quarta-feira, 25 de dezembro de 2024

[#1374][Ago/1999] LEGACY OF KAIN: Soul Reaver

Durante a quinta geração de videogames, foi um problema muito comum a diversas franquias a dúvida sobre como fazer a passagem dos jogos 2D para ter títulos em 3D - problema que foi respondido do mais absoluto sucesso com jogos 3D fenomenais que mantinham o espirito da coisa porém em um novo gameplay como THE LEGEND OF ZELDA: Ocarina of Time até acidentes de trem radioativos que se tornaram piada até o fim dos tempos, como SUPERMAN: The New Superman Adventures.

Isso sendo dito, existe uma franquia bem curiosa nesse sentido: o Legado de Kain é uma franquia que todo mundo lembra dos jogos 3D bem sucedidos, mas é muito raro lembrar que ela nasceu como um jogo 2D com visão de cima bem marromenos. Tal qual aconteceu com GRAND THEFT AUTO, o primeiro jogo da franquia foi um jogo de ação com visão de cima de 1996 que nem tanta gente assim jogou e a franquia só realmente entrou para os anais dos videogames com sua rendição em três dimensões.

Mas vamos começar do começo, Blood Omen: Legacy Of Kain é um jogo com uma trama bastante rica até, saiba você. No inicio dos tempos no mundo de Nosgoth, haviam três raças: uma raça de seres alados angelicais que eram a manifestação mundana e servos do Deus Ancião, os Hylden igualmente poderosos que eram o oposto dos seres angelicais (meio que os demonios desse mundo)... e os humanos.

Só que não é exatamente como se os Hylden fossem maus por serem maus, a coisa é que o Deus Ancião controla a Roda do Destino, o ciclo de vida e morte onde o destino de todas as criaturas já está escrito, e os Hylden se opunham a essa falta de livre arbitrio

Isso desencadeou uma guerra entre eles e os seres celestiais, com os celestiais vencendo mas não sem antes os Hylden usarem magia negra pesada para amaldiçoa-los. Os celestiais então foram condenados a nunca mais poder poderem ser tocados pela luz do sol, agua corrente ou fogo - os três elementos puros do mundo - e a só poderem se alimentar de sangue. Ou seja, viraram vampiros.

Blood Omen: Legacy of Khain (PS1, 1996)

A parte mais importante da maldição, entretanto, é que os vampiros seriam imortais (no sentido que eles não envelheceriam e teriam mortes naturais, eles ainda podiam morrer por luz, fogo ou agua).

HÃ, COMO EXATAMENTE TORNAR SEUS INIMIGOS EM IMORTAIS CONFIGURA EM UMA MALDIÇÃO? QUER DIZER, VOCÊ APENAS NÃO TORNOU ELES MAIS FORTES?

Então, normalmente sim. Só que ao torna-los imortais você os retira da Roda da Vida, com eles não mais morrendo e renascendo naturalmente, você os torna uma abominação para os olhos do Deus Ancião e essa foi a verdadeira maldição dos Hylden: os antigos celestiais seriam agora objeto de nojo pelo deus a quem serviam.


Para selar os Hylden no inferno, os antigos celestiais (agora vampiro) haviam criado 9 pilares mágicos ligado aos 9 elementos que constituem a existencia:  a Mente, o Espaço, o Tempo, o Conflito, a Natureza, o Equilibrio, a Enegia, a Matéria e a Morte. Quando os celestiais viraram vampiros, o Deus Ancião então se virou para os humanos e atiçou os humanos numa cruzada contra os Vampiros para que eles tomassem os pilares para si e levassem os vampiros a beira da extinção.

Explorando as fraquezas dos vampiros, um inquisição sagrada dos humanos em nome do Deus Ancião teve inicio e os vampiros foram quase extintos de Nosgoth, os humnos tomaram controle dos 9 pilares e por um tempo foi bom. Por um tempo.


Suponho que eu não precise dizer que os poucos vampiros que sobreviveram não levaram o desprezo do Deus Ancião de boa depois de tudo que eles tinham passado justamente lutando por ele, e tramaram sua vingança. Lentamente e insidiosamente, as mentes e corações dos guardiões humanos dos pilares foram sendo envenenados e corrompidos.

