Faz mais de uma década que eu não assisto os Simpsons, mas na época que eu assistia os episódios que eu mais gostava eram os que olhavam dentro da própria essência de nossas almas de classe média ocidentais e faziam piada com verdades que todos sabemos que estão lá, mas ninguém comenta sobre o assunto. Claro que hoje eu sei que SOUTH PARK faz isso muito melhor, mas de toda forma alguns dos meus favoritos são como o do carro "The Homer".
Em 1991, logo, na segunda temporada da série, tem o episódio "Oh Brother Where Art Thou" em que Homer descobre que tem um meio-irmão perdido Herbert Powell (dublado por Danny Devito) que por um acaso é um magnata da indústria automobilística.
Mas você sabia que os videogames já tiveram o seu "The Homer"? Essa é a história que contaremos hoje
O ano era 1999 e a SEGA sangrava dinheiro por todos os poros, especialmente após o conturbado ciclo de desenvolvimento do Dreamcast (conforme eu já contei A HISTÓRIA DO DREAMCAST) e nada do que eles faziam dava retorno suficiente. Bem, em grande parte era porque eles não faziam muitas coisas direito, mas outra parte era porque a sequencia de erros da Sega nos anos 90 levou a um buraco que honestamente, nada humanamente possível de ser feito daria retorno o suficiente para tapar esse buraco.
A única esperança da Sega, a sua única real esperança para competir contra a máquina bem lubrificada de vencer que o PS1 havia se tornado e a genialidade de Miyamoto e da Rare carregando a Nintendo nas costas seria... fazer o mesmo que a Nintendo fez. Eles não tinham dinheiro para tirar as exclusividades dos grandes jogos da third partys da Sony (embora RESIDENT EVIL - CODE: Veronica ser exclusivo do Dreamcast foi um excelente acerto, a Sega não tinha dinheiro para fazer isso muito mais vezes), então a saída mais plausível seria se virar para o seu melhor gênio e torcer para ele produzir obras primas tão espetaculares que carregariam o nome do Dreamcast.
O problema é que a Nintendo tinha o homem, a lenda, o mito, Shigeru Miyamoto. A Sega não tinha um gênio desse quilate, a melhor coisa que eles tinham era... Yu Suzuki. Agora, não me entendam errado, Suzuki era de longe a mente mais brilhante em toda a Sega, tendo sob seu cinturão alguns dos títulos mais bem sucedidos da empresa como AFTER BURNER, OUT RUN e até mesmo foi o cara que deu o pontapé inicial na era dos jogos 3D com VIRTUA FIGHTER. Suzuki podia não ser o Miyamoto, mas era o mais perto disso que a Sega tinha.
Esse tiozinho aí era o garoto propaganda do Dreamcast no Japão, e a capa japonesa do jogo é ele fazendo um "agora vai!". Diz muito sobre a Sega, não? |
A SEGA quebrou o seu cofrinho e enfiou mais de cem milhões de dólares (nos valores de hoje) nas mãos de Yu Suzuki para criar uma pérola que salvasse o Dreamcast e a própria SEGA, que aquela altura sangrava aos borbotões gamisticamente. A SEGA queria que ele fizesse por ela o que Shigeru Miyamoto fez pela Nintendo nos anos 80 com sua santíssima trindade Mario-Zelda-Metroid. Então eles abriram as burras de dinheiro e disseram a Suzuki: "nos faça um jogo que faça as pessoas quererem comprar um Dreamcast apenas para jogá-lo!".
Mal sabiam eles que haviam acabado de encomendar o seu "The Homer". Shenmue.
Então vamos lá, a primeira coisa que você vai notar em suas 20 a 30 horas de gameplay, é que é garantido que na maior parte delas você ficará de queixo caído. Perplexo diante do que é esse jogo. Sem mentira.
Shenmue tinha um objetivo muito ambicioso: criar uma cidade virtual onde você pudesse viver nela. Ter um emprego. Os NPCs (mais de 300) tem suas próprias agendas em função da hora do dia (o sr. Miyagi passa o dia no banco da praça da das 14h as 18h, por exemplo). O objetivo era construir um jogo que você pudesse "viver" a realidade dele. Mais especificamente, reproduzir em uma escala 1x1 uma cidadezinha do Japão de 1986
Sabe Second Life? Pois é, provavelmente não, mas então, a ideia era essa. Em uma época que os jogos na melhor das hipoteses pareciam com ISSO, era uma ideia muito ambiciosa MESMO:
Para adicionar profundidade a sua cidade, Yu criou o então chamado sistema FREE (Full Reactive Eyes Entertainment), em que você tem liberdade quase total para xeretar todas as coisas da cidade. Tá vendo aquela gaveta? Você pode abri-la. Tá vendo aquele interruptor ali? Você pode ligar/desligar. Tá vendo aquele cesto? Você pode abri-lo.
