Até aqui, eu já contei duas histórias sobre a desenvolvedora escocesa DMA: primeiro sobre o giga sucesso que ele causaram no mundo dos puzzles com LEMMINGS, e mais recentemente (e por "recentemente" eu quero dizer quase cem reviews atrás) sobre como eles se estranharam bonitaço com a Nintendo fazendo parte do seu "dream team", o que gerou o... hã... conceitual... BODY HARVEST.
Mas tá, agora chega de enrolação porque chegou a hora de contar a história do jogo que fez a DMA vir a ser quem ela é hoje, sobre o nome de Rockstar North. Ou seja, é hora de contar a história do Grande Ladrão Automático! E acreditem ou não, essa também é a história de como o segundo jogo mais vendido DE TODOS OS TEMPOS (atrás apenas de Minecraft) nasceu de um bug. Sérião que foi na cagada.
Em 1995, a DMA Desing ainda estava bem de grana com o licenciamento de LEMMINGS pra todo mundo e a mãe de todo mundo, quando eles comeram a trabalhar no seu próximo jogo. Esse jogo seria um jogo de corrida chamado "Race'n Chase" com visão de cima, bem ao estilo MICROMACHINES.
Quer dizer, eu digo "corrida", mas o projeto original era um pouco mais ambicioso que isso: haveriam 3 cidades (baseadas em Nova York, San Francisco e Miami) e dentro de cada cidade seria um mundo aberto para o jogador ir onde quiser e fazer o que ele quisesse - incluindo atropelar pedestres, roubar carros ou destruir parcialmente prédios batendo nele com os carros (o documento da proposta cita vitrines que poderiam ser atravessadas, por exemplo). O objetivo do jogo dependeria do modo de jogo, que seriam 4:
CANNONBALL RUN: seriam criados circuitos dentro do mapa da cidade, e esse seria o modo de corrida "normal".DEMOLITION DERBY: O modo batalha, em que você pode andar em qualquer lugar do mapa e o objetivo é destruir os carros dos amiguinhos. Vence quem sobreviver.BANK ROBBERY (Robber): Vc joga com um motorista de fuga de um assalto que inicia em um ponto A do mapa e tem que dirigir até o ponto B dentro do tempo limite, com a policia no ódio do Jiraya tentando te atrapalhar. Nesse modo seria possível trocar de carro quando o seu carro estivesse indo de Vasco, sendo que seu bonequinho sairia e vc poderia roubar outro carro para continuar.BANK ROBBERY (Cop): O mesmo modo de jogo anterior, mas a diferença é que você joga com a policia e tem que impedir o bandido de chegar ao ponto B dentro do limite de tempo. Uma curiosidade é que os outros policiais seriam controlados pelo computador, ou então em um jogo de jogo em rede - o que não é tão diferente de modelos de jogo em que um player é escolhido para ser o diferente e os outros tem que caça-lo ou fugir dele, como em Sexta-Feira 13 ou Amongus
Mas muito que bem, essa era a ideia para Race'n Chase - não uma ideia "minha nossa, que jogo de outro mundo", mas era a ideia - e um prototipo foi testado. A coisa é, no entanto, que no modo BANK ROBBERY (Robber) aconteceu um bug na programação da policia e ela ficava completamente ensandecida no jogo, dirigindo contra você com a fúria de mil sóis amarelos, atirando, spwanando barreiras.
Não era pra ser assim, era mais pra ser uma disputa simétrica entre o bandido e o jogador ou a IA controlando a policia. A coisa é, no entanto, que lidar com a policia malucona acabou se provando a coisa mais divertida de todo beta-testing do jogo e a DMA decidiu "foda-se, vou fazer o jogo todo em cima de ser um bandido pq é muito mais divertido assim". Como eu disse, foi na cagada.
O documento original de Race'n Chase previa crianças e uma mulher do pirulito como pedestres atropelaveis, imagina se isso acontece mesmo... |
Então a DMA pegou e reformulou o conceito todo: o jogo agora seria você controlando um boneco na cidade e teria missões de bandido para fazer: roubar um carro especifico, apagar um cara para a mafia, plantar uma bomba em um prédio, etc.
E... quando você pensa nisso, não são realmente muitos jogos que você pode jogar com o vilão, sabe? De cabeça assim eu consigo pensar em KOTOR que vc pode ser um Sith Lord malvadão, Carrion que é bem divertido, Overlord obviamente... mas não muito mais que isso. Isso em 2024, em 1996 esse conceito era muito mais chocante ainda. Um jogo onde vc pode pegar um lança-chamas e tacar fogo em civis não é algo que acontecia todo dia naquela época. Ou nunca.
Bem, claro que o jogo responderia tacando a policia ensandecida em cima de você... mas meio que é exatamente o que os jogadores queriam tb:
Faltava apenas a cereja do bolo: um jogo violento onde vc é o bandido causaria furor na midia e possivelmente no governo, e a DMA contava com isso para ganhar um boost de publicidade nunca antes visto na história do Reino Unido.