O estopim que deflagra essa era de trevas é quando a guardiã do pilar do equilibrio, Ariel, é assassinada e seu amante, o guardião do pilar do conflito, enlouquece com a perda e inicia uma guerra contra o reino inteiro da onde o assassino supostamente seria oriundo. Isso levou a uma guerra civil entre os guardiões dos pilares, alguns se aliando a reinos humanos para tentar impedir uma guerra generalizada em toda Nosgoth, outros se aliando justamnte para tacar fogo no parquinho

O que é exatamente o que os vampiros queriam.

No meio dessa putaria de guerra e os guardiões dos pilares se traulitando entre si, acontece então que o jovem nobre Kain é morto por saqueadores nessa terra sem lei. Ele então é ressucitado como vampiro por um vampiro chamado Vorador, que lhe diz que a corrupção dos pilares foi responsável pelo estado em que as coisas estão. O então agora vampiro Kain decide se vingar daqueles responsáveis por sua morte e parte pra ultraviolencia contra os guardiões dos pilares e quem estivesse se aliando eles - esse é o jogo  Blood Omen - Legacy Of Kain, onde Kain obviamente é o protagonista.

No final do jogo, após matar todos os guardiões remanescentes, Kain descobre que a sua morte não havia sido aleatória: pela sua linhagem ele estaria a ser destinado a ser um dos guardiões dos pilares, o pilar do Equilibrio. Mas com todos os guardiões mortos, agora ele tinha duas escolhas, a primeira ele poderia se sacrificar-se a si mesmo porque com todos os guardiões mortos a Roda da Vida poderia girar e o Deus Ancestral escolheria novos guardiões do zero, purificando assim os pilares e trazendo equilibrio e paz novamente a Nosgoth...


... ou ele poderia apenas dizer foda-se essa merda, eu vou é mandar nessa porra como único pilar dessa merda e quem não gostou vem pro X1 com o pai. Em  Blood Omen - Legacy Of Kain você pode escolher qualquer um dos dois finais, mas o final canonico - o que é considerado para a continuação - é que Kain mandou um "tomate cru é vitamina, como tu e tua prima" pra tudo e sentou no trono como Senhor do Mundo e foda-se. Fim.

Incontáveis séculos se passam e agora estamos em LEGACY OF KAIN: Soul Reaver. Com os pilares jamais tendo sido restaurados, Nosgoth se tornou uma terra estéril e de morte. Entretanto para impedir que os Hylden voltassem do inferno, era necessário que houvessem pilares, ao que Kain resolveu de uma forma particularmente ardilosa: ele ressuscitou 8 cadáveres como vampiros e os incumbiu como guardiões dos pilares.


Apenas pq ele é afrontoso, Kain escolheu justamente os mais honrados cavaleiros Serafans - a tradicional ordem de caçadores de vampiros de Nosgoth - para transforma-los em vampiros, os adotando como seus filhos e distribuindo o reino como feudos para eles admnistrarem. E por um tempo funcionou.

Até o dia em que um dos seus "filhos", Raziel, cometeu o terrível pecado de evoluir antes dele. Isso pq com o passar dos séculos, Raziel desenvolveu asas exatamente como eram os celestiais antes de serem amaldiçoados com o vampirismo e Kain percebeu imediatamente que Raziel de alguma forma estava retornando a uma forma mais pura da sua espécie.

Imediatamente ele ordenou que seus outros filhos o atirassem no Lago dos Mortos, onde ele ficaria preso no limbo entre a vida e a morte por toda eternidade. Os irmãos de Raziel obedeceram sem questionar, o que despertou nele o sentimento é "ah é seus cuzão, deixa só eu sair daqui pra cês verem uma coisa então, bando de cretino..."

Após alguns bons séculos no fundo do Lago dos Morto sem tormento, Raziel só sai de lá com a interferencia do próprio Deus Ancião. O Elder God diz que a coisa saiu completamente do controle: Kain e sua prole tomaram controle tomaram conta de toda Nosgoth e transformaram o reino inteiro ou em vampiros, ou em carniçais. Logo, não há mais vida ou morte no reino, apenas um perpetuo estado de undeath e a Roda da Vida não mais gira.