O jogo se passa na cidade de Yokosuka em dezembro de 1986 e Yu tomou o cuidado de replicar exatamente o clima de cada um dos dias do mês de dezembro daquele ano. Se choveu em 10 de dezembro de 1986 em Yokosuka (a cidade real), vai chover no dia 10 de dezembro no jogo, e por aí vai. Mas não é só isso: se chove, a maior parte das texturas da cidade é trocada para mostrar paredes umidas e chão com poças d'água, se neva você pode ver a neve acumulada nas ruas e no asfalto da mesma forma que fica na vida real. Os NPCs usam guarda-chuvas ou roupas de frio conforme o clima, e assim em centenas de coisas - o jogo tem uma quantidade de detalhes impressionantes para a época, até mesmo para os padrões de hoje.
Mas não foi isso que me fez cair o queixo.
Yu Suzuki tinha uma missão: torrar 100 milhões de dólares como se não fosse da conta de ninguém. |
Se tem algo que Shenmue faz bem é construir a atmosfera do jogo. Eu nunca estive em Yokosuka em 1986, mas posso afirmar que o jogo foi feito por alguem que esteve pq tem referencias que só alguém que viveu isso saberia dizer. O equivalente que eu posso fazer disso é te pedir pra imaginar um jogo criado por um brasileiro que viveu os anos 90 e então encontrar tazos nos pacotes de salgadinho ou os resultados da Tele-Sena nos posteres da agencia de Correios. Pequenas coisas assim que só quem esteve lá lembra, sabe?
Shenmue faz isso por uma cidadezinha do Japão de 1986. Yu Suzuki não apenas viveu essa época, como ele tem um sucesso inacreditavelmente bom em replicar a sensação como nenhum jogo jamais havia sido capaz de retratar o mundo real até então. Não tenho palavras para expressar o quanto realmente esse jogo de dezembro de 1999 é mais ambicioso do que qualquer coisa já feita até então, e o quanto ele tem sucesso na principal coisa que ele tenta fazer.
Adicione a isso a trilha sonora, a tranquilidade, e antes cedo do que tarde você vai estar sentindo nostalgia de uma época que você nunca viveu de uma cidadezinha do outro lado do mundo. Novamente, o escopo de Shenmue é absolutamente impressionante.
Adicione a isso a trilha sonora, a tranquilidade, e antes cedo do que tarde você vai estar sentindo nostalgia de uma época que você nunca viveu de uma cidadezinha do outro lado do mundo. Novamente, o escopo de Shenmue é absolutamente impressionante.
Mas hey, enquanto ser um idoso japonês pode ser a experiência de vida que faltava para muitos, não é isso exatamente que faria a SEGA sair da M em que estava e se tornar um dos maiores jogos de todos os tempos, certo?
HMM, ENTENDI O QUE A SEGA ESTÁ TENTANDO FAZER AQUI. PRIMEIRO VOCÊ CRIA UM CENÁRIO QUE É QUASE UMA TRANSLITERAÇÃO DO MUNDO REAL, E ENTÃO VOCÊ COLOCA NELE UMA HISTÓRIA MUITO INTERESSANTE E COM BOM GAMEPLAY. ESSA É A FORMULA DA SÉRIE YAKUZA, QUE NÃO POR ACASO É A FRANQUIA MAIS BEM SUCEDIDA DA SEGA ATUALMENTE!
Hãn... é, sobre isso... não exatamente. Enquanto, sim, Shenmue é visto como um predecessor espiritual do que a série Yakuza viria a se tornar justamente por essa razão citada... hã... vamos dizer que não é exatamente assim que as coisas funcionam por aqui.
ENTÃO COMO O JOGO FUNCIONA?
Bem, eu suponho que tenho que contar a história do começo: a pasmaceira de Yokosuka é quebrada num dia chuvoso quando um chinês misterioso chamado Lan Di e seus homens invadem a academia Hazuki perguntando pelo "Espelho do Dragão". Para proteger a sua família dos invasores, o pai de Ryo Hazuki revela a localização do espelho para o estranho, para então ser morto do mesmo jeito por golpes de kung fu diante do olhar impotente de seu filho.
Bem, eu suponho que tenho que contar a história do começo: a pasmaceira de Yokosuka é quebrada num dia chuvoso quando um chinês misterioso chamado Lan Di e seus homens invadem a academia Hazuki perguntando pelo "Espelho do Dragão". Para proteger a sua família dos invasores, o pai de Ryo Hazuki revela a localização do espelho para o estranho, para então ser morto do mesmo jeito por golpes de kung fu diante do olhar impotente de seu filho.
