quarta-feira, 23 de setembro de 2020

[AÇÃO GAMES 043] ROCKET KNIGHT ADVENTURES (Mega Drive, 1993)[#501]




Hoje, meninos e meninas do meu Brasil baronil, eu vos ensinarei um segredo que todo mundo sabe, mas ninguém diz: o mundo não precisa de mais jogos de plataforma. Todos os jogos sobre andar da direita para a esquerda, pular e ocasionalmente ter um botão de ataque que precisavam ser feitos já foram feitos.

Isso é verdade hoje, em 2020, mas também era verdade em 1993. Tá bom de jogos de plataforma já.

Mas ok, digamos que você quer muito, muito, muito, muito MESMO fazer um jogo de plataforma just because. Se esse é o seu caso e você sente que PRECISA fazer um jogo desse genero (não precisa, mas digamos que você se sinta dessa maneira), eis algumas dicas do tio C sobre como faze-lo sem ser apenas mais um.




Já que (por qualquer motivo que seja), VAMOS fazer isso, então vamos fazer direito.

A primeira coisa que você precisa, obviamente, é um personagem. E preferencialmente um carismático, um que as crianças lembrem dele. A última coisa que você quer é um Zé Genérico com uma roupa sem graça segurando um cano de escapamento, né Time Slip?


Não, sério, olha esse cara! Você não liga a minima se toda sua família pegar fogo! Não, você não quer esse cara como seu personagem. Mas... o que você quer então? Bem, pessoalmente - especialmente para os anos 90- eu sugeriria um animal antropomorfico.

Você pode pensar em um puppy puro e simples, mas não esqueça que seu personagem também tem que ser capaz de tomar dano e ninguém quer ver um puppy tomando dano. Nem Hittler ia querer isso, e uma boa regra pra vida é nunca fazer coisas que até Hitler acharia pesadas demais. Então um animal capaz de demonstrar algumas emoções humanas é o que você quer.

Claro, não pode ser qualquer animal e não pode ser qualquer emoção. Tipo, se a sua primeira ideia ao ver o bicho é socar a cara dele com um ralador de queijo enferrujado, então provavelmente você não quer esse cara como seu personagem.


Não acho que precise ser dito a este ponto, mas você não quer um Bubsy. Mas... então o que você quer? Deve ser super dificil acertar isso, não?

Super easy, barely an inconvenient: você quer um mamífero (os animais pelos quais somos mais capazes de sentir empatia) com uma combinação de cores legal e com bastante espaço para expressão facial. E se tem algo que a Sega provou naquela época é que a mistura de azul com tom de pele funciona muito bem. Coloque isso em um ... digamos... roedor e seu trabalho já está feito. Ah, e o faça 20% cooler também!




Hãn... um gambá com armadura e espada de cavaleiro medieval, mas também um jetpack e óculos de aviador. Ok, isso funciona, é uma combinação que chama minha atenção e eu gosto de olhar para esse carinha. Temos nosso personagem.

Agora o que um herói precisa mais do que qualquer coisa? Exatamente, um antagonista. Mas veja, estamos falando de um jogo de plataforma aqui, então você não pode usar muito texto (preferencialmente nenhum) para apresentar o seu vilão. Não, é tudo sobre apresentação visual.

Dude, really?
Agora, até onde vilões de jogos de plataforma vão, existem duas escolas a serem seguidas: o vilão pode ser grande e socavel (em outras palavras, gordo), ou pode ser uma versão badass DARQUI TREVOSA DU MAUUUUU do nosso herói. Qual das duas escolher?

Idealmente, minha recomendação é... não escolha. Faça ambos. Um exemplo perfeito disso é a franquia Kirby: nosso adoravel amiguinho rosa que é o pesadelo de jogadores de Smash Bros tem como grandes inimigos o rotundo rei Dedede, mas normalmente durante os jogos você enfrenta também o badass e business-looking Meta Knight.

"Por que eu ando com esse cara?" é uma coisa que Meta Knight se pergunta todo santo dia
Funciona e você tem diversas batalhas de chefes em possibilidades de gameplay, todo mundo ganha.  Sonic sempre tem o Dr. Robotnik e algum outro antagonista radical e irado, como o Metal Sonic ou o Knuckles.