Ele então liberta Raziel do fundo do lago pra que ele ponha fim a essa putaria, e Raziel mais do que concorda em voltar pra chamar na xinxa seus irmãos que o trairam, mas especialmente amoentar Kain na porrada. Especialmente porque após todos esses séculos sendo atormentado no fundo do Lago dos Mortos fez Raziel transcender a sua condição vampirica: sangue não o alimenta mais, sua fome agora evoluiu para ser saciada apenas consumindo almas inteiras.

Raziel agora não é mais um vampiro, ele é um Tomador de Almas. Ou "Soul Reaver", para os íntimos.

Como dá pra ver, a série Legacy of Kain tem um lore muito rico (e isso que eu resumi muita coisa, tem até viagem no tempo) e a sacada de transformar o protagonista do primeiro jogo em vilão do segundo foi bastante feliz. Com efeito, esse é um dos jogos em que a história não é apenas encheção de linguiça, mas sim que você quer ver onde isso vai dar - algo até certa forma rara nessa época ainda.


Mas tá, excelente lore a parte, e o joguim em si, apertar os botões pra fazer pof-soc-pow, como é que é? Bem, a respeito disso, o que eu posso dizer é que o gameplay de Soul Reaver é tão ambicioso quanto o seu lore... o que rodando no limitado hardware do PS1 funciona tanto para melhor, quanto para pior. Vamos a isso então.

Como eu disse, desse jogo para o anterior não mudou apenas o protagonista mas todo o estilo de gameplay: em vez de ser apresentado na visão aérea, este jogo mudou para uma perspectiva de ação em terceira pessoa. Soul Reaver também se concentra menos em combate hack'n slash aleatório e mais em resolução de quebra-cabeças. Nesse aspecto, ele lembra muito outros jogos da época, como TOMB RAIDERCASTLEVANIA do Nintendo 64 ou mesmo (em menor extensão), THE LEGEND OF ZELDA: Ocarina of Time

Um grande diferencial do combate desse jogo, que o torna único mesmo até os dias de hoje, é que como a maioria dos inimigos encontrados em Soul Reaver são mortos-vivos ou algum tipo de vampire-spawn, simplesmente espancá-los até eles virarem sopa não é o suficiente para derrota-los. 


Uma vez derrotados, os corpos devem ser queimados, afogados, empalados ou expostos à luz do sol para serem definitivamente destruídos - o que pode ser feito literalmente pegando os corpos e arremesando eles no fundo de rios, contra espinhos ou no fogo.

Infelizmente os controles desse jogo são pavorosamente duros e travados, de modo que essa ideia que soa muito maneira na teoria é apenas sofrimento e dor na prática. Honestamente o melhor que você deseja é sempre estar com a sua vida cheia pq a partir de determinado ponto do jogo aí Raziel consegue manifestar a espada Soul Reaver que despacha inimigos imediatamente. Porém como ela só ativa com a barra de life cheia, é um eterno temor tomar um único hit que seja dado que despachar os inimigos das formas "normais" é um saco devido aos controles terríveis.

E se o combate não é muito divertido pq seu boneco é lento e parece pesar 487toneladas para virar, você pode imaginar que e exploração não tem muito mais sorte que isso. Isso porque somados aos controles bem duros, ainda temos o problema de uma câmera bastante desajeitada e e que tem um tesão indescritível de ficar DE FRENTE pra você.


Tá, eu sei, cameras em jogos 3D nessa época eram todas meio ruins, mas a Soul Reaver parece fazer de sua missão de vida garantir que você nunca veja claramente para onde está indo e o Deus Ancião a proíba de mostrar para onde você está pulando.

Isso seria mais fácil de tolerar se os locais e o mundo em si fossem mais interessantes, mas aqui está a coisa - apesar de ser um mundo enorme e ambicioso em tamanho, essa ambição não se estende em criatividade. Em Soul Reaver a paleta de cores é bem monóton, com tudo sendo de alguma variaçõ de marrom-cinza, ruínas com aparência semelhante em todos os lugares e o mundo espiritual ainda mais apagado.