Ryo então está determinado a desvendar o que aconteceu, quem é Lan Di, o que é o "Espelho do Dragão" e porque ele assassinou seu pai para então ter sua vingança. E se isso parece um roteiro genérico de filme de kung fu que passaria na Band na "Sessão wuchuuuu" ou algo que o valha, é porque é mesmo.
Ok, pode não ser a ideia mais original do mundo, mas originalidade é o de menos quando você pode sair por aí e dizer "Seu kung fu é fraco, agora terei minha vingança", certo? Até onde os videogames vão, é uma proposta muito válida.
Quer dizer, muito legal, certo? Então, seria não fosse o realismo exagerado desse jogo, e é aqui que faltou alguém pra começar a podar o "The Homer" que Suzuki estava construindo
UÉ, MAS COMO REALISMO EM UM JOGO É UMA COISA RUIM?
É que você não entendeu o quanto esse jogo tenta ser realista, Jorge. Shenmue é, sem medo de errar, o jogo mais realista de todos os tempos. Foi isso que realmente me fez cair o queixo durante vinte horas, eu simplesmente não conseguia acreditar no que estava vendo. Só que talvez não da forma que você esteja imaginando
Como já especificado, o objetivo primário de Ryo é descobrir a identidade e o paradeiro do assassino de seu pai. E como ele faz isso? Ora, ele faz da mesmíssima forma que você faria: sai perguntando pela vizinhança se alguém viu algo estranho no dia do assassinato.
Depois de dar um rolê pela vizinhança perguntando, ele encontra uma menininha cuidando de um gatinho orfão cuja mãe foi atropelada por um carro fugindo em alta velocidade no dia do assassinato. Mais um rolê pelo bairro e algumas pessoas te dizem para falar com dona Fukushima, que passa o dia na varanda vendo o movimento. Dona Fukushima diz que naquele dia não viu nada porque estava chovendo, mas quem sabe o dono da peixaria (que estava aberta) tenha visto algo. O dono da peixaria diz que realmente viu um carro preto dirigindo muito suspeito e atropelando a gata no dia do assassinato. Então, você toca a sair pela cidade perguntando pelo tal carro preto e alguém te indica alguém que ouviu falar de alguém que viu alguém conversando com alguém... ok, me perdi, mas a 15a pessoa da cadeia de pessoas viu que o motorista do carro era um chinês.
Aí você toca a perguntar pela cidade se alguém viu um chinês e...
Entendeu o ponto aqui?
ESSE é o jogo.
TODO o jogo.
Sem mentira, sem exagero, sem hipérbole é isso. Ryo não é um detetive nem nada, ele é só um colegial e ele investiga da forma que um colegial poderia: perguntando pras pessoas. De verdade. Se parece que eu estou debochando do jogo ou fazendo troça, parabéns. Você conseguiu entender minha verdadeira reação ao "jogar" esse jogo.
Quer dizer, quê? Como? ESSE é o blockbuster de cem milhões de dólares que salvaria a SEGA? Quer dizer, alguém colocou cem milhões de dólares NISSO? Uat? Como? Por quê? Shenmue é um walking simulator - o genero menos popular do ocidente e nem é um walking simulator BOM. Daí para ser um blockbuster de cem milhões de dólares, eu devo estar em algum tipo de realidade paralela que ninguém previu que isso seria uma péssima ideia.
De verdade, eu entendo a Sega lançar um walksim de baixo orçamento sem grandes expectativas, mas como o grande blockbuster que salvaria a empresa? Sério? E como eu disse, a pior parte de tudo é que não é sequer um Walking Simulator BOM!
De verdade, eu entendo a Sega lançar um walksim de baixo orçamento sem grandes expectativas, mas como o grande blockbuster que salvaria a empresa? Sério? E como eu disse, a pior parte de tudo é que não é sequer um Walking Simulator BOM!
Como eu disse, Shenmue prima pelo realismo em seu jogo. Verdade que se fosse eu, você ou Ryo que precisasse fazer uma investigação não seria muito diferente disso. Ok, eu entendi essa parte, mas só porque é realista não quer dizer que seja legal ou minimamente divertido.
Sabe por que Hollywood exagera e mente tanto sobre investigações policiais? Sabe por que você nunca vê os heróis comprando suprimentos em um filme de aventura e negociando detalhes irrelevantes? Sabe por que os programadores em filmes sempre digitam furiosamente em uma batalha virtual ao invés de passarem a noite acordados lendo códigos fonte procurando erros?
PORQUE O COTIDIANO DA VIDA REAL NÃO É DIVERTIDO. Sério, eu me sinto burro de sequer ter que estar explicando que todas essas coisas são chatas, maçantes e desinteressantes. Por que eu iria querer um jogo de 30 horas sobre falar com o milésimo senhor Fumido? Apenas por quê?
