Não tendo crescido com um Mega Drive (a.k.a. “tive pais que me amavam”), eu não realmente tinha ouvido falar da Treasure até recentemente.
E, bem, a julgar pelo que se lê na Internet eles são meio que a cruza de Jesus com Keanu Reeves com puppies e que todas as coisas boas da face da Terra passam pelos jogos dos jogos da Treasure exclusivos para
Mega Drive. Mas isso tem algum fundamento?
Hmmm, eu diria que sim mas não tanto quando vendem. Quer dizer, os jogos da Treasure realmente são muito mais bonitos e com controles melhores que a maioria
dos jogos de Mega Drive... o que também não é tão dificil assim, já que o Mega Drive é basicamente um Amiga recauchutado. Mas sim, eu diria que em termos de gráficos, jogabilidade
e level design a Treasure anda na mesma página que a Capcom ou a antiga Konami e isso é bom.
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A capa europeia tirou a pistolice, mas o bicho continua feio mesmo assim |
Mas é TÃO bom assim?
Eu não iria tão longe assim. MCDONALD'S TREASURE LAND ADVENTURE faz o que pode para... bem, um jogo do Mcdonnalds, não dá pra esperar muito também... e GUNSTAR HEROES ... é menos impressionante do que se alardeia pelos mesmos motivos que eu voltarei a eles nesse jogo. Dynamite Headdy é bem menos famoso que Gunstar Heroes (que está em todas as listas de
melhores jogos do Mega Drive), mas de certa forma é uma evolução dele. Eu não diria que chega a ser um “sucessor espiritual” porque as mecanicas e fundamentos são outros, mas
definitivamente você vê alguns traços de leval design da Treasure aqui bem abundantemente.
Isso sendo dito, é hora de ver qual é a desse dynamite boy, é dynamax, dynapower!
Nossa história começa... de uma forma bastante interessante, na verdade. Dynamite Headdy na verdade é uma peça de teatro e o jogo inteiro se passa em um paco, com as fases sendo outro cenário de fundo sendo baixado, as nuvens são penduras por cordas e o jogo é repleto de placas on-stage. Isso é uma sacada realmente legal.
Claro, você pode argumentar que Mario 3 já fez isso muito antes, mas eu não posso dar realmente o ponto para a Nintendo nesse daqui. Embora tecnicamente Mario 3 de fato seja uma peça de teatro (com o fim da fase sendo a saída para o backstage e os cenários pregados no fundo), o jogo não realmente explora muito isso a não ser por um gimmick visual. Tanto que foi preciso o próprio Miyamoto confirmar muitos anos depois que Mario 3 era de fato uma peça.
DH, por outro lado, realmente leva a sério a coisa de explorar essa ideia e a coisa do palco e dos inimigos serem atores é usada nas fases em várias oportunidades, tanto como piada como level design. Então essa é uma ideia criativa, eu tenho que conceder isso a Treasure.
Bem, nossa história começa com um exército de robos malignos fazendo coisas robóticas e malignas, as quais apenas o glorioso herói Dynamite Head... oh, ele já foi capturado. Ok, essa foi uma história curta...
O reino dos puppets está sendo invadido pelo evil puppet Dark Demon, que tem um metodo bastante... peculiar de invasão: as puppets cocotinhas são levadas para o Mundo Imperial dele, enquanto os puppets capturados não tão ... atraentes... são despejados num lixão. Eu não realmente tenho certeza se quero pensar nas implicações disso. E antes que você ache que eu estou pensando demais, eu preciso te lembrar que esse é um jogo japonês, então NADA está descartado.
Felizmente nosso herói consegue escapar do caminhão de lixo antes de ser incinerado pelo terrível crime de não ser um delicinha, e assim começa sua jornada de vingança e ódio contra todos aqueles que não o consideraram gostosão. Taí um herói com o qual eu posso me relacionar, eu te digo.
