domingo, 27 de julho de 2025

[#1516][Jan/2000] SAKURA WARS: Hanagumi Taisen Columns 2


No último episódio desta posmodernista viagem pela história dos videojogos, falamos sobre Sakura Wars 2: Thou Shalt Not Die: a sequência surpreendentemente competente da Sega que não apenas não estragou tudo, como também nos deu tudo o que queríamos — mais waifus charmosas da era Taisho, mais batalhas táticas com robôs a vapor e mais chances de passar vergonha com flertes desajeitados de anime.

E, como eu disse naquela review, a essa ponto Sakura Wars havia se tornado uma franquia completa com todo tipo de produto licenciado — o que inclui, é claro, spin-offs. Agora, se você for como eu — e que Amaterasu te ajude se for — seu primeiro instinto é suspirar tão dramaticamente que quase trouxe a moda emo dos anos 2000 de voltar. O que eles iam fazer aqui, exatamente? Talvez um jogo de plataforma com os gadgets da Kohran Li?  Ou um jogo de esporte sobre a rotina de treinamento da Kahna? 

Não. Tivemos... uma newsletter digital. Sim, sério. A Sega basicamente vendia aos fãs o equivalente a fanzine revista em disco cheia de artes de personagens, entrevistas e um monte de texto. Porque, sabe, anos 90.

O primeiro de muitos discos feitos para fãs, este foi lançado em fevereiro de 1997, menos de meio ano após o primeiro jogo. Sakura Taisen Hanagumi Tsuushin, (algo como "Sakura Wars: Notícias da Divisão das Flores", refletindo seu tema como uma espécie de newsletter sobre o que está acontecendo no fandom de Sakura Taisen a esse momento (lembre-se que é uma época antes da internet ser algo acessível a todos, mesmo no Japão). O disco é apresentado como um boletim informativo, que você pode folhear, ampliar e ler, e clicar para ver cenas. Por exemplo, clique na matéria sobre o programa de rádio Sakura Taisen (porque é claro que tinha um programa de rádio), e a Sakurinha vai ler os horários em que o programa vai passar em cada região do Japão — algo bastante útil de ser informado 28 anos depois, mas divago. 

Você também pode jogar um pequeno quiz que determina qual membro da Tropa das Flores combina melhor com você, culminando em uma cena de encontro. Há também pequenos clipes curtos de cumprimentos das dubladoras.


O segundo fan disc de Sakura Wars, lançado em novembro de 1997, foi muito mais robusto que seu antecessor, Hanagumi Tsuushin. Embalado em dois discos separados — cada um com seu próprio manual, nada menos —, oferecia aos fãs novas artes, cenários inéditos e minijogos, em vez de apenas extras estáticos. O primeiro disco, chamado de "Play Disc", permitia escolher sua heroína favorita para estrelar como DJ de um programa de rádio fictício da Imperial Revue. Entre ler cartas de fãs e brincadeiras, você desbloqueava minijogos temáticos de cada garota e, eventualmente, acabava no modo "Feeling Couple" — que, naturalmente, terminava com um encontro meiguinho. E como a Sega nunca perdia uma chance de marketing, também divulgava o então prestes a ser lançado Sakura Wars 2: Thou Shalt Not Die.

O segundo disco, o "Musical Disc", oferecia uma versão resumida do primeiro musical teatral, Ai yueni ("Amor, portanto"). Além da apresentação, o disco incluía entrevistas com o elenco das seiyuu que também interpretavam seus personagens no palco. Claro, a qualidade do vídeo era o tipico granulado do Saturn, mas naquela época, ver qualquer filmagem ao vivo parecia mágica. Por fim, só para tentar os fãs mais devotos, o disco incluía um catálogo completo de produtos da marca que você absolutamente precisava comprar para provar sua devoção. No geral, era a Sega dando aos fãs exatamente aquilo que eles queriam: novas imagens das nossas heroínas adoráveis, minigames fofos, conhecer mais sobre as dubladoras e uma avalanche de produtos questionáveis para torrar seu dinheiro como se não houvesse amanhã.


