Em 1999, a SNK estava com um problema deveras... curioso. Isso porque o problema que eles tinham não era um problema pequeno - era um problema bastante sério - mas, ao mesmo tempo, era um problema que todos gostariam de ter. Que problema era esse, você pergunta?
Bem, essencialmente o mesmo problema que a Marvel Studios teve em 2019: eles venceram. O estúdio criou sua obra-prima, o pináculo vitorioso de tudo que eles passaram anos trabalhando se concretizou de forma tão gloriosa, tão magnífica que será lembrado com carinho... para sempre, na verdade.
A Marvel passou por isso com Avengers: Endgame, um filme tão gloriosamente vitorioso que entregou tudo que todo mundo passou dez anos esperando, foi lindo, foi arte (chupa Scorcese), foi vitória. A SNK teve um sucesso similar com THE KING OF FIGHTERS 97, um jogo ambicioso que concretizou com sucesso quatro anos de jogos da série concluindo a mais ambiciosa narrativa já idealizada para um jogo de luta - a Saga Orochi, como eu contei no texto de THE KING OF FIGHTERS 97 - e com um gameplay a altura.
HÃ... E COMO ISSO É UM PROBLEMA, EXATAMENTE?
O problema, meu caro Jorge, é o seguinte: e agora, José?
Você suou, cantou, dançou e sapateou. Entregou a perfomance da sua vida, deixou seu coração e sua alma sobre o tablado, foi um espetáculo que ninguém jamais em momento algum esquecerá, mas... e agora? Baixaram as cortinas, o espetaculo terminou, mas... os boletos continuam chegando, ALGUMA COISA você tem que entregar no ano seguinte... mas meio que você já entregou tudo que você tinha, então comofas?
Essa é uma pergunta que, passados 5 anos de Avengers: Endgame, a Marvel ainda está se batendo para responder. A SNK teve um pouco mais de sorte pq eles tinham uma última carta na manga: depois da obra prima criativa que foi THE KING OF FIGHTERS 97, no ano seguinte eles lançaram uma versão comemorativa da Saga Orochi.
Agora, a SNK sabe fazer cenários ou o que? |
THE KING OF FIGHTERS 98: The Slugfest é mais um especial de fim de ano da firma: sem história, apenas uma grande confraternização de todo mundo que fez essa saga acontecer. Depois do que eles tinham feito em 97, a SNK estava mais do que direito de se dar um tapinha nas costas e fazer uma edição especial apenas para celebrar sua magnum opus.
O problema é que a vida tá cara e o tempo não para, 1999 chegou e era hora de por o show na estrada de novo. A SNK sabia que tinha que começar uma nova saga, com novos personagens, novas ideias, meio que um The King of Fighters 2.0, mas... bem, suceder uma saga onde a SNK usou tudo que tinha não é uma tarefa fácil.
O que é uma forma bonita de dizer que eles não tinham a mais remota ideia de como continuar daí pra frente, mas tinham que continuar e ALGUMA COISA eles tinham que lançar... e é aqui que entra KoF 99. Não surpreendentemente, KoF 99 é um dos jogos da franquia lembrado com menos carinho pelos fãs, isso quando ele é lembrado at all. Vamos a isso então, sim?
As mudanças de clima ou hora do dia a cada round são uma das coisas chocolatante do jogo em alguns cenários |
Bem, vamos começar pelo começo: a história de The King of Fighters 99 não é nem desinspirada, ela é copiada na cara dura da história de STREET FIGHTER ALPHA 2. Eu não estou brincando, os caras da SNK tinham tão pouca ideia do que fazer que apenas copiaram o que a Capcom estava fazendo na franquia rival de KoF e foda-se (guarde essa informação, não será a última vez que você verá essa informação por aqui).
Vamos lá, qual é a história de STREET FIGHTER ALPHA 2? Basicamente que existe uma organização do mal que odeia o bem chamada Shadaloo liderada pelo mais maligno maleficente ainda M. Bison. Como ele pretende dominar o mundo? Selecionando os melhores lutares do mundo através de um torneio de luta e então captura-los para usar suas habilidades de luta como seu exército particular de soqueadores de alto calibre - eu ainda acho que bombas seriam mais eficientes do que um indiano que "luta yoga", mas o que eu sei realmente da vida? Seja como for, essa é a ideia geral da coisa.
Corta agora para KoF 99, qual é a história aqui? Basicamente que existe uma organização do mal que odeia o bem chamada N.E.S.T. liderada pelo mais maligno maleficente ainda Kryzalid. Como ele pretende dominar o mundo? Selecionando os melhores lutares do mundo através de um torneio de luta e então copiando seus dados para inseri-los no seu exército particular de clones.