Não me entenda errado, eu não tenho problema com ritmo lento. Eu adoro slice of life e gosto de visual novels. Eu posso assistir um anime sobre jogar conversa fora (Monogatari beijomeliga) ou ler um jogo 20 horas sobre o cotiadiano na escola, mas existe um limite do quão "comum" o comum pode ser. Eu posso lidar com uma série sobre uma maid estabanada servindo seus clientes em um maid café, mas não me faça assistir 5 horas dela descascando batatas em silêncio toda manhã.
Se vai me fazer ficar trinta horas andando nessa cidade, me atire um osso. Me dê algo para aliviar a dor. Me dê uma boa história, me dê personagens interessantes, me dê diálogos bem escritos, me dê um gameplay divertido, QUALQUER COISA. Shenmue não te oferece sequer um copo d'água.
Existe um limite sobre o quão real o realismo pode ser. Existe uma tolerância sobre o quanto o "comum" pode ser comum e ainda ser considerado entretenimento e Shenmue avança essa linha como um motorista brasileiro que viu um sinal amarelo.
Mas bem, ao menos, não é como se o jogo quisesse que você tenha um emprego de verdade nem nada, certo? Certo...? Quer dizer... certo?!?
Em determinado ponto (pouco depois da metade do jogo) você descobre que uma gangue que opera nas docas pode ter ligações com o cara que matou o seu pai. Então como você vai investigar? Trabalhando nas docas, é claro.
Não, não, não, não. Não um "mini game" sobre trabalhar como em Mass Effect, não senhor. Isso já seria chato como o cão, mas não seria realista, certo? Bem, o que poderia ser pior que escanear planetas em Mass Effect? Que tal um emprego nas docas de 8 horas por dia movimentando caixas, heim?
É sério, você tem um emprego das 9h as 18h operando empilhadeiras e as cutscenes da investigação só desbloqueiam se vc tiver um desempenho sério! Vc tem que ser um funcionário durante o dia útil e não tem nenhum gimmick aqui, é só um emprego mesmo!
Não me entenda errado, eu não tenho problema com ritmo lento. Eu adoro slice of life e gosto de visual novels. Eu posso assistir um anime sobre jogar conversa fora (Monogatari beijomeliga) ou ler um jogo 20 horas sobre o cotiadiano na escola, mas existe um limite do quão "comum" o comum pode ser. Eu posso lidar com uma série sobre uma maid estabanada servindo seus clientes em um maid café, mas não me faça assistir 5 horas dela descascando batatas em silêncio toda manhã.
Se vai me fazer ficar trinta horas andando nessa cidade, me atire um osso. Me dê algo para aliviar a dor. Me dê uma boa história, me dê personagens interessantes, me dê diálogos bem escritos, me dê um gameplay divertido, QUALQUER COISA. Shenmue não te oferece sequer um copo d'água.
Existe um limite sobre o quão real o realismo pode ser. Existe uma tolerância sobre o quanto o "comum" pode ser comum e ainda ser considerado entretenimento e Shenmue avança essa linha como um motorista brasileiro que viu um sinal amarelo.
Mas bem, ao menos, não é como se o jogo quisesse que você tenha um emprego de verdade nem nada, certo? Certo...? Quer dizer... certo?!?
Em determinado ponto (pouco depois da metade do jogo) você descobre que uma gangue que opera nas docas pode ter ligações com o cara que matou o seu pai. Então como você vai investigar? Trabalhando nas docas, é claro.
Não, não, não, não. Não um "mini game" sobre trabalhar como em Mass Effect, não senhor. Isso já seria chato como o cão, mas não seria realista, certo? Bem, o que poderia ser pior que escanear planetas em Mass Effect? Que tal um emprego nas docas de 8 horas por dia movimentando caixas, heim?
É sério, você tem um emprego das 9h as 18h operando empilhadeiras e as cutscenes da investigação só desbloqueiam se vc tiver um desempenho sério! Vc tem que ser um funcionário durante o dia útil e não tem nenhum gimmick aqui, é só um emprego mesmo!
Ok, eu entendo a sensação de ter um emprego que você detesta e não vê as horas passar, eu inclusive faço isso para poder comprar jogos. Mas então porque eu iria querer isso em um jogo? E não como um evento, mas como um compromisso de tempo real? Por quê? Sério, em que momento alguém decidiu que ser um estivador 8 horas por dia era a saída perfeita para tornar esse jogo interessante?
QUAL É O MALDITO PROBLEMA DE VOCÊS? O QUE TEM DE ERRADO COM ESSA GENTE? NO QUE ELES ESTAVAM PENSANDO? SÉRIO, APENAS ALGUÉM ME DIGA QUE ISSO NÃO É REAL!