Mas aí a Sega lembrou que na verdade possuía outras propriedades intelectuais. E assim, o terceiro spin-off de Sakura Taisen fez infinitamente mais sentido: uma versão de Sakura Taisen... para COLUMNS, que era o principal puzzle da Sega até eles descobrirem PUYO PUYO. Hanagumi Taisen Columns combinava garotas fofas de anime com joias coloridas caindo. Parece preguiça — e, honestamente, sua reação instintiva pode ser: "Ah, ótimo, eles simplesmente colaram o rosto da Sakura em Columns e pronto". Mas aqui está a coisa: se você conseguir suprimir esse ceticismo e testar, bem, de alguma forma, é... meio que bem legal.

Avançamos então para janeiro de 2000 e para promover o port de Sakura Wars 2: Thou Shalt Not Die para Dreamcast e a Sega lança a sequência: Sakura Wars: Hanagumi Taisen Columns 2 (que alias é o primeiro Sakura Taisen para a sexta geração).


Então, o que temos aqui que justifique um spin-off próprio e não apenas adicionar column como um minigame dentro de Sakura Wars 2: Thou Shalt Not Die? Bem, algumas coisas na verdade.

Primeiro, o óbvio: a potência do Dreamcast significava sprites 2D de alta qualidade, animação mais suave e efeitos especiais mais brilhantes. Assistir Sumire ou Sakura desferindo golpes especiais é um pouco mais satisfatório quando o visual não é sufocado pelo hardware da Saturn. Segundo, o elenco se expandiu para incluir as novas heroínas de Sakura Sakura Wars 2: Thou Shalt Not Die — porque não seria uma sequência de verdade se a sua tsundere italiana com daddy issues favorita não pudesse brincar junto, certo?

E terceiro — e isso era absolutamente futurista em 2000 — oferecia jogo online através do modem de 33,6k integrado do Dreamcast. Sim, você podia desafiar estranhos aleatórios (ou, mais realisticamente, dois outros nerds que você conheceu em um fórum) para ver qual waifu conseguia lançar os combos de gemas mais mortais. É claro que esses servidores estão mortos e enterrados há mais tempo do que algumas guerras históricas de verdade, mas o fato é que eles existiram.


Mecanicamente, esse jogo é essencialmente COLUMNS. Você empilha gemas que caem, combina no minimo três de uma cor em qualquer angulo e se conseguir combos enche sua barra de especial para atrapalhar o jogo do coleguinha. Como eu disse, COLUMNS. Mas é Columns com todo o toque teatral de Sakura Taisen: ataques especiais chamativos temáticos para cada heroína, falas das seiyuus originais, artes de personagens super fofinhas no centro da tela e uma trilha sonora que, de alguma forma, ainda consegue soar como uma abertura heroica de anime mesmo enquanto você assiste a uma cascata de gemas acabar com sua sequência.

É simples, sim. É assumidamente superficial, claro. Mas também é exatamente o que promete ser: uma bobagem arcade que voce termina antes de um lanche, que combina a fórmula de gemas que caem da Sega com o charme de Sakura Taisen. O que é tudo que ele precisa ser. Porque aqui está a coisa: Hanagumi Taisen Columns 2 não pretende ser uma grande reinvenção dos puzzle. Não tenta competir com a profundidade técnica de PUYO PUYO ou a elegância matemática de TETRIS. Ele só quer te fazer sorrir enquanto Sumire te provoca presunçosamente e sua pilha de joias implode.

Então, sim, no papel, pode parecer o spin-off mais cínico que se possa imaginar. Mas jogue e você verá por que ele é lembrado com carinho — mesmo que apenas por aquele pequeno grupo de fiéis fãs do Dreamcast que mantinham seus modems conectados esperando por um adversário online que nunca veio. E, na verdade, às vezes isso basta. Porque quando se trata da Sega e do Sakura Taisen, raramente é sobre o que faz sentido — é sobre o que te faz sorrir.

Então o verdadeiro apelo de Hanagumi Taisen Columns 2 não é a jogabilidade de puzzle. Quer dizer, sim, é o COLUMNS — sólido, atemporal, divertido combinando cores. Mas o verdadeiro atrativo é o conteúdo extra.


