domingo, 15 de dezembro de 2024

[#1368][Jun/1999] APE ESCAPE


Em 1999, a Sony estava bastante certa que o futuro dos videogames envolvia o uso de controles analógicos - ao invés de apertar um botão, você deslizaria seu dedo para mover o boneco, a camera ou fazer o que quer que fosse. Eles sabiam disso pq foi um dos grandes fatores que deu super certo no Nintendo 64... apesar da bizarrice do seu controle... foi que controles assim permitiam uma jogabilidade mais fluída, especialmente para jogos 3D.

Ciente disso, a Sony desenvolveu um novo controle analógico que não apenas seria o padrão de fábrica do futuro Playstation 2, como em dado ponto passou a ser o controle padrão que vinha com os modelos mais recentes do PS1 mesmo.


Como a história prova, a analise da Sony estava correta: os controles com analógico não eram apenas o futuro dos videogames, 25 anos depois eles ainda são o presente e bem pouca coisa mudou realmente de lá para cá.


Porém um ponto pouco lembrado da história é que em algum momento, em algum dia especifico esse ponto de corte teve que ser feito. Para um jogo utilizar as duas alavancas analogicas perfeitamente (o que hoje é utilizado principalmente para mover o personagem com uma e a camera com outra), ele teria que ser desenhado assumindo que o jogador tenha tal controle - não tem como usar essa opção extra e ao mesmo tempo enjambrar para funcionar em um controle com 8 opções de entrada de comandos a menos.

Hoje, como eu disse, isso não é sequer uma questão, esse é o padrão da indústria a decadas, mas então algum dia teria que ser o primeiro dessa nova era e marcar o fim da linha e dizer claramente: "esse jogo exige controle analógico, sem ele não vai rolar e acabou". Essa não é uma decisão que a Sony queria tomar bruscamente, alienar quem tinha o modelo antigo de controle é alienar vendas e isso não é desejável.


Como de costume, a capa japonesa é mais fofeeenha, e não tem foco no MACACO COM A METRALHADORA. Por outro lado, tem um destaque maior no dualshock na contracapa

Dessa forma, a Sony decidiu ser cautelosa com isso e testar as águas com um joguinho que exigisse o uso de controle analógico: se ele vendesse bem, então o mercado estava mais que aceitando ter que comprar um controle novo para jogar os jogos e podiam meter pau na casa de máquinas para esse ser o padrão. O que nos leva então ao jogo de hoje e o motivo de eu ter contado todo esse contexto, pq Fuga dos Primatas é essa demo tecnica criada especialmente para mostrar as funcionalidades e vender o controle analógico do PS1.

Então a pergunta que realmente cabe aqui é: e aí, o jogo cumpre ao que ele se propõe a fazer? Ou ele é um bom jogo, pelo menos? E a resposta para essas perguntas são "não" e "sim".

Vamos então começar do começo: Ape Escape é um jogo de plataforma 3D em que você precisa - como era costuma na época - coletar coisas. No caso aqui as coisas a serem coletadas são macacos, já que a história é que um dos macacos de um parque de diversões conseguiu um capacete que aumentava sua inteligencia, o que ele usou para criar outros capacetes iguais e assim todos os macacos do parque irem full Planeta dos Macacos e se rebelarem... então é seu dever acabar com a liberdade dos macacos e faze-los voltarem a ser animais em cativeiro explorados para o entretenimento dos humanos.

Espera... o que? Meio que o nosso personagem nessa história não é o vilão da coisa toda quando vc pensa sobre isso?


Bem, essa não é uma questão que o jogo se aborda em pensar a respeito pq, como eu disse, é um jogo feito para vender controles analógicos, porém fica aí a reflexão de que todo vilão se acha o herói da sua própria história. O que o jogo se importa em abordar, entretanto, é que para fazer isso nosso cerceador de macacos Spike usará 8 gadgets diferentes, todos os quais usam de uma forma ou outra o controle analógico para funcionar. E é aqui que as coisas começam a ficar esquisitas.

