segunda-feira, 14 de julho de 2025

[#1509][Ago/2000] DUCK DODGERS STARRING DAFFY DUCK


Tá bom, vamos começar tirando o pato branco do meio da sala: eu não gosto do Patolino. Pronto, falei. Acho ele insuportável, irritante e totalmente incapaz de aprender com os próprios erros. Lá no fundo, ele sabe que é uma catástrofe ambulante que não consegue fazer nada direito sozinho – mas ainda sai por aí se exibindo como se o universo devesse se sentir honrado em dividir o mesmo oxigênio que ele. E sim, antes que alguém corra pros comentários: sim, eu sei que não é um defeito de roteiro e que ele é escrito assim de propósito.

Mas olha só, não me entenda mal: eu não tenho absolutamente nenhum problema com o Patolino sendo o antagonista do Pernalonga. Na verdade, funciona lindamente! Ver o Pernalonga sendo mais esperto que ele sem se esforçar e tudo explodir (literalmente, com dada frequencia) na cara arrogante do Patolino é metade da graça. O problema é quando o Patolino não é o coadjuvante chato que recebe o que merece – quando a história coloca ele no centro, faz dele o suposto "herói", e deixa a personalidade irritante dele solta e sem freio.

E antes que vocês encham a seção de comentários sugerindo coisas criativas e anatomicamente improváveis que eu deveria fazer com os meus próprios pais – sim, eu sei. Eu conheço a história do Patolino. Sei que ele veio de uma época onde ser um lunático quase vilão era toda a coisa dos cartoons (que o diga o Pica-Pau, os primeiros desenhos dele eram basicamente exercícios de cinco minutos de tortura psicológica contra pessoas tentando apenas fazer o seu trabalho).


O Patolino começou como essa força selvagem e caótica da natureza – pura loucura gargalhante solta na tela. Com os anos, porém, essa "força caótica" foi diluída em mais "arrogante e marrento". E claro, eu entendo as razões históricas. O personagem teve que evoluir, os estúdios mudaram de mãos, o tom dos desenhos mudou... blá blá blá. Mas entender porque algo aconteceu não faz isso ser menos irritante.

E talvez seja por isso que existe exatamente um desenho do Patolino que eu gosto de verdade: "Duck Dodgers no Século 24 e Meio", de 1953. Esse sim funciona. Por quê? Bom, pra começar, é uma paródia apaixonada dos quadrinhos e livros pulp maravilhosamente cafonas – principalmente "Buck Rogers no Século 25" – onde o herói deveria ser um aventureiro espacial destemido e incrivelmente confiante. E esse é um papel que combina perfeitamente com a atitude narcisista, do tipo "eu sou basicamente invencível", do Patolino.

Meu ponto aqui é que nesse estereótipo, o Patolino funciona. Duck Dodgers se exibe, se gaba, age como um herói imbatível... e logo em seguida as coisas explodem na sua cara. Ele não derrota o vilão e fica com a mocinha; ele se derrota com a própria incompetência e arrogância. Ser um pouco (ou muito) babaca era praticamente obrigatório pra interpretar um herói pulp, e vamos combinar – o Pernalonga nunca venderia esse tipo de papel. Pernalonga é muito esperto, muito descolado, ele veria todo o bullshit  do cenário e piscaria pro público. Mas o Patolino nasceu pra esse tipo de coisa.

Bem, realmente é uma pistola desintegradora 😆

A outra coisa que funciona muito nesse desenho é a estrutura: é basicamente um duelo de cinco minutos. Um personagem tentando passar a perna no outro, usualmente com doses extremamente satisfatória de violencia cartunesca – e isso é o cerne do que faz os Looney Tunes tão divertidos em primeiro lugar. Mas diferente da maioria dos outros curtas, esse tem o bônus do cenário de ficção científica que permite aos roteiristas soltarem a criatividade com gadgets e armas futuristas absurdas.

É meio que a mesma fórmula que você vê nos desenhos do Papa-Léguas e Willy E. Coyote, onde a comédia está em com qual engenhoca ridícula o Coyote vai se explodir dessa vez. Mas em "Duck Dodgers no Século 24 e Meio", o cenário nesse mundo retro-futurista exagerado significa que eles podiam ir ainda mais longe do que o normal – e isso já é dizer muito pros Looney Tunes. Capacetes espaciais a jato, armas desintegradores, raios destruidores de planetas... os roteiristas realmente se divertiram aqui, e isso faz o desenho parecer ao mesmo tempo familiar e novo.

E ainda teve a parceria extremamente feliz juntando tudo isso: Michael Maltese no roteiro e Chuck Jones na direção – dois verdadeiros titãs da animação clássica no seu auge. Além disso, Mel Blanc se divertindo horrores dublando todos os personagens do desenho. E não foi só "bom o suficiente"; a atuação do Mel como Marvin, o Marciano foi tão hilariamente perfeita que o Marvin acabou virando um personagem fixo dos Looney Tunes só por causa de como ele soava aqui. Era esse nível do quão foda Melzão da massa estava nesse ponto.



