Uma das grandes vantagens do projeto desse blog é que, no fim do dia, a gente acaba acompanhando e entendendo não apenas os videogames mas toda a cultura pop através do prisma do seu contexto da época. Por exemplo, todo mundo sabe que Batman e Robin do Joel Schumacer de 1997 é não apenas um dos piores filmes de super-heróis de todos os tempos, é um dos piores filmes de todos os tempos PONTO.
Muito menos gente pensa a respeito de BATMAN FOREVER, o filme que o precedeu, e elas majoritariamente apenas assumem que é tão ruim quanto. Bem, agora eis o meu take sobre o assunto - uma vez que, como eu disse, fui banhado pela luz de acompanhar o contexto da época: Joel Schumacer é um dos maiores gênios da história do cinema, não tem meio termo a respeito disso.
Com isso eu quero dizer que BATMAN FOREVER é bom? Pelos antigos deuses e pelos novos, não. Nada poderia ser mais longe disso. Aquele filme é ruim, tipo muito ruim, MAS... não é tão ruim quanto deveria ter sido e é aqui que entra a genialidade do Sr. Schumacer. Eu quero dizer, as ordens que ele recebeu do estúdio foram "faz QUALQUER BOSTA desde que venda brinquedos e McLanche Feliz, de preferencia colorida" e pra isso lhe foi entregue um roteiro escrito com a bunda. Sério, os dialogos nesse filme passam do constrangedor pensar que um adulto escreveu isso, para dizer o mínimo.
Entretanto, ainda sim, Schumacer pegou todo bolo de merda que lhe deram e entregou um filme assistível. Pode não ser uma obra prima ou sequer ser bom, mas ao menos BATMAN FOREVER é arrumadinho. Quero dizer, a cenografia de desfile de escola de samba funciona, as cenas de ação absurdamente ridiculas são interessantes de assistir do tipo "uau, isso é muito ridiculo, mas eu quero ver o quão ridicula a próxima coisa vai ser" e no fim do dia, esse filme definitivamente não é tão ruim quando o alinhamento das coisas fez com que ele deveria ser.
Não apenas BATMAN FOREVER não é tão ruim quanto deveria ter sido, como foi a maior bilheteria norte-americana daquele ano a frente de TOY STORY e blockbusters como Apollo 13 e Waterworld. Apenas por esse fato, Joel Schumacer deveria ser canonizado.
Porém aquilo foi em 1995, cortamos agora para 1997 e como é a situação do Joelzão da Massa? Bem, se você já teve um pepino do tamanho do mundo para resolver no trabalho e salvou o dia heroicamente, sabe que o resultado é apenas um: você é severamente punido pela sua competencia e partir daí vc vira o resolvedor de pepinos oficial da firma, eles vão atirar qualquer bomba no seu colo pq sabem que vc vai dar um jeito. Algum jeito.
E o que aconteceria comigo ou com você na firma, definitivamente aconteceu com Joel aqui: uma vez que ele descascou a bomba que foi jogada no seu colo em 1995, para 1997 lhe atiraram um abacaxi muito pior. Um abacaxi mutante, coberto de ácido e que estava ativamente tentando mata-lo. Vulgo, Batman e Robin.
Por isso, eu quero dizer que os executivos da Warner se tornaram ainda MAIS ambiciosos e malucos do que já o haviam sido no primeiro filme (e olha que foi muito): lhe entregaram para trabalhar um roteiro MUITO mais barato (ou seja, com bem menos tempo para ser polido) e fizeram ainda MAIS demandas comerciais que tinham que estar no filme.
O filme, por exemplo, teria que ter três vilões ao invés de dois para vender mais brinquedos e merchandising. Dois já era um número desconfortável para ser acomodado em um filme, mas um filme com três vilões é essencialmente o estúdio dizendo "FUEDA-SE ESTA MERDA, MIM QUER DIÑERO". Obviamente, o filme teria que ter três heróis também por iguais motivos comerciais e se no filme anterior forçando muito a barra meteram um Robin de 25 anos de idade que foi "adotado" pelo Batman (why, god, why?), agora expreme mais um pouco ainda que tem que ter a Batgirl nesse filme.
Só que ao invés de ser a Barbara Gordon corta pra ser a... sobrinha do Alfred apenas pq literalmente não tinha como enfiar mais o comissário Gordo como personagem nesse filme, o negócio já tá abarrotado do jeito que tá.