Neste jogo, por exemplo, temos o grande malvadão o Imperador Devligus Devotindo e o seu homem de campo badass, o Rocket Knight renegado Axel Gear. Os nomes podiam ser um cadinho melhores, mas o conceito é sólido.


"Levei a cremosa, preiba" - Gear, Axel.
Não é física quantica, basta apenas saber o que se está fazendo.

Bem, agora que temos nossos personagens, vamos ao jogo em si. A primeira coisa que você precisa em um jogo de plataforma, onde basicamente você pula e atira, é que pular e atirar seja satisfatório e responda como você espera.

Aqui não existem atalhos, é só sentando a bunda na cadeira e trabalhando. Felizmente empresas com vários jogos de sucesso no curriculo a este ponto já tem as manhas de como fazer jogos com controles funcionais, então não é esperar nenhum milagre que empresas como a Capcom ou a Konami façam um jogo com excelentes controles.

Próximo passo, você tem personagens, ele pula e atira e faz tudo muito bem. Ótimo. Entretanto, isso não é mais suficiente. Era suficiente em 85 quando a Nintendo fez o primeiro Mario, agora você precisa de um "plus a mais" e é aqui que entra o que se chama de "gimmick".

O jogo tem que ter uma mecanica, uma ideia própria que será a sua identidade jogativa. Porque se é apenas pra correr e atirar, isso já foi feito a exaustão e o mundo não precisa do seu jogo. Mega Man tem a coisa de ganhar armas dos chefes, Ducktales tem o pula-pula com a bengala, Super Mario World tem os Yoshis e a capa para voar, etc.

Rocket Knight tem, como você pode imaginar, um gambá que é um cavaleiro a jato. Mas o que isso significa? Bem, se você segurar o botão de ataque começa a encher uma barrinha. Ao soltar a barra cheia, nosso catinguento herói sai voando alucinadamente na direção que você está segurando o controle.


Neste caso, a Konami fez uma coisa bastante interessante a respeito do gimmick do gambá foguetinho e que eu realmente recomendo que toda e qualquer empresa de jogos faça a respeito de qualquer jogo lançado a qualquer tempo até o final dos tempos: NÃO FAÇA O DEFINING TRAIT DO SEU JOGO SER UMA BOSTA.

Parece idiota ter que explicar isso, mas é porque é mesmo. Sério, aquilo pelo qual o seu jogo vai ser lembrado, o diferencial dele TEM que ser uma coisa legal. Não existe outra opção, se em alguma coisa NA VIDA você tem que acertar, é nisso.

Em RK, por exemplo, seria muito fácil transformar o gimmick do foguetinho em um pedaço de lixo excrepante. Um jogo de plataforma em que você sai voando para a frente sem controle? Nossa, as chances disso dar errado são muito, muito grandes. Então alguns cuidados foram tomados aqui porque, mais uma vez, ESSA É A PARTE MAIS IMPORTANTE DO JOGO.

Batalha de porcos mechas!
Então quando nosso herói sai voando pela tela como uma barata com asa, ele é invulneravel enquanto isso acontece. Melhor ainda, quando você voa para cima você fica invulneravel até cair no chão de novo, então nada da surpresa desagradavel de você tomar dano por cair em cima de um inimigo que você não sabia que estava lá ou algo do tipo.

Ah, e também não projete o jogo para ele jogar contra o jogador. Nada de atulhar cada passo de momentos "aha, te peguei!". Se esse jogo tivesse vários momentos que fazem você achar que tem que usar seu foguete mas é punido por fazer isso, então ninguém usaria ele. E esse seria um jogo do Jordan Mechner.

Então, conceito chave aqui: jogue COM o jogador, não CONTRA ele.

O choque de ver um gamba a jato vindo na sua direção

Mas legal, legal. Temos toda parte do personagem bem definida já. O próximo ponto é: o que fazer com ele? Bem, essa é a parte mais trabalhosa porque exige muita criatividade. Veja, jogos de ir da esquerda para a direita já foi feito a exaustão não importa onde você coloque as plataforminhas. Mesmo em 1993. Não, você precisa de mais do que isso, você tem que ir além.