Eu acho legal como dá pra dizer o quanto os desenvolvedores ficaram muito orgulhosos dessa introdução, já que colocaram placas no jogo se parabenizando. Isso ae, acredite em si mesmo como a Treasure acredita nas suas aberturas!
Eu realmente acho que esse visual de peça de teatro funcionou, a ideia do seu medidor de vida ser um holofote ficou muito fofinha de orgânica.
Outra coisa que eu gostei nesse jogo é que a Treasure gastou um bom tempo introduzindo as mecanicas de jogo, e fazendo isso do jeito certo. A primeira fase, por exemplo, é basicamente só correr e pular. Nada de caixas de texto dizendo "aperte B para pular", ao invés disso eles te dão um bom espaço para você praticar e se acostumar com os controles. As próximas fases introduzirão as novas mecanicas gradualmente também, e isso é legal.
Mas não sem antes uma luta contra chefe para colocar a prova o que você aprendeu. Nada fancy aqui, apenas pular e atirar...
... enquanto o pessoal ainda tá trazendo o cenário de fundo! Vamo agilizar com isso gente, a luta já começou! Sabe, eu tenho a sensação que fui parar numa peça de baixo orçamento, não parece muito organizado isso aqui.
Na segunda fase é introduzida a outra parte do tutorial que explica... que explica... desculpem, mas eu não consigo me concentrar com esse cara olhando pra mim, claramente ele tá tramando alguma coisa e te garanto que não é nada de bom!
Bem, de qualquer forma é nessa fase que aprendemos sobre a grande mecanica diferencial desse jogo: nosso protagonista pode adquirir power ups na forma de substituir sua cabeça por alguma outra coisa - nenhuma delas é uma dinamite, ao contrário do que o título do jogo possa te feito esperar.
Isso é interessante porque aqui são 17 power ups com 17 efeitos diferentes, na verdade é bastante impressionante na realidade que tenham feito isso caber em um jogo de Mega Drive. O jogo tem mais power ups que fases, taí é algo que você não pode dizer que vê com muita frequencia... ou em qualquer outro lugar que eu lembre, na verdade.
O power up da cabeça de porco, por exemplo, faz você... disparar estrelas... porque... hã... veja, eles estão relacionados pq... okay, vou ser sincero com vocês, tem muitas dorgas envolvidas na produção desse jogo, okay? Tipo, muitas mesmo.
Além das cabeças trocaveis, a outra mecanica do jogo é que você pode arremessar sua cabeça "normal" e usa-lo como gancho para escalar paredes ou mesmo o teto, o que dá uma grande mobilidade ao personagem. Em um jogo mal feito isso seria um desastre já que em algumas partes o jogo espera que você tenha controle de onde está arremessando sua cabeça (taí uma coisa que não se diz todo dia), mas como esse é um jogo da Treasure os controles respondem tinindo e você não tem muito problema com isso realmente.
Eu particularmente gosto de jogos de plataforma que você tem alta mobilidade do seu personagem e ainda sim está totalmente no controle dele, embora eu reconheça que isso é algo muito dificil de fazer - não é atoa que
ROCKET KNIGHT ADVENTURES é um dos meus jogos de plataforma favoritos.
Outra coisa que eu gosto nesse jogo (sim, mais uma) é que enquanto existem 17 cabeças como power-ups, elas não são dispostas aleatoriamente no jogo. Não é tipo "ah, pega qualquer merda ae e foda-se", não. Cada distribuidor de power-ups tem uma pequena seleção de 3 ou 4 opções para aquele trecho do jogo, o que quer dizer que os desenvolvedores sentaram e analisaram quais power-ups poderiam ser oferecidos ao jogador naquela parte para tornar a experiencia mais interessante e ainda sim mantendo o jogo jogavel sem elas também.
Nessa luta de chefe, por exemplo, um dos power ups é o poder de parar o tempo - o que é muito util porque é a melhor forma de fazer o ponto fraco do chefe ficar parado para você dar vários hits de uma vez. Isso não quer dizer que a luta é inderrotavel se você não tiver esse power up, apenas que fica mais fácil. Mas você pode pegar qualquer um dos outros que são oferecidos durante a luta, ou mesmo nenhum.