A grande real diferença aqui é que enquanto Bison quer capturar Ryu para ser o modelo perfeito para seu exército pessoal, a NEST já conseguiu capturar Kyo Kusanagi como modelo perfeito e agora precisa apenas dos dados dos outros lutadores que participarão do torneio The King of Fighters 99 para dar uma turbinada no projeto.
Não é que um jogo de luta PRECISE de uma história melhor, mas então a Saga Orochi anterior foi um épico que reconta a história de três familias rivais desde as eras mitologicas, seres divinos e traições. Em comparação, não tem como se desapontar com o downgrade aqui, parece que eu estou assistindo uma continuação direto para DVD de um blockbuster muito querido.
Mas tá, paumolice da história a parte, mecanicamente o jogo... não tem muito mais inspiração que isso também não, temo dizer. Ao time de três lutadores agora você pode selecionar um quarto que atua como helper (entra, dá uma porrada e vai embora) como em MARVEL VS CAPCOM: Clash of Superheroes, você tem duas formas diferentes de gastar sua barra de especial - não muito diferente de STREET FIGHTER ALPHA 3. Também dá pra queimar barras de especiais em counter ou reversal como em STREET FIGHTER 3: The New Generation... repararam um padrão aqui?
Assim como na narrativa, a melhor ideia que a SNK conseguiu ter foi ver o que a concorrente estava fazendo e fazer igual, ou ao menos adaptar o que eles fizeram de melhor para os seus propósitos. Honestamente, a dado ponto eu estava esperando descobrir que os personagens tem launchers que arremessam o adversário para cima para pular atrás e dar combos aereos - ainda não chegamos a isso, no entanto. Ainda.
Pra não dizer que o jogo não tem nenhuma mecanica nova dele própria, agora o jogo tem uma mecanica de esquiva com rolamento que permite atacar enquanto vc fica invulnerável. Não é muito problema no jogo casual pq é muito dificil acertar, mas pro-players competitivo que contam frames de animação para dar os golpes odeiam isso e esse é o principal motivo pelo qual KoF 99 foi banido da cena competitiva e você nunca vê ele em torneios.
Não ajuda muito que o novo protagonista que a série tentou introduzir K' (pronuncia-se "K-Dash", muito bom colocar um protagonista com pronuncia anti-intuitiva) tem o carisma de uma caixa de papelão molhado, ao ponto que a ideia original da SNK não era incluir os protagonistas antigos da franquia (Iori Yagami e Kyo Kusanagi)... porém nos testes do jogo essa decisão foi unanimente criticada.
Temendo ter o flop de um STREET FIGHTER 3: The New Generation nas mãos - que cometeu o mesmo erro - e eles se obrigaram a fazer uma gambiarra para incluir os antigos protagonistas de volta como personagens secretos... de uma forma bem estranha, diga-se de passagem. O método vencer o jogo com 4 dentre os seguintes personagens escolhidos pela roleta de seleção aleatória:
Fazer isso desbloqueia a possibilidade de inserir o código na tela de seleção de personagens: Esquerda, Direita, Cima, Esquerda, Baixo, Direita para Kyo e Direita, Esquerda, Cima, Direita, Baixo, Esquerda para Iori.
Como os times agora são de 4 personagens, basicamente todos os times ganharam um personagem novo como membro. O time das mulheres ganhou Xiangfei, que é maneirinha, vá lá |
Uau, isso é... a forma mais específica que eu já vi de desbloquear um personagem em um jogo de luta em todas quase 1400 reviews nesse blog, tenho que dar isso a eles...
Mas então, no fim do dia, KoF 99 não é um jogo ruim, é apenas... desapontador como reinicio de uma franquia que atingiu um pico tão alto. Suas mecanicas novas não são ruins, apenas... recicladas de jogos da Capcom. Seus 6 personagens novos não são ruins, apenas... legaizinhos, eu suponho?
Enfim, talvez se o jogo fosse qualquer outra coisa que senão um jogo da franquia o carro-chefe dos jogos de luta 2D e houvesse menos expectativa sobre ele, esse jogo teria sido melhor recebido. De toda forma, ser o pior dos King of Fighters ainda faz dele um jogo da primeira prateleira dos jogos de luta, pq KoF é diferenciado nesse nível.
MATÉRIA NA AÇÃO GAMES
EDIÇÃO 143 (Setembro de 1999)
EDIÇÃO 152 (Junho de 2000)
EDIÇÃO 159 (Janeiro de 2001)
EDIÇÃO 161 (Março de 2001)