Para grande deleite da DMA, ambos morderam a isca e morderam com gosto. A publicidade grátis gerada pelo governo divulgou para todas as crianças do país "o jogo proibido que não querem que vc jogue", o que obviamente fez todo mundo querer jogar ele. Não é exatamente ciencia de foguetes isso, né?
É tão previsível, de fato, que toda polemica que catapultou o nome de GTA para as páginas de noticias do seu país-natal não foi por acaso, mas sim deliberadamente desenhada. O publicitário Max Clifford - que já tinha uma reputação de manipular tabloides e armar escandalos para causar buzz para os seus clientes - foi encarregado da promoção do jogo e deliberadamente vazou cenas e declarações sobre o jogo que não estava pronto ainda com o objetivo especifico de fazer algum tiozão do governo gritar "ALGUÉM PENSE NAS NOSSAS CRIANCINHAS!".
Mais especificamente, Clifford foi atrás dos seus contatos no governo e plantou informações sobre o jogo, de modo que .[26] Algum tempo depois em 20 de maio de 1997, cinco meses antes do lançamento de Grand Theft Auto, lorde Gordon Campbell, Barão Campbell de Croy, foi à Câmara dos Lordes do Reino Unido falar sobre a violência do jogo e como, na opinião dele, o título era um perigo para as "crianças" e "jovens" do país
Porém o homem estava on fire, e Clifford fez propaganda nos rádios com trechos dos debates na Câmara dos Lordes para mostrar o quanto o governo não queria que você jogasse esse jogo (o que só fez os jovens quererem jogar ainda mais) e quando um dos produtores do jogo (Brian Banglow) raspou seu carro em uma árvore, Clifford circulou a informação que um dos criadores de Grand Theft Auto havia sofrido um enorme acidente automobilístico e teve sua carteira de motorista apreendida.
O resultado foi bastante óbvio: GTA permaneceu os primeiros OITO MESES na lista de jogos mais vendidos do país, um número realmente impressionante. Mais impressionante ainda quando vc considera que... hã... bem, o primeiro GTA não é um jogo tãaaao bom assim, honestamente...
Mas vamos começar pelos pontos positivos, e se alguma coisa GTA 1 não pode ser acusado de não ser um jogo ambicioso. Você visita três cidades e todas elas são grandes e expansivas, não apenas repletas de NPCs e carros, como o jogo lembra onde vc deixou os carros e a baguncinha que fez - com efeito, isso faz as vezes a curta memória RAM do PS1 penar e engasgar e acho que é o primeiro jogo de PS1 que eu lembro de ver stuttering de tanta coisa carregada na memória.
Até Vice City é grande e repleta de ação, mesmo sendo a menor do jogo. Alias fiquei impressionado em saber que as tres cidades do jogo "Liberty City" (basaeada em Nova York), "San Andreas" (baseada em San Francisco) e "Vice City" (baseada em Miami) permaneceriam como nomes de cidades para o resto da franquia até hoje
E eu tenho que dizer que gosto das quests desse jogo, parecem algo muito dentro da proposta: a ideia é que você pega uma quest no telefone publico e isso leva a uma chain de quests para um bandidão local. Tipo tem uma quest que o don de Vice City diz que um filho da puta traiu a filha dele e fugiu com o carro dela, vc tem que recuperar o carro e fazer o desgraçado virar estatística.
Estranhamente, o jogo não tem um mapa ingame. Ao invés disso, vinham mapas impressos junto com o jogo, o que é uma escolha peculiar para 1997, mas okay... |
O que é legal, no entanto, é que vc pode terminar o jogo como quiser. Seu objetivo é conseguir X pontos por fase, mas vc pode conseguir esses pontos fazendo missões ou cometendo crimes aleatórios: roubar carros, atropelar pessoas e explodir coisas dão pontos também. Esse tipo de liberdade ajuda muito especialmente quando você termina uma missão e precisa de poucos para completar o capítulo, vale mais a pena zoar um pouco do que começar toda uma missão nova.
Os gráficos honestamente não são tão ruins, claro, vc poderia argumentar que parecem um jogo de Super Nintendo, mas então dado o quanto de coisa que o PS1 carrega na memória torna a escolha plausível - é meio que o efeito Vampire Survivors, vc faz gráficos simples para os recursos serem gastos em outras coisas
E... honestamente, esses são todos os pontos positivos que consigo pensar. Um pouco triste não poder mencionar mais pontos positivos, porque DEVERIA haver mais razões para gostar dele já que ele é conceitualmente muito diferente de qualquer coisa na sua época, mas... mas GTA 1 é um jogo meio dificil de gostar, e isso é que vamos abordar a seguir
Tudo bem, então o que torna o GTA 1 complicado de jogar? Vamos começar com a parte fácil, o contador de vidas. No final de 1997 poucos jogos ainda usavam o sistema de vidas - que foi feito para fazer jogos curtos de Nintendinho durarem mais criando dificuldade artificial. Então um sistema de vidas em um jogo onde vc morre com 1 hit... não é a receita para a felicidade, saiba você.