Sim, eu entendo que a ideia era representar um mundo decadente e em ruínas, mas a melhor intenção do mundo não muda muito o fato que todos os lugares parecem mais ou menos o mesmo - e o que é especialmente problemático já que como o jogo não te dá um mapa, você só conta com sua memória para lembrar onde tem que ir... e como tudo parece mais ou menos a mesma coisa, bem, isso é um problema.

Digamos, por exemplo, que você resolveu um puzzle e a cutscene mostra uma porta abrindo. Onde fica essa porta? Boa sorte pra lembrar, pq como eu disse tudo mais ou menos parece a mesma coisa. Pior ainda é que cada vez que você derrota um chefe, recebe um power up novo.

Por exemplo, derrotar seu irmão Zephon - o Senhor das Aranhas - você ganha a habilidade de escalar paredes. Cool. Só que não é qualquer parede, são paredes bem específicas que tem essa textura: 

Menos cool. Agora... onde foi que você viu uma parede dessas mesmo? Boa sorte tentando lembrar isso, pq o mundo do jogo é absurdamente gigantesco:

Ilustração feito por fãs na internet, o jogo em si não de tá mapa nenhum

Isso é bem menos cool, eu te digo. Veja, eu gosto da ideia do jogo ser um metroidvania 3D e você usar seus novos poderes para ir para lugares que não podia ir antes, mas o jogo faz um péssimo, péssimo trabalho de te apontar uma direção - a ideia é meio que "ah, vai andando aí, uma hora tu acha". Eu sei que não era totalmnte sem precedentes um jogo fazer isso em 1999, mas não era realmente divertido na época e não ficou mais divertido de lá pra cá.

Isso fica pior ainda não apenas o mundo jogo é gigantesco e vc tem que memorizar todo ele, como na verdade ele tem o dobro de tamanho: você alterna entre o plano e o mundo espiritual nesse jogo, e na maior parte do tempo eles são iguais. Porém em alguns ponto muito especificos, a geografia do mundo espiritual é diferente do mundo fisico - o que resulta que se você ficar trancado sem saber para onde ir, algo que constitui 83% da sua experiencia no jogo, o que você tem que fazer é repassar o mapa inteiro tanto na versão fisica quanto no mundo espiritual.

Pq, vc sabe, fun.

Sabe, Rahab, pra alguém que toma tanto dano de luz solar, talvez vc devesse pensar em ter menos janelas na sua cripta. Não que eu seja um especialista nem nada, apenas dizendo...

Então, no fim do dia, eu gosto muito mais da ideia de Soul Reaver do que jogar ele em si. O lore do mundo é fantástico, ver como os irmãos de Raziel se tornaram aberrações corrompidas quase um milenio depois é muito interessante e a inegavel sensação darksouliana de chegar tarde demais para salvar um mundo que é uma casca vazia do que já foi um dia é uma atmosfera incrível.

Pena que isso venha associado a um combate que o melhor que você faz é evitar, uma camera que te odeia ativamente e uma exploração que depende de enxergar texturas em paredes cinzentas ou marrons nos gráficos do PS1. 

Não vou negar que é um jogo realmente ambicioso para sua época - qual outro jogo oferecia mudança de reino em tempo real, trilha sonora dinâmica, dublagem profissional e o protagonista com o visual mais maneiro ever? Nenhum. Entretanto tenho que notar que o hardware do PS1 não estava realmente pronto para o tamanho da coisa que eles tinham em mente - e era pra ser maior ainda, os relatos de conteúdo cortado mostram mais de 9 mapas que não chegaram a versão final do jogo.

A boa notícia é dizem que que Soul Reaver 2 mantém o que é interessante aqui, mas é uma melhoria em todos os aspectos. Muito mais bonito, muito mais focado na história, melhores controles, melhor combate. Porém, se isso é verdade, isso é algo que ficará para ser visto no futuro.

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