Mas calma que piora: os executivos do estúdio também exigiriam que o filme fosse MAIS colorido e que o visual dos personagens fosse MAIS carnavalesco para ficar melhor de vender brinquedos, é por isso que Mr. Freeze tem uma armadura que parece saída do Max Steel e a Hera Venenosa tem um cabelo que vc só consegue imaginar numa prateleira ao lado das bonequinhas Trolls.
O design do filme foi feito para servir aos brinquedos, e enquanto isso é sempre verdade em maior ou menor escala em Hollywood desde o fenomeno de Star Wars, nesse caso aqui chegou pronto para Joel Schumacer um pacote que visualmente não faria muito sentido em nada senão em um remake de super-heróis de Brazil - o filme de 1985, não o país.
Resumo da coisa: pegaram um roteiro escrito em 15 minutos por Akiva Goldsman (que pode não parecer por esse filme, mas ganharia um Oscar por melhor roteiro com "Uma Mente Brilhante" em 2001), deram um conjunto de visuais, cenários, e brinquedos que tinham que estar no filme, juntaram tudo isso num pacote e atiraram esse puro suco de bomba no colo do Joel Schumacer e disseram "te vira aí, meu consagrado".
O resultado disso tudo? Bem, amos dizer que o ser humano tem um limite do quanto leite de pedra consegue tirar de dado material que lhe é entregue. E Batman e Robin foi muito além do que qualquer um poderia salvar aquele ponto. Ou em qualquer ponto, não tinha como fazer isso funcionar em qualquer multiverso possível. Como, de facto, não funcionou.
Oh boy, esse vai ser um dia daqueles... |
Vê, o filme anterior meio que mistura essa coisa de tentar ao mesmo tempo ser brega mas comico como a série do Batman de 66 ao mesmo tempo que tenta ser um blockbuster de ação épico, e enquanto eu não posso dizer que "minha nossa como funciona"... ao menos é assistível. Aqui Joelzão tentou fazer o que deu para salvar o dia mas não tinha como, a única coisa que funcionaria com o material que ele tinha para trabalhar era abandonar completamente a parte da ação épica e abraçar de vez a comédia galhofa, talvez até mesmo um musical.
Só que isso ele não podia fazer, o filme TINHA que ser um filme de ação épico e sério, ordens vindas de cima. E aí, meu amigo, berimbau é gaita e não tem o que fazer. Joel tentou o que pode para salvar o dia - eu acho a escolha de colocar o Schwarzenegger como Mr. Freeze e não como Bane, que seria a escolha óbvia, particularmente divertida - mas pode ser um dia de Saturno que tem 8729 horas que nada salvaria esse filme. Nada.
Temos então um filme que o Robin é um marmanjo perto dos seus trinta anos de idade que passa o filme inteiro na angústia adolescente (ou crise da meia-idade), exigindo ser respeitado pelo homem que o trouxe direto para casa depois de testemunhar a morte de toda a sua família para vesti-lo com um traje com mamilos de borracha detalhados. E enquanto o Robin é okay com isso, ele é bem menos okay pq o Batman lhe deu uma batmoto ao invés de um batmovel. Para ser justo, considerando que o ator parece ter pelo menos uns 35 anos, é difícil culpá-lo por estar com raiva por ser tratado como uma criança.
Mesmo assim, grande parte de sua motivação para ter um conflito com Bruce Wayne gira em torno da disputa de ambos para ver quem vai ser assassinado eroticamente pela Hera Venenosa. Existe alguma maneira melhor de mostrar que dois homens podem ter um relacionamento emocionalmente próximo e saudável do que se unirem para vencerem a sedução de uma mulher atraente e má? Não, não há.
Além disso, enquanto Uma Thurmam estava claramente se divertindo com o acidente de trem que a Hera Venenosa foi, e quanto menos for dito sobre o Bane nesse filme melhor, o verdadeiro vilão de Batman & Robin é, claro, o Mr. Freeze. Há muito a dizer sobre o cara, mas tudo pode ser resumido de uma forma bem simples: Arnold é a melhor coisa do filme. Mas de longe.
Mr. Freeze aqui só fala através de trocadilhos de gelo para que você não esqueça que ele tem poderes de gelo (quando vc consegue entender o que o Arnold fala, isso é), e enquanto sua motivação é relativamente bem desenvolvida (tendo sido tirada diretamente da série animada do Batman, onde toda a coisa é que ele é um vilão trágico que quer salvar sua esposa)... ao mesmo tempo ele também tem ambições de destruição global. Você sabe, algum ponto entre uma tragédia grega e um vilão que parece saído do quartel general do Dr. Evil com risada maligna e tudo, ambos no mesmo personagem e "interpretado" (o que é uma palavra bem forte para ser usada no caso do Arnoldão) por alguém que tem sérias dificuldades em se fazer entender em inglês.