Ok... sério... eu não tenho palavras para descrever isso. Eu não sei porque tem um jogo sobre o tédio de ser um trabalhador assalariado, mas aqui está ele. Ele apenas existe. Eu vivo em um mundo em que existe um jogo em que metade dele é sobre ter um emprego chato. Sinceramente, eu não sei mais como continuar, não tenho mais forças.
Minha única esperança é que agora é o fundo do poço, certo? Chegamos tão baixo onde dá para chegar, correto? Não, sério, tem que ser o fim da linha, não é?
...
...
Mas é claro que não é. Óbvio que não é. Porque seria, não é mesmo?
Quando você não está tendo um tedioso trabalho braçal diário, sua vida no jogo se resume a andar por aí e falar com as pessoas. Bem, isso é TODO o jogo, ao menos essa parte eles fizeram ser interessante, certo?
Se você acredita nisso então claramente não percebeu um padrão por aqui.
Em primeiro lugar, "andar" é uma dor tangível nesse jogo. O jogo mistura o sistema de "tanque" de Resident Evil com a movimentação livre o resultado é que não é nenhum nem outro e cantos são seu maior nêmesis nesse jogo. Sem mentira, após dezenas de horas de jogo, controlar Ryo não se torna nem um pouco mais natural ou agradável, no máximo suportável. Eu já joguei videogame o bastante para saber que enroscar o seu bonequinho na parede depois de 20 horas de jogo é sinal de que tem algo fundamentalmente errado com esse jogo.
Why wasn't it successful? For starters, many gamers were turned off by the glacial and deliberate pace. As mentioned above, there's a fantastic world to explore, but it very quickly runs out of interesting things to do. Another huge turn-off were the controls. Ryo moves around clumsily like a robot. And whose brilliant idea was to control him with the digital pad only? The analog stick would've been the ideal choice, but it just makes the protagonist look around. The L trigger makes him run, even without using the pad, which only makes it more awkward. Sure, it isn't unplayable, but one have to master the art of walking around to avoid falling in Ryo's most dangerous enemy: a corner. Moving a character, being one of the most basic things in almost every game, shouldn't be that difficult.
Por algum motivo não usar o analógico para andar e sim o direcional digital pareceu, sei lá, não realista o suficiente para os criadores e mesmo que a resposta dos controles fosse boa, isso já seria um cu. Para surpresa de ninguém, a resposta dos controles não é boa.
No mínimo, três horas andando a noite perguntando onde encontrar marinheiros de bobeira. Esse jogo é sobre um fetiche muito específico para dizer o mínimo. |
Para começar, a população de Yokosuke e o próprio Ryo tem a personalidade de uma caixa de papelão molhado do tipo que os NPCs de RPG do NES dos anos 80 se sentiriam ofendidos. Sabe o bonequinho que fica parado na entrada da cidade e diz "Bem-vindos à cidade X" não importa quantas vezes você fale com ele? Shenmue é sobre estar preso com 300 desses bonequinhos.
Alguns são até involuntariamente engraçados porque está em seu script não falar com Ryo em determinadas horas do dia, então ele apenas diz "não posso falar com você, estou muito ocupado agora" e fica ali parado, olhando para o nada. Com efeito ele diz isso, por exemplo, se você falar com ele das 13h as 17:59. A partir das 18h ele magicamente fica desocupado.
Sério, esse jogo tem tanta falta de personalidade em seus NPCs de duas falas que faz os lançamentos anuais de Assassin's Creed parecerem tratados sobre a existência humana.
Se você chegou ao final do vídeo sem pegar no sono, um médico deverá ser consultado.
Você deve ter notado no vídeo acima também que a dublagem se esforça muito para ser a mais tediosa e genérica possível. Com efeito, acredito que apenas colocar um aluno do ensino médio brasileiro lendo teria resultados piores.
Andar e falar. Apenas duas coisas, duas coisas apenas esse jogo faz e ainda consegue fazer errado e frustrantemente. Sério, gente, não tem explicação um negócio desses. Cem milhões de dólares e nem isso eles fizeram direito. Nem andar e falar. Cem milhões de dólares.
"Novinha, não importa o que o Kuwabara aqui fez, eu não tenho personalidade o suficiente para dizer algo legal nessa cena." |
Acho que você já notou um padrão aqui, mas... Desnecessário dizer que a história, com o tesão de ser redigido pelo serviço público brasileiro com a qual é contada, não vai a lugar nenhum também. Ryo levanta alguma informação básica sobre a máfia chinesa a qual Lin pertence e vai embora de Yokosuke... e o jogo termina. Não tem confrontação, não tem clímax, não tem epílogo, não tem sensação de progressão ou de ter atingido nada, nem sequer um gancho para o próximo episódio.