Vamos lá: o controle analógico esquerdo é ótimo - ele controla o movimento de Spikes e permite que ele se mova em várias velocidades e até mesmo se esgueire, já que alguns macacos requerem furtividade para serem capturados. O problema está no analógico da direita: em vez de apenas mapear o botão analógico direito para a câmera, eles o usam como um botão radial de "ativação de gadgets". Portanto, para disparar a rede de captura ou ativar o bambolê, você precisa mover o analógico de uma maneira específica, em vez de apenas apertar um botão. A câmera está no D-Pad.

O esquema do controle então funciona assim:


HOLYMOMOLI POUTA QUE O PAREO, isso é o sistema de controles mais bizarro que você já viu na vida ou o que? E acredite em mim quando eu digo que na prática, em um jogo de plataforma 3D esse esquema de controles consegue ser ainda mais desconfortável do que parece. 

Isso pq em um jogo de plataforma 3D, você quer ajustar a câmera de maneira fácil e rápida - algo que hoje consideramos apenas esperado em todos os jogos de plataforma e jogos de tiro em terceira pessoa. Mas em 1999, eles não tinham muita experiência na qual se basear, não havia um consenso de como controlar a camera em um jogo: SUPER MARIO 64 usava os botões C-amarelos do Nintendo 64, SPYRO THE DRAGON usava R1 e L1, TOMB RAIDER tentava centrar automaticamente nas costas da personagem e por aí vai.


Então o problema não é Ape Escape não seguir um padrão pq não existia nenhum padrão naquele tempo, o problema é que isso não muda o fato que você não tem três polegares (ao menos não na versão do jogo vendida fora de Chernobill), mas precisa de três para jogar este jogo confortavelmente. Você precisa ajustar a câmera, controlar seu personagem e usar seus vários ataques e dispositivos - mais sim do que não, tudo ao mesmo tempo. 

De três coisas, vc só pode fazer duas ao mesmo tempo: andar, ajustar a camera ou ativar poderes. Os jogos atuais entenderam que o mais urgente é andar e ajustar a camera ao mesmo tempo - o que te permite evitar tomar dano e mirar, e só então vc ativa seus poderes. Com a câmera no D Pad, como Ape Escape faz, a única maneira de ajustar a camera é abandonar completamente o controle do seu personagem, o que é pavoroso em um jogo sobre navegar em um espaço 3D - especialmente pq os inimigos não esperam por você arrumar sua visão enquanto vc está parado, suponho que eu nem precisasse ter que explicar isso.


Ou seja, andar e ajustar a camera - que deveria ser algo tão natural quanto respirar para um jogo 3D funcionar bem - não funciona bem por causa dessa escolha esquisita de controles... só que fica pior ainda quando você vê COMO você ativa os poderes.

Não deveria ser complicado, sabe, pq desde o primeiro Zelda do Nintendinho isso já foi resolvido: você mapeia um poder ou uma arma para um botão, aperta ele e usa o negócio, não é complicado. Tipo você coloca o radar para ativar com o botão O, o estilingue para atirar com o X e por aí vai, o que tem de dificil nisso?


Então, tem que AE faz ser incrivelmente mais dificil do que precisava ser, saiba você. Funciona assim: você mapeia o estilingue para o botão X, por exemplo. Aí quando você aperta o X, vc SELECIONA o estilingue, mas na verdade dispara usando o analógico da direita. A mesma coisa para o bambolê: você mapeia para o botão O, digamos, então apertar O apenas SELECIONA o item e com ele selecionado vc tem que usar o analógico para ativar.

Mas calma que piora: isso porque alguns gadgets são bastante simples e intuitivos de usar, tipo o porrete de stun, basta selecionar ele e o lado que vc apertar o analógico da direita seu boneco vai dar uma porretada naquela direção, super simples. O carrinho de controle remoto, uma vez selecionado, vai na direção que vc mover o analógico da direita, mais simples ainda. Entretanto, nem todos são simples assim: o bambolê, que é o item que te faz usar dash (não pergunte pq o bambolê é o item que te faz correr) ativa com vc girando o analógico da direita em sentido horário repetidas vezes.


Agora eu quero que você visualize a seguinte cena: você está sobre uma ponte que desaba e a única forma de atravessar ela é você correr. Então vc precisa mover seu boneco (com o analógico da esquerda), ajustar a camera enquanto faz isso (com o D-Pad) e ir girando o analógico da direita em sentido horário para ativar o bambolê.