Então sim, eu acredito genuinamente que "Duck Dodgers no Século 24 e Meio" é o melhor desenho do Patolino já feito – e claramente, não sou o único que pensa assim. O curta virou um clássico quase instantaneamente. George Lucas era tão fã que queria exibi-lo nos cinemas antes do Star Wars original (na época era só "Star Wars", ainda não era "Episódio IV: Uma Nova Esperança"). Steven Spielberg até incluiu cameos dele em Contatos Imediatos do Terceiro Grau. A própria Warner Bros. o trouxe de volta com "Duck Dodgers e o Retorno do Século 24 e Meio" em 1980. E ao longo dos anos, acabamos tendo não um, mas dois jogos baseados totalmente nesse desenho de cinco minutos – DAFFY DUCK : THE MARVIN MISSIONS e o jogo que estamos falando hoje – e eventualmente, uma série de TV inteira do Duck Dodgers que durou três temporadas.

Tudo isso... por causa de um único curta absurdo de 1953. Nada mal, hein?

Ah, e já que estamos no assunto, deixa eu falar um minuto sobre a série de TV Duck Dodgers de 2003 que durou até 2005 – porque eu sempre faço meu dever de casa, e faço direitinho. Mas, pra ser sincero, minha análise do seriado é bem simples: eu não gosto.

Olha, a série mantém tudo que eu não gosto no Patolino (leia-se: ele é um babaca insuportável e irritante), mas não tem a dupla criativa divina Maltese-Jones no comando. Então o que você tem são todos os contras... e, infelizmente, nenhum dos prós. Previsivelmente, essa versão do Dodgers é irritante, arrogante, egoísta e, em mais de uma ocasião, apenas cruel. E claro, alguns episódios são melhores que outros – mas muitas vezes os roteiristas até abandonam o cenário de aventura espacial. Tem literalmente um episódio sobre o Marvin jogando golfe enquanto uns esquilos marcianos planejam dominar Marte. Acaba parecendo uma versão diluída e sem foco do que fez o desenho original ser ótimo.

Se eu tivesse que escolher algo positivo, porém, seria absolutamente a música tema de abertura. Tom Jones cantando uma intro estilo James Bond, com direito a paródia completa da abertura do 007? Ouro puro. Sério, é boa pra caramba. Ah, e a dublagem brasileira é espetacular, especialmente o Guilherme Briggs que esta se divertindo horrores dublando Marvin, o Marciano.

SÓ ISSO? VOCÊ TOTALMENTE NÃO VAI MENCIONAR A RAINHA MARCIANA?

Eu... hmm... bem... talvez eu sinta uma leve atração por essa personagem de desenho animado em particular. Mas meu time jurídico me aconselhou fortemente a não tomar nenhuma posição oficial sobre o assunto, Jorge.


Dito isso, vamos finalmente focar no jogo Duck Dodgers do Nintendo 64... que é, pra ser bem sincero, surpreendentemente ok.

A história é simples: Marvin, o Marciano quer explodir a Terra em pedacinhos, mas descobre que sua arma destruidora de planetas está com poucos átomos de energia. Entra o jogador como o Patolino convencido e falastrão em sua persona de Duck Dodgers, que precisa percorrer cinco planetas diferentes para coletar átomos suficientes e salvar a Terra da fúria minúscula e enluvada do Marvin. É uma premissa que naturalmente se encaixa no genero mais iconico do Nintendo 64: o caça-colecionáveis em plataforma 3D.

Agora, Duck Dodgers não está na mesma liga dos pesos pesados da Rare ou da Nintendo – você não vai confundir esse jogo com BANJO-KAZOOIE ou SUPER MARIO 64 – mas ele se encaixa confortavelmente na prateleira do meio perfeitamente respeitável. E sinceramente, isso não é pouco, especialmente considerando que foi desenvolvido pela Paradigm Entertainment, que também nos deu o surpreendentemente bom BEETLE ADVENTURE RACING e trabalhou em PILOTWINGS 64.


A estrutura aqui é direta e familiar. O Patolino (com o Gaguinho como seu ajudante azarado) cai de paraquedas em um novo planeta. Sua missão é coletar átomos – basicamente cumprindo o mesmo papel que as Estrelas no Mario 64 ou as Jiggies no Banjo. Alguns átomos estão escondidos em lugares espertos, outros você ganha completando desafios de plataforma, e outros resolvendo quebra-cabeças. Depois de pegar átomos suficientes – geralmente cerca de 80% do total do planeta – você desbloqueia a luta contra o chefe do planeta. Derrote o chefe (descobrindo e explorando seus padrões, claro), e você é recompensado com uma cutscene genuinamente bem animada do Patolino e Gaguinho decolando pro próximo destino... só pra, inevitavelmente, serem abatidos ou caírem espetacularmente.