It doesn’t sound too interesting and it never gets very interesting because even at the end of the game, the plot isn’t resolved, since Shenmue will have sequels continuing the story. I find that argument unacceptable; after putting in hours of work, I got an ending that made Legacy of Kain: Soul Reaver’s look good (considering it was a better playing game). The plot never takes off the ground and it seems Mr. Suzuki thought gamers would rather have a billion “mini-games” rather than real plot progression or gameplay. All in all, a poor plot with no real climax.
Sim, próximo episódio, porque Shenmue era para ser uma série originalmente prevista para ser contada em DEZESSEIS jogos. Eu não estou de zoeira, não estou de sacanagem, embora o criador dessa porra sem nenhum contato com a realidade certamente estivesse.
Imagine outros QUINZE jogos dessa série para contar uma história de "Sessão Kickboxing". Um jogo só com essa historinha mequetrefe já seria forçar a amizade, mas DEZESSEIS?
Watch out! We've got a kung fu badass over here! |
Nem Peter Jackson é tão sem noção assim e a esse ponto eu já desisti de entender que problemas mentais acometem o Yu. A boa notícia é que como Shenmue foi um fracasso nas vendas (apenas para PAGAR A PRÓPRIA PRODUÇÃO CADA DONO DE DREAMCAST DEVERIA COMPRAR DOIS JOGOS) e, ao invés, de 16 jogos a SEGA mandou apurar o passo e Shenmue 2 engloba os episódios 3-6 (o episódio 2 ficou de fora, mas como Ryo começa o jogo chegando em Hong Kong, imagino que a ideia era fazer um jogo inteiro só passeando no barco).
Novamente eu não posso estressar o bastante se acho mais maluca essa ideia estúpida (que facilmente compete para pior ideia da história dos videojogos) ou quem enfiou cem pacotes de grana na mão desse cara.
Mas sabe o que é pior? O que é pior MESMO? Shenmue tem algumas lutas de verdade, e são divertidas. O jogo usa a engine de VIRTUA FIGHTER, as lutas do jogo são ok... mas foco aqui é em ALGUMAS. Algumas do tipo UMA em CINCO HORAS de jogo. Porque é claro que se o jogo faz alguma coisa certa, e a luta é um desses raros momentos (durante todos os 5 segundos que elas duram), é claro que ele vai acontecer tipo no máximo 5 vezes durante trinta horas de jogo.
Novamente eu não posso estressar o bastante se acho mais maluca essa ideia estúpida (que facilmente compete para pior ideia da história dos videojogos) ou quem enfiou cem pacotes de grana na mão desse cara.
Mas sabe o que é pior? O que é pior MESMO? Shenmue tem algumas lutas de verdade, e são divertidas. O jogo usa a engine de VIRTUA FIGHTER, as lutas do jogo são ok... mas foco aqui é em ALGUMAS. Algumas do tipo UMA em CINCO HORAS de jogo. Porque é claro que se o jogo faz alguma coisa certa, e a luta é um desses raros momentos (durante todos os 5 segundos que elas duram), é claro que ele vai acontecer tipo no máximo 5 vezes durante trinta horas de jogo.
Ao menos dez milhões do orçamento do jogo foram para formar o comite "Hm, como podemos deixar esse jogo pior?" |
Claro, óbvio, naturalmente.
Claro que tinha que ser assim, óbvio que tinha que ser assim! Que dúvida que seria assim!!! PUTA QUE PARIU!
Muito da cultura japonesa é sobre paciência. Yu Suzuki quis demonstrar isso enchendo o jogo de absolutamente nada acontecendo e mais uma vez eu não estou sendo hiperbólico aqui.
Lembra que eu disse que o jogo tem seu próprio horário e os NPCs seguem suas agendas. Digamos que você queira falar com o tatuador, mas o estúdio de tatuagem só abre a partir das 14h. Só que agora são tipo 10h da manhã, o que fazer até lá?
Claro que tinha que ser assim, óbvio que tinha que ser assim! Que dúvida que seria assim!!! PUTA QUE PARIU!
Muito da cultura japonesa é sobre paciência. Yu Suzuki quis demonstrar isso enchendo o jogo de absolutamente nada acontecendo e mais uma vez eu não estou sendo hiperbólico aqui.
Lembra que eu disse que o jogo tem seu próprio horário e os NPCs seguem suas agendas. Digamos que você queira falar com o tatuador, mas o estúdio de tatuagem só abre a partir das 14h. Só que agora são tipo 10h da manhã, o que fazer até lá?
A maior parte dos jogos modernos que lida com esse sistema tem ao menos um sistema de espera para passar o tempo, mas aqui sentimos Yu Suzuki nos cutucando nas costelas e dizendo "Mas a vida real não tem outra escolha senão esperar, isso é realismo, entendeu, realismo cara!". Sim, Suzuki, eu entendi.
