terça-feira, 24 de dezembro de 2024

[#1373][Jun/1999] KINGPIN: Life of Crime

Hoje é 24 de dezembro de 2024. O que quer dizer que pelo mundo todo, independente das suas crenças religiosas, literalmente bilhões de pessoas estão passando com suas familias em um momento de comunidade e união, e um número não desprezível delas está nesse momento recebendo presentes que representam o quanto outro ser humano separou seu tempo e recursos limitados para representar o quanto este ente lhe é valioso.

Enquanto isso eu estou aqui jogando um FPS medíocre da Xatrix Enterteinment. É de se pensar nas escolhas de vida que eu fiz, sabe?


Mas vamos começar do começo: a Xatrix é uma empresa cujo modus operandi é pegar uma engine de um FPS, colocar um skin de uma temática sobre ele e então lançar o jogo fazendo o minimo esforço possível além disso. Exemplo em caso, o outro jogo deles que eu analisei nesse blog, REDNECK RAMPAGE, é exatamente isso: eles pegam a Build Engine, colocaram sprites com a temática "Redneck" e está feito o trabalho, o resto é feito no piloto automático a um ponto que dificilmente pode ser descrito como qualquer coisa de "é, okay, funciona... mais ou menos..."

Rei do Crime: Vida de Crime é essencialmente isso, só que ao invés de rednecks agora o tema é "gangsta mano das quebrada" e ao invés da Build Engine agora eles usam o motor gráfico de QUAKE 2. Honestamente, a esse ponto eu podia muito bem encerrar a analise aqui pq qualquer coisa além de "colocaram gráficos com temática X na engine do jogo e o minimo possível para ele rodar" é encheção de linguiça.

Mas suponho que como alguém tem que faze-lo, vamos lá... Kingpin: Life of Crime começa em uma distopia urbana quase retrô, onde imponentes estruturas art déco foram misturadas com um visual industrial dos anos 80. Sabe o tipo de cenário escuro e desumanizante que você esperaria ver em THE CROW: City of Angels? É nessa direção que vamos. O que não é uma escolha ruim per se, verdade seja dita, até onde cenários de videogames vão é okay.

Seja como for, a história começa com nosso herói, um cara durão de pescoço grosso, foi espancado até virar extrato de tomate Pomarolla por outros caras durões de pescoço grosso que trabalham para o chefão da bocada conhecido apenas como "Kingpin" - mas que fala e parece muito com o Marcellus Wallace de Pulp Fiction. E pq o chefão do crime mandou te amaciar na porrada?


Jamais saberemos e não importa. Quer dizer, é um jogo da Xatrix, se vc realmente esperava que eles iam tentar contar uma história ou algo do tipo, cara, vc ainda não pegou como as coisas funcionam por aqui. Então vc é um dos bandidos e quer atirar no chefe dos bandidos e meio que é isso. Tesão puro, eu te digo.

Sim, Kingpin é isso: você é um cara mau, em uma cidade má, e é livre para fazer muitas coisas ruins por nenhuma outra razão que vc é malvadão huehuehue. Tipo ver seu avatar assassinar brutalmente um motorista de caminhão após a carona que ele ofereceu para você, por razão nenhuma que vc é um bandidão malvadão e é o que bandidões malvadões fazer yoyoyo. É, eu sei, muito surpreso ficarei eu tam´bem se descobrir que alguém na Xatrix tem mais que 14 anos, mas sigamos.

Então o ponto é que esse jogo não é sobre ser um "anti-herói durão no caminho da vingança" e sim ser o filho da puta malvadão apenas pelo prazer de ser o filho da puta malvadão. Mas tá, meu desinteresse pessoal com o tema a parte (novamente, parece que a Xatrix tem mapeado todas as coisas que me fazem revirar os olhos e dizer "afff", vide REDNECK RAMPAGE), a questão que realmente importa é: tá, mas ao menos isso eles fazem direito?