... exceto o power up que na verdade é uma pegadinha e que transforma você nesse estereotipo racista dos anos 20 que faz o seu personagem ficar preguiçoso, lento e não pular. TREASURE WHAT?!?
THE. FUCKING. WHAT?!
Bem, na versão original em japonês do jogo, o power-up é chamado de "hotoke no kao mo ichido dake heddo", que pode ser traduzido como "Só uma vez o rosto de Buda". Isso é um trocadilho (que só faz sentido em japonês, obviamente) com um provérbio budista que diz "hotoke no kao mo sando made", que traduzido diretamente significa "o rosto de Buda mas só até a terceira vez", que é uma referencia a um conto do budismo sobre a única vez que Buda perdeu a paciencia depois que alguém enxeu o saco terceira vez dele.
Pela arte conceitual também dá pra ver que a ideia era fazer uma cara de pedra cinza, como em uma estátua, mas a paleta de cores bosta do Mega Drive faz realmente parecer que é um estereotipo racista.
Assim como em Gunstar Heroes, a Treasure conseguiu espremer alguns efeitos especiais no Mega Drive que eu não julgava serem possíveis. A terceira fase apresentava algumas plataformas pseudo-3D com inclinação, enquanto a quinta fase inteira é sobre rotacionar o plano de fundo já que ela se passa em uma torre circular. São truques bastante avançados para fazer com o hardware limitado do Mega Drive, e a Treasure consegue fazer tudo rodando fluidamente.
Agora, enquanto o level design das fases é legal e está sempre tentando fazer coisas novas - como a já citada fase na torre circular, ou então algumas fases que são shmups, talvez a sensação mais familiar que eu tive jogando esse jogo foi com... Cuphead.
Com efeito, eu diria que DH foi uma grande inspiração para o jogo de 2016 já que não tem como não reparar que a grande atração desse jogo acaba sendo as lutas contra chefes. Não que os levels não sejam bons em si - com efeito são alguns dos melhores niveis de plataforma dessa geração - mas é nas lutas contra chefes em que a Treasure realmente colocou 100% da sua criatividade.
Como por exemplo essa luta contra um boneco de palha que vai vestindo roupas diferentes da produção da peça e mudando seus poderes no meio da luta. Ou então aquele que talvez é o chefe mais iconico desse jogo, que é o chefe da sexta fase - onde você joga como um jogo de navinha.
Ok, um bebe animatronico saindo das nuvens cenográficas... o que por si só já é material para pesadelos suficiente para alguns anos de terapia, mas de alguma forma o jogo consegue ficar ainda MAIS estranho depois disso. Porque já que depois de alguns tiros no coco do bebezão nubelar, ele muda para a segunda forma do chefe...
... hã, agora ele virou um jovem mancebo-man. Uau, o que virá depois? Um tiozinho de meia idade ou...
... ow, caras, eu tava brincando. Não achei que vocês iam realmente fazer isso. Mas okay, melhor parar por aqui antes ...
É. Eles fizeram isso. Realmente fizeram isso. Dynamite Headdy é o primeiro jogo, e até onde eu saiba o único, em que você não apenas luta contra o chefe, você luta contra toda a vida dele da juventude até os seus ultimos momentos de senilidade. Pense sobre isso: tudo que esse cabeção cenográfico lembra, suas primeiras visões foram de um fantoche usando um avião como cabeça (?!?) atirando nele. Toda sua vida, das primeiras memórias até as últimas.
Eu não consigo evitar de pensar, será que ele te considera... um amigo? O único que ele já teve em todo seu ciclo de existencia, a única companhia com quem ele sempre pode contar nas horas boas e nas ruins durante sua vida inteira?
Cara, isso é... bem messed up, na real...