Repita o processo, e você tem uma fórmula bem clássica do final dos anos 90. Nenhum molde está em perigo de ser quebrado aqui, mas Duck Dodgers consegue manter as coisas interessantes de vez em quando. Às vezes com um cenário genuinamente legal – como o palácio onde o reflexo do seu personagem realmente aparece nos pisos de mármore polido. É um pequeno toque, mas pro N64 é bem impressionante. Outras vezes, ele apimenta a plataforma básica com algumas corridas, uns minijogos e até uma surpresa: uma seção em primeira pessoa. É variedade suficiente pra você não desligar completamente entre as caçadas de átomos.


Dito isso, por mais esforçado e surpreendentemente detalhado que Duck Dodgers possa ser, também fica bem claro que esse jogo não tem aquele nível refinado de polimento que você esperaria da Nintendo ou da Rare. Os controles são... ok, mas definitivamente não têm a precisão do Mario ou do Banjo. O pulo do Patolino, em particular, parece meio flutuante e impreciso, o que pode transformar algumas seções de plataforma em exercícios de frustração. E, como praticamente todo jogo de plataforma do N64 que não se chama Super Mario 64, a câmera pode ser problemática – embora, pra ser justo, eu já tenha visto coisas (muito) piores.

Mas o verdadeiro vilão aqui é o sistema de save. Você pode voltar pra nave do Patolino – o hub onde você acessa as três fases de cada planeta – e pode viajar de volta pra planetas anteriores quando quiser... mas você não pode salvar manualmente. Porra, você nem pode salvar toda vez que pega um átomo novo. Em vez disso, o save só acontece quando o jogo decide que você pode – geralmente depois que você termina uma subseção importante de um planeta, mas nem sempre, e nunca quando você realmente gostaria. É completamente a critério do jogo, criando uma dificuldade artificial e aumentando o tempo de jogo da forma menos satisfatória possível.

Mas então, como é comum nesses jogos de caça-colecionáveis, o jogo não é tímido em te dar itens de cura. Então, enquanto buracos e precipícios sem fundo são seus maiores inimigos, eles só são ameaçadores até certo ponto – você geralmente consegue recuperar sua vida com facilidade.


Talvez o maior sinal de que o Duck Dodgers não chega aquele escalão superior de polimento seja no conjunto limitado de movimentos do Patolino. O pato pode correr e pular, e apertar o botão de pulo de novo te dá um pulo duplo. Ele pode fazer um ground pound. Tem também um chutinho fraco que mal arranha a maioria dos inimigos – sinceramente, é melhor nem se dar ao trabalho de tentar matar nada a menos que você tenha munição pra sua pistola, felizmente evitar inimigos é bem fácil. Mas além disso meio que não tem mais nada. Fora a mecânica de pulo um pouco frouxa, tudo funciona, mas meio que para por aí.

Se eu não pareço muito entusiasmado, é porque realmente não estou. Tá, vá lá, eu esperava que o jogo fosse muito pior. Então, crédito onde é devido: fiquei positivamente surpreso com como os planetas não seguem todos o mesmo modelo previsível de "mundo de gelo, mundo de lava, mundo de grama". Ok, tá – tem um mundo de gelo (você não escapa desse clichê), mas os outros quatro planetas são bem originais nos temas, e até o mundo de gelo em si é decentemente executado.


Um recurso genuinamente legal que mostra um pouco de cuidado no design: sempre que você entra numa área nova, uma mensagem aparece te dizendo quantos átomos faltam encontrar naquela seção imediata – e raramente são mais que dois. Esse detalhe facilita demais acompanhar seu progresso e te salva de ficar andando sem rumo, sacudindo cada arbusto atrás de colecionáveis que você pode ter perdido. É uma coisinha pequena, mas mostra que alguém da equipe estava prestando atenção no que torna esse gênero realmente divertido.

O que é meio irônico, quando você pensa sobre isso: a coisa mais redentora de um jogo do Patolino é que ele não tenta ser insuportável ou te irritar. O jogo em si é bem humilde. Ele está ciente das suas limitações e não toma sua paciência como garantida porque o jogo entende que só sabe fazer uma coisa: ser um jogo de plataforma 3D mediano. Não tem um traço de genialidade nível Rare no design das fases, e você não vai encontrar nenhuma engenhosidade tipo Miyamoto aqui. Mas ele tenta ao máximo garantir que você ainda se divirta com o pouco que oferece: alguns ambientes criativos, uma ideia esperta aqui e acolá, e variedade suficiente pra manter os átomos vindo.


E como eu disse – é bem irônico. O que faz esse jogo funcionar é exatamente o conjunto de traços que o próprio Patolino tão famosamente não tem: humildade, autocrítica e uma preocupação em tentar não ser um babaca. Exceto por aquele sistema de save, fuck that shit.

MATÉRIA NA AÇÃO GAMES
EDIÇÃO 141 (Julho de 1999)


EDIÇÃO 157 (Novembro de 2000)


MATÉRIA NA SUPER GAME POWER
EDIÇÃO 075 (Junho de 2000)


MATÉRIA NA GAMERS
EDIÇÃO 054 (Fevereiro de 2000 - Semana 4)


EDIÇÃO 073 (Julho de 2000 - Semana 3)