Além dos modos versus padrão para um e dois jogadores, a Sega — que Amaterasu os abençoe quando são ocasionalmente funcionais — adicionou um serviço extra aos fãs na forma do Modo História e o Modo Shonen Red. E permita-me dizer, esses são  Sakura Taisen em sua Sakura Taissísse máxima, no melhor sentido possível.

No Modo História, você escolhe uma das heroínas da Imperial Combat Revue e a acompanha em algumas travessuras diárias deliciosamente bobas. Como, por exemplo, Orihime lendo sobre o conto budista do Milionário de Palha, interpretando-o completamente errado como uma tradição sagrada japonesa e passando o dia inteiro importunando o resto do elenco para trocar itens cada vez mais ridículos — resolvidos, é claro, por meio de batalhas de puzzle. É absolutamente ridículo, mas o verdadeiro deleite aqui é ver como a vida normalmente rola nos dias de semana do Teatro Imperial quando nossas heroínas não tem dramalhões pessoais para resolver ou combater demonios do inferno... tudo renderizado em belas ilustrações desenhadas à mão em HD, em vez dos sprites de 240p de Saturno do primeiro jogo.


O sistema LIPS (Live Interactive Picture System) também retorna: você tem os mesmos diálogos de múltipla escolha que podem fazer uma garota sorrir de afeto ou franzir a testa em exasperação de anime. Só que agora, sua comédia romântica é ocasionalmente interrompida por desafios de COLUMNS — como limpar gemas acima de uma certa linha dentro de um limite de tempo. E eu preciso dizer que esses não são exatamente desafios simples. Elas podem ser brutalmente difíceis, e o jogo não segura sua mão exatamente. Acredite em mim como o testemunho de um homem cujas habilidades em COLUMNS se classificam em algum lugar entre "um pouco constrangedoras" e "deveriam ser ilegais".

E tem o Modo Shonen Red, que é maravilhosamente estúpido no sentido certo. Mais uma vez, você escolhe sua heroína favorita — mas em vez de um enredo normal, as garotas estão encenando uma peça de teatro: Shonen Red. E cada uma delas quer ser a heroína principal. Naturalmente, esse problema só pode ser resolvido através da arte sagrada de... duelos de combinação de gemas.


Você luta contra todo o elenco da Divisão das Flores e, cada vez que vence, sua rival é rebaixada a um papel secundário hilariante e humilhante na peça: bruxa velha, feiticeira malvada, cavalo ou uma caixa de correio. E sim, vença o modo e você ganha créditos personalizados no final, listando qual heroína azarada acabou interpretando qual acessório bobo. É o tipo de detalhe extra tão estranhamente específico que você  não tem como não admirar

E é aí que Hanagumi Taisen Columns 2 brilha: não é apenas Columns com o papel de parede de Sakura Taisen colado preguiçosamente. É Columns, reimaginado com todo o charme, humor e emoção que tornam esta franquia especial. Ao invés de apenas reciclar gravações do jogo anterior, temos falas originais do elenco estelar? Confere. Uma montanha de novas artes deslumbrantes preenchendo sua tela enquanto você combina gemas? Confere. A capacidade de personalizar as gemas que caem em pequenas cabeças de Sakura? Confere.

Então, sim, à primeira vista, combinar uma franquia de visual novel de simulação de namoro com um jogo de quebra-cabeça sobre joias coloridas caindo soa... questionavelmente inspirado, mesmo para os padrões da Sega. Mas, contra todas as probabilidades, funciona. Funciona porque não se contenta com uma conexão preguiçosa; Ele traz o humor, a dublagem, a arte e os modos peculiares que fazem você se importar com esses personagens — mesmo quando eles tentam superar uns aos outros pela honra de interpretar uma caixa de correio no palco.

E isso, meus amigos, é a magia da Sega em seu melhor: não em apostas bilionárias com hardware, mas em projetos paralelos estranhos, charmosos e estranhamente sinceros que te fazem sorrir, apesar de tudo. Em vez disso, eles criaram um spin-off surpreendentemente esforçado e estranhamente charmoso, que parece menos uma tentativa de ganhar dinheiro no piloto automático e mais um agradecimento caloroso aos fãs que fizeram de Sakura Taisen um fenômeno.

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EDIÇÃO 056 (Março de 2000 - Semana 2)