E não apenas inventar level design da bunda, você precisa casar ele com a mecanica principal do jogo. Assim como um bom filme precisa que a trama só funcione com aquele protagonista (PROTIP: se o seu protagonista pode ser intercambiado sem consequencias para o filme, então seu filme é genérico e esquecível), um bom level design precisa ser feito em função do defining trait. Do jogo.



Um exemplo ruim: pegue Super Back to the Future 2, e coloque qualquer outro personagem com qualquer outra habilidade no lugar o Martinho McMosca. O que mudaria? Bem pouco, quase nada. E é por isso que ninguém liga para as fases de SBttF 2.

Outro exemplo de level design ruim, talvez o mais iconico de todos: Sonic: The Hedgehog. Vamos lá, qual o defining trait do Sonic? Ele é rápido, ele corre. E como o jogo usa essa característica?


Te travando e impedindo que você seja rápido a cada passo que você dá. Sonic é um dos jogos mais frustrantes que eu já joguei justamente porque ele tem potencial para ser incrível, e a Green Hill Zone - que é a fase que usa o defining trait do personagem a seu favor - é amplamente aclamada como uma das melhores fases da história dos videogames. Só que todo o resto do jogo não é a Green Hill Zone.

Entendem meu ponto aqui sobre casar com uma mecanica? Quando você cria o defining trait para o seu jogo, a partir daí essa é a sua vida. Case com ela, e abrace com ela e não solte mais, faça os jogadores terem desafios que eles só podem ter no SEU jogo e em nenhum outro.

Este gambá viu coisas
Se a sua mecanica não é interessante para carregar o jogo nas costas, então você não tem um jogo. Você tem Mario (com certeza pior executado) com Power Ups diferentes. Isso sendo dito, de que formas interessantes nosso cavaleiro gambá pode fazer uso do seu foguetinho?

Surpreendentemente, de várias.


Uma das coisas legais que dá pra fazer com a foguetagem é que o Sparkster (esse é o nome do gambá, mas não é o nome do jogo - algo incomum para a época) quica nas paredes enquanto voa. Claro que isso é usado em alguns elementos do cenário para avançar, como nessa cena acima, mas mesmo sem isso ser uma máquina dinamica de morte e destruição na fase já é satisfatório o suficiente.


Outro momento muito bonito de usar sua foguetagem (e uma das fases mais bonitas que eu já em um Mega Drive, na verdade) é essa fase que a lava fica subindo e descendo, e você tem que chegar até a próxima plataforma acima do nível da lava antes que ela volte. Para isso você usa o seu foguetinho, só que como mostra a foto, você não enxerga o seu boneco. Você tem que se orientar pelo reflexo na lava.

Os mais detalhistas entre vocês argumentarão que a lava não é conhecida por refletir imagens, ao que eu argumentarei que esse é um jogo sobre um gambá cavaleiro - exigir realismo da superficie da lava é muito além do ponto do jogo.


Outro momento muito bem sacado em que você precisa usar suas habilidades fogueteiras é nessa fase, onde você faz uma corrida contra os caras do outro lado do corredor e para isso precisa foguetear e quicar pelas paredes para ganhar tempo.

Enfim, existem vários momentos onde as habilidades do personagem são utilizadas de formas criativas e interessantes, e é realmente satisfatório jogar um jogo onde dá pra sentir que os desenvolvedores sentaram sobre a ideia e fizeram tudo que conseguiam com ela.

Eita forninho Giovanna!

