Durante meus anos pubescentes, devido as condições financeiras da minha família eu nunca realmente tive um Playstation 1 - eu só viria a ter um quando comecei a trabalhar, mas aí já estavamos na metade da vida do PS2. O que quer dizer que todas as minhas memórias nostalgicas de jogar PS1 vinham de locadoras de 1 real a hora, e isso sendo dito acho que um dos jogos que eu mais joguei na minha adolescencia nessas condições não foi outro que senão este "Motoras: Tu és o Boleia". Acho até mais do que de futebol, porque eu sou desses.
O que quer dizer, obviamente, que eu adorava esse jogo quando era jovem e inocente... mas até aí isso não quer dizer muita coisa, eu também adorava DOUBLE DRAGON 3 e minha nossa senhora do passaquatro molhado. Então será que Driver é realmente tudo aquilo que eu lembrava?
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Acho que esse é o único jogo de PS1 que eu lembro que a capa europeia do jogo é mais famosa que a americana |
E a resposta é não. Digo isso pq agora que eu entendo um cadinho mais sobre como jogos funcionam, os limites do PS1 e de referencias cinematográficas, eu posso afirmar que Driver é muito mais impressionante do que eu lembrava. Vamos a isso então.
A primeira coisa que Motoras chama atenção é que esse é, sem dúvida, um dos jogos mais ambiciosos do PS1. Frequentemente a série Driver é citada como o precursor espiritual dos jogos de mundo aberto 3D que GTA veio a se tornar, e isso não é sem razão porque esse foi o primeiro jogo a construir uma cidade 3D tão grande - especialmente quando o próprio GRAND THEFT AUTO era um jogo 2D.
Verdade que antes dele, alguns jogos já tinham feito cidadezinhas 3D consistentes para você dar bandinhas de carro, como DIE HARD TRILOGY e BATMAN AND ROBIN, mas o primeiro não é nem de perto tão grande quanto esse e o segundo... vamos todos concordar que é favor que se faz a humanidade esquecer que essa coisa aconteceu.
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Uma das coisas pelas quais esse jogo é mais lembrado é que você precisa fazer essas provas de direção na garagem antes de começar, e como algumas pessoas dizem que nunca passaram disso. Eu nunca achei particularmente dificil, mas o produtor do jogo Peter Hawley disse em uma entrevista nunca sonhou que isso seria um problema - "no estúdio o pessoal fazia o teste em 30 segundos, o jogo te dá um minuto e meio". Hã, essa é uma escolha de design que eu certamente não faria... |
Não, Driver tem 4 cidades bastante amplas e que são ainda mais impressionantes quanto lembramos que o PS1 tinha miseros 1MB de memória RAM, então a velocidade que o processador vai montando o cenário (já que não dá pra deixar muita coisa pre-pronta já na minuscula memória RAM) de uma cidade tão grande é nada senão um fodendo milagre, ainda mais uma em que todo o ponto é dirigir o mais rápido possível através dela.
Isso por si só já seria bastante impressionante, mas então calha deste ser o jogo de corrida mais bonito do PS1 até ntão - tem isso também. Tá, segundo mais bonito pq afinal GRAN TURISMO já existia, mas ainda sim os efeitos iluminação e clima nesse jogo são estupendos para um jogo que já está tirando o couro do processador do PS1 apenas por ir montando a cidade conforme você avança.
Especialmente as fases que são durante a noite ou na chuva são de uma direção artistica impressionante para um jogo de PS1 de 1999 - especialmente um que não tinha o orçamento de uma Sony por trás como foi GRAN TURISMO, foi tudo em escolhas estéticas de cores e iluminação mesmo.
Por isso que eu disse que hoje, quando eu entendo um pouco mais sobre programação e sobre os limites do PS1, esse jogo fica muito mais impressionante do que eu achava em 1999... só que isso é apenas parte do motivo.
A outra razão é que hoje eu entendo uma coisa que eu não fazia a mais remota ideia na época: sua temática. Driver não é apenas um jogo sobre "fazer missões para os bandidos" (mais sobre isso daqui a pouco), é um jogo que mira um feeling bastante específico.
E que feeling é esse? É se inspirar nos grandes filmes de perseguições de carros dos anos 60/70 (sim, se vc acha que as pessoas pagarem pra ver carros fazerem altas patifarias no cinema é algo que nasceu com Velozes e Furiosos, saiba que esse genero é bem mais antigo do que imagina nossa vã filosofia). Driver é muito inspirado em filmes como Bullit, The Italian Job e The French Connection - com efeito, uma das missões de Driver é justamente seguir um trem elevado exatamente como na cena de The French Connection:
HÃ, TÁ, BACANA, MAS O QUE TER CUTSCENES INSPIRADAS EM FILMES ANTIGOS TEM DE IMPORTANTE?