Então, uma boa parte da sua já não divertida experiência em Shenmue não será andando, nem falando, nem fazendo QTE (graças, ao menos isso), mas sim apenas esperando o tempo passar. Como na vida real, eu sei Suzuki, eu sei.
Então, uma boa parte da sua já não divertida experiência em Shenmue não será andando, nem falando, nem fazendo QTE (graças, ao menos isso), mas sim apenas esperando o tempo passar. Como na vida real, eu sei Suzuki, eu sei.
Jogar um arcade dos anos 80 que entretém por 5 minutos é um dos pontos altos do jogo. E se você bater o recorde, Ryo ganha o jogo para levar para casa e jogar em seu Saturn... ... em 1986. |
Os fãs mais exaltados de Shenmue nesse momento estão se contorcendo - não porque não tenham gostado do que eu disse, mas porque até agora não tinham nenhum argumento para revidar apenas fatos - para dizer que isso não é verdade, existem dezenas de coisas para fazer na cidade de Shenmue e gastar centenas de horas de diversão enquanto você espera pelo jogo não divertido continuar.
Sim, você pode gastar seu suado dinheirinho em alguns tipos de bobagens como minigames enfadonhos de dardos, bilhar, queda de braço e etc. Nada que já não tenha visto em outros jogos de minigames. E sim, também tem arcades de jogos antigos da SEGA do próprio Yu Suzuki como Hang On e Space Harrier.
Também tem uma miniquest sobre criar o tal gatinho órfão e colecionar bonequinhos da SEGA que vendem naquelas máquinas de cápsula que você coloca moeda, sabe? Nenhuma dessas atividades rendem nenhuma recompensa no jogo senão o ato de fazê-las. Sim, Yu Suzuki, eu sei. Igual a vida real.
Sim, você pode gastar seu suado dinheirinho em alguns tipos de bobagens como minigames enfadonhos de dardos, bilhar, queda de braço e etc. Nada que já não tenha visto em outros jogos de minigames. E sim, também tem arcades de jogos antigos da SEGA do próprio Yu Suzuki como Hang On e Space Harrier.
Também tem uma miniquest sobre criar o tal gatinho órfão e colecionar bonequinhos da SEGA que vendem naquelas máquinas de cápsula que você coloca moeda, sabe? Nenhuma dessas atividades rendem nenhuma recompensa no jogo senão o ato de fazê-las. Sim, Yu Suzuki, eu sei. Igual a vida real.
Andar de moto parece divertido, então vamos limitar isso a poucas quadras em uma única sessão curta do jogo. |
E, basicamente, é isso. Se conseguir gastar uma hora com tudo que a cidade "viva e vibrante" de Shenmue tem a oferecer, parabéns. Você é uma pessoa melhor que eu. Se conseguir gastar mais que duas horas se divertindo com isso, um médico deverá ser consultado.
Boa sorte com as outras 28 horas de jogo, de qualquer forma.
Boa sorte com as outras 28 horas de jogo, de qualquer forma.
TÁ, MAS E O TAL SISTEMA FREE EM QUE VOCÊ PODE VASCULHAR TODAS AS COISAS DA CIDADE?
Bem, quanto a isso vou te dar um pequeno exercício. Vá até a cozinha e abra todas as gavetas e armários, olhe bem dentro deles e os feche. Pode ir, eu espero. Vou até colocar um pagodinho para ouvir enquanto te espero.
Não, eu não sei a diferença entre samba e pagode. Me processe. Mas ppa, voltou já? E aí, se divertiu muito? Bom, bom. Agora tenho outra tarefa para você: vá até um quarto da casa e abra todas as portas e gavetas do cômodo. Depois olhe o que tem dentro e feche. Mais uma vez, pode ir sem medo que eu espero. Super de boas, vai lá.
Enquanto espero, outro pagodinho clássico para animar a solidão.
Opa, de volta? E aí, tirando muita diversão de sua exploração doméstica? Pois é, esse é o sistema FREE: uma mecânica altamente realista em que 95% dos armários, baús e gavetas do jogo não tem nada particularmente interessantes. Assim como na vida real.
Você vai achar uma textura de roupas (com a qual não pode interagir) ao abrir guarda roupas. Vai achar pastas (com os quais não pode interagir) ao abrir gavetas, vai achar uma textura de talheres (com a qual não pode interagir) ao abrir a gaveta da pia da cozinha. Porque assim como no mundo real, não tem nada particularmente interessante para ver nos cestos, gavetas e armários das pessoas. Tem o que esperaria ter e nada de remotamente interessante vem disso.
Enquanto espero, outro pagodinho clássico para animar a solidão.
Opa, de volta? E aí, tirando muita diversão de sua exploração doméstica? Pois é, esse é o sistema FREE: uma mecânica altamente realista em que 95% dos armários, baús e gavetas do jogo não tem nada particularmente interessantes. Assim como na vida real.