Apenas isso já seria suficiente para RKA ser um grande jogo, mas a Konami realmente estava afim de impressionar no seu primeiro jogo exclusivo para Mega Drive. Isso porque até esse ponto a Konami não tinha feito nenhum jogo original para o Mega Drive, apenas fez montagens bem nas coxas usando cenas que já tinha usado em jogos para o Super Nintendo, como Teenage Mutant Ninja Turtles: The Hyperstone Heist é um pastiche aguado de Teenage Mutant Ninja Turtles IV: Turtles in TimeTINY TOON ADVENTURES: BUSTER'S HIDDEN TREASURE do Mega Drive é o TINY TOON ADVENTURES: BUSTER BUSTS LOOSE do homem pobre e o Sunset Riders do Mega Drive é uma piada perto do port de SNES, tendo metade dos personagens e metade das fases. E assim vai.

Não, aqui eles realmente sentaram e se dedicaram a fazer um jogo para Mega Drive em um projeto bastante ambicioso de transformar Sparkster no mascote da empresa e nisso até mesmo uma HQ na revistinha do Sonic com o gamba cavaleiro existiu nos anos 90.


Como resultado, Sparkster tem uma história um tanto mais elaborada que o seu videogame padrão da época.

O mundo que se passa o jogo se chama Elhorn, é um mundo de guerreiros, magia e tecnologia steampunk. Especificamente, no reino de Zephyrus.



Zephyrus é um reino com história bem. Seu primeiro rei foi El Zephyrus, embora não se sabe muito sobre ele porque é difícil separar as lendas e mitos antigos dos fatos. A crença predominante é que El Zephyrus era um herói corajoso que lutou contra um bando de invasores do mal que navegavam chegaram em uma nave chamada "Star Pig". Esses invasores trouxeram destruição ao reino de El Zephyrus e seu clã. Em uma batalha épica, El Zephyrus não desistiu e contra todas as possibilidades repeliu a invasão dos porcos espaciais.

Depois de derrotar os invasores, El Zephyrus foi aclamado como governante daquelas terras, e os destroços da Star Pig foram selados magicamente para mantê-lo fora das mãos do inimigo. A "Chave do Selo" era guardada por Zephyrus e sua família real.



De geração em geração, a família Zephyran guardou a Chave. Como a Star Pig tinha o poder de destruir mundos inteiros, o Reino de Zephyrus sempre foi atacado por pessoas cobiçando este poder para si e por conta disso uma força de combate de elite foi formada - os Rocket Knights. Muito da tecnologia da Star Pig foi aproveitada pelo reino de Zephyrus, de modo que esses guerreiros blindados usavam foguetes e espadas místicas, além de excelente treinamento marcial para proteger e servir o reino.

O atual líder dos Rocket Knights é o gambá Sparkster. Ele emergiu se tornou líder quando o seu mestre Mifune Sanjulo foi morto pelo seu discipulo Axel Gear ao saber que Mifune não o escolheria como sucessor para liderar os Rocket Knights. Sparkster lutou contra Axel Gear na época e o baniu do reino, mas há rumores de que Axel Gear está de volta agora

Yep, eu diria que existem indicios que ele está de volta
Axel e aliou ao Império de Devotindos para ter sua vingança e sequestrou a princesa em troca de extorquir a informação da localização de como abrir o selo que protege a Star Pig (que é justamente o tipo de coisa que te fez não ser escolhido, seu louco!). Agora cabe ao seu irmão de treinamento, Sparkster, partir em uma jornada fogueteira para resgatar a princesa e impedir que o Império Devotindos coloque suas patas de porco na Star Pig.

Quer dizer, são literalmente porcos operando mechas steampunks. Eu posso respeitar isso.
A história é relevante para o gameplay porque sabendo o que você está fazendo, a ação acaba ficando mais épica ainda como a fase em que Sparkster invade a capital do Império Devotindos e você tem que desviar das baterias antiaereas do exercito tentando te abater, ou lutar contra Axel dentro da Star Pig e descobrir seu segredo

Eu elogiei isso em Ex-Ranza e é algo que eu gosto muito quando um jogo de plataforma passa a sensação que você está progredindo de alguma forma, não apenas jogando fases aleatórias just because. Sparkster faz isso bastante bem.


Rocket Knight Adventures não é apenas um dos melhores jogos do Mega Drive, é um dos melhores jogos de plataforma jamais feitos e uma aula do começo ao fim sobre como fazer um jogo desse genero. Nota 10 de 10 gambás a jato.