Se isso não é a receita da vitória, eu não sei mais o que seria.
Ah, e a Hera Venenosa também quer destruir a raça humana, pq ela é louca e má e já ficou estabelecido no filme anterior que todos vilões do Batman são essencialmente o Coringa. A Hera Venenosa é o Coringa com o poder do pólen gadatizador, mas não menos Coringa. E o Bane... continuemos sem falar sobre o Bane.
E se isso tudo já não fosse suficiente, a certa altura, você percebe que a Batgirl/Barbara Gordon que agora é Barbara Pennyworth da Alicia Silverstone também está no filme. Pra que, jamais saberemos ou nos importaremos. Talvez a personagem mais desnecessária da história do cinema, já que qualquer um que tente assistir Batman & Robin já tem o suficiente para lidar com a trama do Mr. Freeze/Poison Ivy/Robin de 42 anos. A esse ponto, francamente, ninguém mais se importa se ela sai de uma mansão para fazer corridas de rua ilegais ou craqueia as senhas do Batcomputador usando o complexo password “ALFRED”.
Tudo isso em um filme onde cada quadro é mais brega do que 300 piadas de tiozão combinadas. Eu estou falando muito sério que esse é um filme que se alguém usasse "é pavê ou pacumê?" como momento dramático sério, estaria totalmente dentro do que foi entregue aqui. É esse o tipo de filme que estamos falando.
É um filme em que a Hera Venenosa vestida como um gorila faz uma dança sexy a 6 metros de altura em um evento beneficente onde Batman e Robin fantasiados estão comparacendo pq o plano era atrair intencionalmente um assassino em massa (o gorila sexy, no caso) para o meio do publico. Eu não estou inventando isso, eu não seria capaz de inventar algo assim mesmo que eu quisesse.
Depois dessa eu até esqueci o que eu tava dizendo... ah sim, as cenas de ação desse filme definitivamente não são nada como qualquer filme do Batman (ou na vida) já tenha feito. Estamos falando de um filme que a dupla dinamica a certa altura está caindo de uma altura de centenas de metros e ao invés de abrirem batparaquedas ou algo que o valha, por motivo nenhum eles pegam bat-pranchas e surfam no ar. Você sabe, apenas... pq não, né? Mas então Robin é supostamente um adolescente interpretado por um ator de 49 anos, o que eu posso dizer a respeito?
Existem close-ups extremamente agressivos de Batpessoas vestindo seus uniformes que fariam um fanservice de anime corar. Eu diria que você não pode inventar uma coisa dessas, mas claramente alguém já o fez. Batman e Robin, senhoras e senhores.
A batbundinha gente, não dá, não tankei a batbundinha |
E o resultado final disso tudo é que basicamente todo mundo envolvido nesse filme já se desculpou publicamente pelo quão ruim é Batman e Robin. O roteirista Akiva Goldsman se desculpou pelo filme, o diretor Joel Schumacer se desculpou pelo filme, e George Cloney já confessou que agradece toda noite que esse filme não acabou com a sua carreira. A carreira da Alicia Silverstone não pode dizer que teve a mesma sorte.
Verdade que perdido no meio do filme e de todas as performances ruins, temos momentos realmente estranhos onde, por exemplo, tem uma cena comovente e genuinamente sincera entre Bruce Wayne e Alfred Pennyworth, e que por um instante parece realmente que eles são uma familia. Boooo, foraaaa, não queremos momentos humanos e tocantes no filme, queremos o Batman disputando um leilão pra comprar uma mulher contra um Robin interpretado por um ator de 56 anos de idade que diz que vai pegar dinheiro emprestado com ele para vence-lo no leilão. E aí o Batman vence sacando o Batcard. É isso que queremos!
Mas não, sério, pelo amor do nosso senhor das profundezas e salvador Cthullu, o que diabos eu acabei de assistir...