Nada, realmente. O jogo tem sim cutscenes inspiradas nesses filmes e tem vaaaaaarias delas, e até digo que são boas cutscenes, mas... honestamente, elas não são importantes. Quero dizer, elas são legais e tudo mais, mas elas são a cereja do bolo, apenas um complemento que está mais ali para bonito do que qualquer coisa.
A parte que a inspiração dos filmes realmente importa não é nas cutscenes ou na história do jogo, e sim que toda jogabilidade foi projetada para emular cenas desses filmes. Então espere muito drift, muito carro saindo de lado e altas perseguições que resultam em batidas espetaculosas!
Hã, tá, nos filmes não eram tão espetaculosas assim...
Diferente do que era o habitué em jogos de corrida, a fisica aqui foi intencionalmente projetada para favorecer derrapagens e gerar cenas bastante cinematográficas. O que na imensa maior do tempo funciona, verdade que não é tão dificil assim você perder o controle do seu carro e ter a sensação que está jogando um jogo de rally numa pista de sabão, mas a Reflections acertou a mão aqui e mais sim do que não você tem um controle razoável do que está fazendo.
O que nos leva ao outro ponto importante: o que você está fazendo. Nossa história aqui é que você John Tanner, o melhor motorista da polícia e por isso mesmo foi escolhido para se infiltrar no crime organizado e chegar até os cabeças da organização pra por todo mundo em cana.
E como ele faz isso? Usando suas MAD DRIVING SKILLZ para ganhar a confiança dos bandidos e ir subindo no crime até poder saber quem é o chefão e o que ele está tramando. Ou seja, você vai jogar como um motorista dos bandidos e fazer coisas que se espera que um motorista de criminosos faça: pegar os manos no meio de um assalto e sair cantando pneu com a policia atrás de você, entregar contrabando dentro de janelas de tempo apertadas (tenho certeza que os criminosos do mundo real fazem isso o tempo todo), fazer alguém que se estranhou com a mafia "sofrer um acidente de transito" e coisas assim.
O que me leva a questão que a policia nesse jogo tem uma IA muito interessante: em algumas missões a policia apenas te persegue como script da missão - tipo pegar seus brothers assaltando um banco e vazar, é, eu suponho que a policia não precise de motivos pra ir pra cima de vc - mas em outras eles só te perseguem se você der algum motivo. Seja estar com o carro detonado, passar sinal vermelho, ficar trocando de faixa como um lunático, acelerar a um bilhão por hora, etc.
Isso é interessante, pq permite que você possa escolher não triggar a policia apenas andando normalmente e respeitando as leis de transito. O problema, no entanto, é que não é sempre que você tem o tempo necessário para se dar ao luxo disso, então o jogo aqui é uma escolha: você pode tentar gastar um tempo (que você nem sempre tem) para enganar a policia, ou meter o foda-se e tentar despistar eles na unha mesmo.
O mesmo vale para as rotas: o jogo te dá um mapa da cidade de modo que você pode planejar seu caminho, sabendo que se você pegar avenidas largas e ruas principais você vai mais rápido em linha reta... mas a policia pode fazer barricadas, ou você pode tentar a sorte quebrando as esquinas da cidade a um bilhão por hora (sendo que os postes não são destrutíveis aqui como em GTA, então bater tem graves consequencias).
Isso te dá algumas escolhas e é o que impede que o jogo se torne repetitivo, não é apenas ir do ponto A ao ponto B no menor tempo possível, é sobre fazer escolhas de que ruas você vai pegar e como você vai lidar com a policia. Some a isso que Driver não é um jogo tão longo e que você não faz todas as missões em um único gameplay (algo que eu não fazia ideia quando joguei esse jogo em 1999, mas a secretária eletronica na verdade é para você escolher uma de duas missões disponíveis), some tudo isso e Driver nunca realmente overstay its welcome, como dizem os gringos.
Verdade que o jogo fica um pouco repetitivo e difícil como uma caceta selvagem aquática bem rápido, mas então ambas as coisas são traços de design que costumavam ser muito mais comuns naquela época.
Enfim, minha revisita a Driver acabou se provando mais feliz do que eu poderia esperar que ela fosse, hoje eu sendo plenamente capaz de entender a maravilha técnica que ele foi na época, assim como apreciar um jogo que emulasse a sensação dos filmes de perseguição de carros dos anos 70 tanto em atmosfera quanto na própria jogabilidade foi um acerto muito feliz da Reflections.
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