Você vai achar uma textura de roupas (com a qual não pode interagir) ao abrir guarda roupas. Vai achar pastas (com os quais não pode interagir) ao abrir gavetas, vai achar uma textura de talheres (com a qual não pode interagir) ao abrir a gaveta da pia da cozinha. Porque assim como no mundo real, não tem nada particularmente interessante para ver nos cestos, gavetas e armários das pessoas. Tem o que esperaria ter e nada de remotamente interessante vem disso.
Esse é o sistema de "liberdade total", só esqueceram de colocar algo para que a liberdade fizesse alguma diferença. Mas hey, e esse não é o resumo do jogo todo?
The biggest problem with Shenmue is that not much actually happens - Ryo discovers his father's murderer is headed for Hong Kong, and then leaves to pursue. Then the credits roll. Sure, there's a lot to see and do, especially since the world seems so alive. But when you get down to it, there's only two real locations - Dobuita Street with the surrounding (small) neighborhoods, and the harbor, that's it. You don't uncover too much actual information either, which makes the whole ordeal rather anti-climatic. There are a handful of notable action scenes, including a stealth sequence where you sneak into a warehouse (which is a bit frustrating), a huge two-against-many rumble against the Mad Angels, and a motorcycle riding sequence as Ryo sets off to rescue Nozomi. Which, in turn, is one of the most frustrating things about the series - Ryo's relationship with Nozomi is supposed to be pretty important, but it's totally dropped by the second game, and it really has no consequences. There's also almost no real way to lose - the only way to get a Game Over is if you dawdle too long. You have several months in game time to complete Shenmue, at which point Lan Di just comes back and kills you, requiring you to start the whole thing over. You really have to screw up badly to get to this point, but it's still weird. In the end, aside from the actual gaming experience, there's little to tell about Shenmue's story that's worth telling.
Toda a história por detrás da produção do jogo e o simples fato dele existir parecem contos nonsense que deixariam Lovecraft impressionado. A SEGA tinha um último tiro para dar e gastou em um Walking Simulator mais chato que sermão de padre gago. Bem pouco tempo depois a SEGA descontinuou sua produção de consoles, o que foi a melhor coisa que ela poderia ter feito.
O tamanho do estrago foi tão grande ao tentar construir o seu "The Homer" (e o resultado foi o mesmo que Herb Powell teve) que em 2014 a SEGA perdeu a patente da marca Shenmue porque não manifestou nenhum interesse em utilizá-la novamente. Ela realmente não tentou lutar por isso. Compreensível.
Ligado nessa mamata, Yu Suzuki conseguiu os direitos da série de volta e lançou uma campanha no Kickstarter para fazer a terceira parte de um dos piores jogos mais chatos já produzidos pela humanidade. O resultado? Seis milhões de dolares arrecadados.
A Sony viu aí uma bolona quicando na area e vai financiar o resto do jogo em troca da exclusividade para o PS4 de Shenmue 3. Para surpresa de absolutamente ninguem, a nostalgia não segurou as pontas e decorridos 5 anos do seu lançamento não existem mais conversar sobre Shenmue 4
O tamanho do estrago foi tão grande ao tentar construir o seu "The Homer" (e o resultado foi o mesmo que Herb Powell teve) que em 2014 a SEGA perdeu a patente da marca Shenmue porque não manifestou nenhum interesse em utilizá-la novamente. Ela realmente não tentou lutar por isso. Compreensível.
Ligado nessa mamata, Yu Suzuki conseguiu os direitos da série de volta e lançou uma campanha no Kickstarter para fazer a terceira parte de um dos piores jogos mais chatos já produzidos pela humanidade. O resultado? Seis milhões de dolares arrecadados.
A Sony viu aí uma bolona quicando na area e vai financiar o resto do jogo em troca da exclusividade para o PS4 de Shenmue 3. Para surpresa de absolutamente ninguem, a nostalgia não segurou as pontas e decorridos 5 anos do seu lançamento não existem mais conversar sobre Shenmue 4
Como disse Edmund Burke: "Aqueles que não conhecem a história estão fadados a repeti-la"
Como disse Bezerra da Silva: "Enquanto houver otário no mundo, malandro não morre de fome"
Essa foi a lição de hoje, crianças.
E marinheiros. Porque achar marinheiros é muito importante. |
MATÉRIA NA AÇÃO GAMES
EDIÇÃO 148 (Fevereiro de 2000)
EDIÇÃO 148 (Fevereiro de 2000)
MATÉRIA NA SUPER GAME POWER
EDIÇÃO 059 (Fevereiro de 1999)
EDIÇÃO 059 (Fevereiro de 1999)
EDIÇÃO 072 (Março de 2000)