉRIA NA AÇÃO GAMES
Edição 113 (Março de 1997)