Reunir os pontos para passar de uma fase leva de duas a 3 horas, e perder 3 horas de jogo pq vc morre com um hit que mal dá pra ver na tela (estou falando dos tiros)... ai José... É irritante e desanimador ver a tela do menu com a frase "tagged and bagged" porque sao horas jogadas fora e, novamente, no final de 1997 não era mais uma escolha de design muito comum.
E esse jogo não tem pena de ser realmente dificil com você, tipo esperar que você sobreviva e mate uma gangue inteira sozinho sem tomar um tiro quando seu boneco controla como um carro! Sério, X avança, triangulo recua e para os lados faz curvas! Boa sorte tentando ir pro tiroteio com esses controles, vc definitivamente não está jogando SMASH TV. Se esconder nos carros não ajuda muito, os carros em GTA 1 são muito frágeis contra tiros e explodem bem rápido.
Saiba você NÃO tem chance de repetir a missão, A MENOS que você comece o capítulo todo do começo. E ajuda menos ainda os policiais são os mais brutais da história dos videeogames: eles atiram em vc sem nem tentar te prender se vc minimamente resvalar no carro deles. Os policiais em GTA 1 fazem os policiais em GTA 3 e GTA 5 parecerem seres humanos sãos. Só que tem uma diferença: sabe em GTA quando o nível de procurado baixa depois de um tempo e eventualmente a policia te deixa em paz?
Então, eles colocaram isso na franquia pq viram que o nível de procurado nunca baixar não funciona. Eu sei disso pq GTA 1 é assim. Então se atropelar um pedestre ou tocar sem querer num carro da policia, eles só vão te deixar em paz se vc atravessar a cidade para ir em um Paint'n Spray... o que pode custar a sua vida, dado o quão fragil vc é nesse jogo.
E se você tiver um nível de procurado 3 ou 4 estrelas (o que não precisa muito, vc ganha uma estrela por infração) é uma questão de sorte se você sobreviver ou não. A policia spawna barricadas e atirarão em você com metralhadoras para explodir seu carro o mais rápido possível. Desnecessário dizer que a chance de passar por uma com vida é bem baixa.
A outra opção para não perder as poucas vidas que você tem é ir pra cima do policial pra ser preso, no que você "só" perde suas armas... e METADE do seu multiplicador de pontos. Dependendo do quão avançado vc está na fase, é melhor começar de novo.
Certo, enquanto estou no tópico da mecânica do jogo, vou falar em mais detalhes sobre como seu personagem se desloca. Eu comentei que o personagem controla como um carro, o que torna as sequencias de açõa terríveis. O que eu não comentei, entretanto, é que o pessoal da DMA Design queria simular um engarrafamento da vida real em uma cidade grande, se assim for, missão cumprida.
Por algum motivo, as tres cidades do jogo são sempre seis da tarde e vc nunca encontra uma rua vazia. Você vai sonhar com o efeito sonoro de batida de carro, pq metade da experiencia da direção é trombando em engarrafamentos.
E... suponho que agora é o momento perfeito para falar sobre a camera em GTA 1. Quer dizer, é um jogo de visão de cima, como vc estragar isso?
Simples, eles criaram essa mecanica que a camera se afasta dependendo do quão rápido vc está. Isso quer dizer que parado vc não enxerga um palmo a frente do seu nariz, indo rápido ela dá zoom out. Tá, mas não é como se o jogo todo se passasse em um engarrafamento e vc jogasse na base do arranca e para, né?
Quer dizer, eles sabiam o que aconteceria é a camera ficar indo e voltando com o único objetivo de causar nausea e tontura, né? Err... não? Eles não sabiam disso? Oh god...
Enfim, como dá pra ver, o primeiro GTA tem muita atitude e eu acho que é uma boa atitude. Porém não é um jogo muito divertido de jogar, tanto que ele foi meio que ignorado quando lançado nos Estados Unidos sem toda a questão de marketing que o certou em sua terra natal.
Não é realmente surpresa que as revistas daqui da época sequer cobriram ele - eu só estou jogando ele pq saiu uma matéria na Gamers sobre a expansão "London 1969", e o jogo sair só na Gamers não é exatamente sinonimo de mainstream.
Mas bem, pelo menos todo o hype na Inglaterra fez o jogo vender bem o suficiente para ganhar uma continuação e o resto é história. E que história:
MATÉRIA NA GAMERS
Edição 041 (Junho de 1999)
Edição 041 (Junho de 1999)