Vamo lá (reparem o quanto eu estou dizendo isso, reunir energia para tankar FPS chato na véspera de Natal tá foda): em termos de atmosfera, a cidade decadente criada a base da engine gráfica de QUAKE 2 pela qual você passeia parece ótima pq a engine é ótima. No campo das escolhas artisticas do jogo, o uso excessivo do marrom logo se torna chato, mas, vá lá, não posso negar que faz com que você se sinta como se estivesse realmente andando pelos becos mais escuros de uma HQ trevosona dos anos 90 e eu realmente esperava encontrar o SPAWN: The Eternal em qualquer esquina. 

Até aí tudo bem, le magronese, o problema mesmo começa quando seus inimigos começam a falar. Os NPCs, assim como o herói principal, xingam. Tipo muito. Isso não é uma coisa ruim por si só, mas só que jeito que é feito nesse jogo com tanta frequência que chega a ser ridículo, parece que eu estou assistindo uma paródia de Todo Mundo em Panico em que todos fucking manos fucking falam fucking assim o fucking tempo fucking todo, tá fucking ligado, fucking mano? 

A coisa é ridícula nesse nível.

Mas... pra que toda essa conversa sobre história e atmosfera? Não é apenas mais um FPS do tipo “atire em tudo que se move”? Então... não exatamente. Kingpin não é de forma alguma um FPS/RPG do tipo Deus Ex, mas também não é um jogo de tiro puro... pelo menos, finge que é mais que isso. 

Isso pq vc precisa falar com NPCs para pegar missões que o deixarão um pouco mais perto de meter pipoco no chefe da boca - nada sofisticado, porém, apenas coisas simples como "matar X" ou "encontrar item Y". Não espere nenhum diálogo bem escrito também. Você se aproxima de um NPC, e então esse NPC começa a falar, e você só consegue responder com uma resposta genérica positiva ou negativa. A coisa toda pode ser levemente curiosa no começo, mas não espere nada além dessa iteração inicial - não é como se o jogo tivesse personagens ou nada do tipo.

E de qualquer forma, ter "missõezinhas" não realmente ajuda muito devido ao grande real problema do jogo é que esse é um FPS onde a parte do tiro não é boa. E meio que atirar ser merda em um jogo de tiro constitui um problema no meu livro, sabe?

Felizmente o problema aqui não são os controles pq a QUAKE 2 engine funciona bem, o problema é tudo mais que não depende da engine. Em primeiro lugar, a ação é extremamente repetitiva. Seus inimigos carregam pistolas, espingardas, rifles e, ocasionalmente, lança-chamas e lança-foguetes, mas, como um todo, todos sentem como se você estivesse enfrentando o mesmo inimigo continuamente. Há uma razão pela qual os jogos de tiro em primeira pessoa que não são baseados no "realismo" tendem a ser mais divertidos, e é porque é muito mais fácil variar a jogabilidade se os inimigos são monstros (ou aliens, ou a porra que for) com habilidades diferentes. Aqui você só tem caras que atiram em você, e mecanicamente não tem muita diferença entre eles.

Mas vá lá, repetitividade ainda dá pra engolir. O que te fode a paçoquinha mesmo é que esse jogo tem a assinatura da Xatrix: 99% dos inimigos são hitscanners que disparam no exato momento em que você mostra sua cara feia. É uma coisa tão iconica da Xatrix que eu vou até repetir aqui o que eu disse a respeito de REDNECK RAMPAGE pq se aplica 100%:

Uma das coisas que torna esse jogo problemático é a coisa da Xatrix de que seus FPS são notoriamente difíceis - especialmente pq eles abusam do hitscan na programação dos seus jogos. Hitscan, saiba você, é um metodo de programação de jogos em que as armas não disparam projeteis realmente. Ao invés de ter a balinha viajando na tela (ou laser, ou galinha voadora, que seja), o que o jogo faz é que no momento que o tiro é pressionado o dano é computado.