Ah, okay, derrotar os chefes te dá a chave deles e isso te faz ganhar um beijo soprado da Dynamite Headdete. O que é a "recompensa" por lutar contra todo o ciclo de vida do chefe anterior, é esse tipo de comportamento que os homens tem realmente: são capazes de atos de violencia indiziveis pela mera esperança de ter um lampejo de atenção de uma novinha que realmente queria só a sua chave.
Dynamite Headdy, critica social foda.
Dynamitte Headdy é um jogo muito bonito, bem pensado em level design, com mecanicas únicas exclusivas, a coisa do teatro funciona, os power ups são usados de forma inteligente, os chefes são únicos, os controles tem o padrão Capcom de qualidade... por qualquer angulo que você olhe, DH deveria ser um clássico e apontado como um dos melhores jogos da história da quarta geração de consoles... mas então porque ele é geralmente referido como uma "hidden gem"? Pq hidden se o jogo é tão bom?
Então, talvez seja surpresa pra vc ouvir isso de mim, mas... tudo mudou no dia que a Nação da Sega da América atacou.
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Na capa japonesa do jogo ele não realmente fica mais bonito, mas parece que Dynaboy já esá cheio das suas merdas |
Quando a Sega, que é a distribuidora do jogo, pos as mãos nele para lançar o joguim na América, ficou realmente encantada com a coisa boa que eles tinham em mãos. Quer dizer, qualquer um que jogue esse jogo percebe imediatamente que vai ser um hit colossal de publico e critica!
... e isso foi a ruina desse jogo. Se fosse apenas um jogo "comum", a Sega apenas teria lançado ele e estaria tudo certo. Porém como havia tanto potencial nele, isso fez o olho da Sega da América crescer e eles acharam que precisavam dar uma "melhorada" na coisa.
Mas... como você melhora um jogo que já é excelente?
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É definitivamente uma coisa muito japonesa que o NPC que te dê o tutorial se chame "Sr. Enforcado", mas a essa altura não inesperado |
Então, os Estados Unidos tinham uma realidade que não existia no Japão: locadoras de jogos. A preocupação da Sega da América era que as crianças alugassem o jogo uma vez, terminassem, e então nunca mais tocassem nele. Não, esse é um jogo grandioso, as crianças tem que querer comprar ele! E obviamente que a unica maneira de fazer isso é... fazendo com que as crianças não consigam terminar o jogo em um fim de semana.
Ou seja, a Sega da América mudou a programação do jogo e tornou ele MUITO mais dificil do que o original japonês! Bem, sim, é verdade que agora ninguém vai conseguir terminar o jogo alugando um final de semana, mas sabe o que mais ninguém vai conseguir fazer também? SE DIVERTIR COM ELE!
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É claro que um dos chefes seria uma Anabelle gigante, quem é que precisa dormir de novo né? |
Em uma das jogadas de marketing mais imbecis da história da imbecilidade (o que para a Sega, não é pouca coisa) eles cagaram de verde e amarelo um jogo que era fenomenal! Dynamite Headdy foi lançado no ocidente praticamente injogavel de tão dificil e sem continues também porque foda-se você, por isso!
Então essa é a razão que DH hoje é "hidden gem" do Mega Drive, na época todo mundo jogou a merda HECATOMBICA que a Sega fez com esse jogo e apenas deu de ombros após um fim de semana de frustração e dor. Hoje, como é muito mais fácil jogar a versão japonesa desse jogo - que alias é a versão que é vendida nas lojas virtuais - todo mundo pode jogar ele decentemente e ver que ele é realmente muito bom.
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Anunciar o seu jogo dentro do seu jogo IS TIGHT! |
Esse é um jogo que facilmente receberia um "The Best of" de olhos fechados e seria citado tão frequentemente como eu cito Rocket Knight Adventures, mas é claro que a Sega tinha que segar a porra toda e como eu joguei a versão americana dele tudo que eu vou lembrar é do que esse jogo PODERIA ter sido e não do que ele foi.
Puta merda, a Sega quando não faz na entrada faz na saída...
MATÉRIA NA AÇÃO GAMES
Edição 064
MATÉRIA NA SUPER GAME POWER
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