Jesus das carambolas molhadas, precisava mesmo ser TÃO complicado assim? Eu preciso MESMO ter uma enfizema cerebral pra atravessar um negócio correndo? E vou te dizer que mapear o pirocoptero (que te faz dar saltos mais altos e alcançar plataformas antes inalcançáveis) com o mesmo esquema de girar o analógico ENQUANTO você tem que fazer pelo menos outras duas coisas (as vezes vc tem que mirar o seu tiro no meio do combate também, aí já são três) torna esse cenário ainda mais frequente.

Tá, caras, eu entendo, vocês precisavam vender o analógico de alguma forma e por isso mapearam para ele funções que seriam facilmente feitas apenas apertando um botão - não muito diferente do que viria a acontecer com o Wii e os controles de movimento, alguns anos mais tarde. Mas então se vocês querem me convencer que os controles analógicos são uma coisa boa, que são o futuro... esse jogo tem o efeito exatamente oposto, se eu conhecesse os analógicos por essa monstruosidade de esquema de comandos eu ficaria traumatizado pelo resto da vida!

E meu deus, eu não vou nem começar com as sessões do bote onde cada analógico deveria representar um remo e... meu deus, se isso não te fizer atirar o controle pela janela, nada mais o fará!


Mas sabe o que é pior? Sabe o que é realmente o pior nisso tudo? É que se você deixar esses controles desenhados por cientistas malignos da NASA de lado... Ape Escape seria um dos melhores jogos de plataforma 3D feitos até então, pau a pau com SPYRO 2: Ripto's Rage! Sério!

Primeiro, a própria natureza da jogabilidade é extremamente viciante. Cada nível tem um número necessário de macacos para capturar enquanto você explora - que varia entre 3 nos primeiros a 15 nos níveis finais. Só que cada fase tem mais macacos para capturar do que o necessário, o que significa que o jogo não trava seu progresso ao mesmo tempo que te deixa com vontade de voltar ali posteriormente com novos gadgets para pegar os macacos que ficaram faltando.

Pegar os macacos é um jogo dentro do jogo, e sua própria atividade-fim bastante divertida. Isso pq há um total de 204 macacos soltos em Ape Escape e todos eles têm características diferentes com base na cor de suas calças, sendo alguns extremamente agressivos com armas ou rápidos em fugir. Para evitar que eles atirem você (pq são macacos com metralhadoras, fuck yeah!) ou pior ainda, que saiam correndo, você quer fazer o melhor uso possível dos seus gadgets para se esgueirar e pega-los de supresa ou encurralar eles, e existe uma certa dose de estratégia nisso.


Fora pegar os macacos, você pode desbloquear minijogos encontrando Spectre Coins em cada nível (moedas grandes que normalmente ficam escondidas ou exigem um pouco de pensar fora da caixa para serem encontradas), depois de ter um certo número de Spectre Coins, você pode jogar uma variedade de minijogos, incluindo Monkey Skiing, Monkey Boxing e Monkey UFO - todos eles usando os analógicos de formas bem mais divertidas que no jogo principal, diga-se de passagem.

Então somando um level design interessante, colecionaveis viciantes com uso inteligente dos gadgets e todo o valor de produção do orçamento da própria Sony por trás, Ape Escape seria facilmente lembrado como um dos melhores jogos de plataforma 3D de todos os tempos...

... exceto que ele foi criado para ser uma tech demo dos controles analógicos, e escolheu justamente a pior forma concebível pelo homem para fazer isso. Me lembra um pouco ETERNAL CHAMPIONS que foi absurdamente podado para acomodar ser uma propaganda do Sega Activator, porém aqui dezenas de vezes pior dado que esse jogo seria uma verdadeira obra-prima de outra maneira!

MATÉRIA NA AÇÃO GAMES
EDIÇÃO 140 (Junho de 1999)


EDIÇÃO 142 (Agosto de 1999)


MATÉRIA NA SUPER GAME POWER
EDIÇÃO 064 (Julho de 1999)


EDIÇÃO 065 (Agosto de 1999)


MATÉRIA NA GAMERS
Edição 042 (Julho de 1999)