Isso é problemático pq tira completamente a possibilidade do jogador desviar de tiros, assim que vc PASSAR na frente de um inimigo ele te causa dano, sem choro nem vela. Não tem como desviar, não tem como evitar, não tem como fazer nada: se você PASSOU na frente de um inimigo, tomou dano.

Isso leva a uma situação chata onde - como os inimigos te causam dano automaticamente e não tem nada que você possa fazer a respeito - vc precisa salvar a cada passo para quando um inimigo spawnar vc dar load e atirar nele na hora que ele nascer. O que faz o jogo durar pelo menos 3x mais que o necessário e tira toda a diversão da coisa, mas é a única forma de avançar.


E ajuda menos ainda que, com exceção de alguns capangas logo no início, a maioria dos inimigos acaba sendo irritantes esponjas de bala que precisam de grandes quantidades de chumbo para serem derrubadas. É possível recrutar alguns capangas pra te ajudar , e eles até ajudam, apesar de sua IA ser retardada e não raramente até atirar em você, mas contratar capangas ou ser capaz de comprar upgrades para as armas não tornam jogar esse jogo divertido.

Concluindo, Kingpin: Life of Crime é um jogo que só funciona pq a QUAKE 2 funciona - e tudo mais nele é subpar de todas as maneiras possíveis. Este é apenas um FPS que tenta ter algumas missões mas não é muito bom nisso, e tenta compensar cartunescamente colocando toneladas de palavrões e permitindo assassinar brutalmente todos que encontrar, inimigos ou não. 

Eu entendo que havia um público sedento por jogar como um bandidão malvadão que faz altas malvadezas e que na época não tinha GRAND THEFT AUTO ainda... quer dizer, tinha, mas não da forma que conhecemos hoje. Mas, sinceramente, era melhor apenas jogar com um dos mocinhos mesmo do que jogar um FPS da Xatrix. E o que? Eu deveria dizer alguma coisa a respeito da trilha sonora Algumas palavras sobre a trilha sonora ter sido composta pelo grupo de hip hop de certa relevancia na cena na época, o Cypress Hill? Qual trilha sonora? Ah, você quer dizer aquele loop de breakbeat extremamente curto e irritantemente repetitivo que percorre essa provação de 15 horas?

As músicas que o Cypress Hill fez para o OST do jogo são bem maneiras, o uso delas no jogo em si ... nem tanto

Não é realmente surpresa hoje que Kingpin: Life of Crime só seja lembrado por uma única coisa: como ele foi o primeiro FPS violento lançado após o massacre da escola em Columbine, e como o governo e as Associações de Mães Desocupadas da América estavam babando de vontade de colocar a culpa em alguém, os desenvolvedores da Xatrix foram chamados até o congresso americano para prestar satisfações.

Em resposta a isso, Xatrix implementou uma versão "safe", um modo de jogo protegido por senha que baixaria a violencia e os palavrões. Eles também enfatizaram que Kingpin não foi de forma alguma direcionado ou comercializado para menores, com uma mensagem de aviso durante a fase de instalação do próprio CEO da Xatrix, Drew Markham:

"À luz dos recentes atos de violência juvenil que ocorreram em toda a América, pensamos que você deveria saber como 'Kingpin' foi inicialmente concebido. Kingpin nunca foi destinado a crianças. Este é um jogo com temas maduros feito para adultos. audiência Nunca houve qualquer tentativa de comercializar ou influenciar crianças a comprar Kingpin."

Ainda assim, a polemica fez varias redes se recusarem a vender o jogo, incluindo as principais como Best Buy, Wal-Mart e Toys “R” Us. Eu acho uma pena que isso tenha acontecido, Kingpin deveria fracassar não pela censura do moralismo, e sim pelo simples fato que é um um FPS abaixo da média, que falha em tudo que não depende da engine do jogo. Se o ponto era bancar o criminoso, definitivamente seria melhor esperar o lançamento de GTA 3... 

MATÉRIA NA GAMERS
Edição 042 (Julho de 1999)