Mas hey, agora que eu já passei 2 mil palavras falando sobre esse desastre de filme, suponho que seja um bom momento para dizer que por mais estranho que o filme seja, de alguma forma - e eu juro pra vocês que não sei como - o jogo licenciado dele consegue ser MAIS estranho ainda. Papo sério. Então vamos respirar fundo, fazer uma pausa pra ir ao banheiro, pegar um lanchinho para a viagem e adentrar um capitulo particularmente estranho da história dos videogames. Pq as coisas vão ficar bem estranhas daqui pra frente - mais do que já estavam até então, eu garanto.
Vamos começar do começo: Batman e Robin é um dos jogos mais impressionantes tecnicamente dessa geração.
DE TODAS AS COISAS VOU DIZER QUE NÃO ESPERAVA QUE ESSA FOSSE A DECLARAÇÃO DE ABERTURA!
Mas é, não tem como tirar isso do jogo. Pra começar, Batman e Robin de PS1 é um jogo de mundo aberto e enquanto tecnicamente não é a primeira vez que um jogo te dá uma cidadezinha pra brincar (antes disse tiveram jogos como DIE HARD TRILOGY no próprio PS1 e mesmo QUARANTINE no 3DO), nunca e eu repito nunca antes um jogo teve uma cidade aberta pra explorar tão grande e tão detalhada assim.
Quero dizer, muito sério, os gráficos dessa cidade tem uma variação de cores e um acabamento de design que não veriamos nem em cidades abertas do PS2!
TÁ, AGORA TU ESTÁ EXAGERANDO!
Queria eu estar. Sério:
GTA 3 do PS2 |
E mais sério ainda, o mapa desse jogo é massivamente grande para um jogo de PS1. Para um console que era conhecido por ter problemas de pouca memória RAM, como eles fizeram um mapa que leva VÁRIOS MINUTOS para ir de um lugar a outro da cidade sem engasgar ou dar loading é nada senão magia negra e sedução.
Porém se isso não é vudu o suficiente pra vc, segura essa manga: existem casas que vc pode entrar nessa cidade sem o jogo dar loading! Mano, isso é algo que até o PS4 tem dificuldade em fazer! Tá, tudo bem que não é uma casa grande e que não tem muita coisa lá dentro, mas ainda sim é o fodendo PS1 que estamos falando, obviamente a unica explicação desse jogo sequer funcionar sem implodir numa bola radioativa é nada senão uma oferenda a Baphomet.
E a cidade é bem movimentada até, para um jogo de PS1! Tem cidadões sendo assaltados que vc precisa salvar, tem policia trocando pipocos com bandidos que vc entra no meio de gaiato ... tá, é só isso, mas então mais uma vez ISSO ESTÁ RODANDO EM UM FODENDO PLAYSTATION 1 e estamos comparando uma cidade de mundo aberto com o fodendo GTA.
Considere também que ates do lançamento de Batman e Robin, apenas a coisa de entrar e sair de veículos em uma cidade em mundo aberto era algo sem precedentes para um jogo em 3D (tá, tecnicamente vc faz isso em DICK TRACY do Nintendinho e GTA do PS1, mas são jogos 2D onde isso é bem mais simples de fazer). Para o Batman especificamente foram necessários quatro jogos em duas gerações de console e três desenvolvedoras para permitir que você dirigisse um veículo na cidade na série Arkahm. Em Batman e Robin, você pode fazê-lo logo no início.
Pouta taca la petaca que te ataca tu papa, é um feito tecnico impressionante mesmo.
Os cenários também são bem fieis ao filme, mas aí não sei se isso é mérito do PS1 ou demérito do filme |
Porém se você acha que fazer uma cidade de mundo aberto foi apenas por perfumaria e hortifrutigranjeiros para vender um jogo licenciado no eye candy, então segura essa manga 2: eletric boogaloo porque o mundo aberto não é apenas uma frescurinha que eles colocaram de zoeira, é a base de todo loop de gameplay do jogo!
Como a coisa funciona aqui: existe um relógio interno no jogo (não em tempo real, saiba você) e seu trabalho é coletar pistas pela cidade que mostram onde e que horas o Mr. Freeze vai atacar. Se vc não estiver no lugar certo e na hora certa, ele começa o roubo sem vc. E se ele roubar o que ele quer e ir embora, é game over man, sem choro nem vela.
Então ao invés do seu tradicional jogo de seguir indicações na tela, ele está muito mais perto de um WHERE IN THE WORLD IS CARMEN SANDIEGO? já que você realmente tem que coletar pistas e fazer deduções detetivescas.
Beat'm up com controles de tanque, alguma vez isso já deu certo na história da humanidade? |
Edição 129 (Julho de 1998)