Há não muito tempo atrás assim eu escrevi sobre uma das séries de TV mais influentes e lembradas com carinho dos anos 90: XENA: Warrior Princess. Como mencionei na época, Xena começou como vilã em outra série, mas acabou se tornando tão popular que ganhou seu próprio spin-off que ofuscou completamente a série original.
Então, hoje, vamos voltar as raízes disso, vamos falar da série que começou tudo isso, vamos falar de Hércules: As Jornadas Lendárias.
Embora... para ser bem honesto, não tem muito o que dizer sobre Hércules, e acho que a própria série meio que sabe disso. Se duvida de mim, basta ouvir a abertura da série com um voice over estrondosamente dramático e me diga se ela já não te diz tudo que vc precisa saber sobre o programa:
Ele rodeava o mundo combatendo seguidores da perversa madrasta dele, Hera a onipotente Rainha dos Deuses
Tipo... uau. Tirando que isso é deliciosamente brega pra caralho... O que mais eu poderia acrescentar? Quero dizer, eles já descreveram a série inteira bem aí.
Porque Hércules: As Jornadas Lendárias é, em essência, o mais próximo que chegaremos de uma série de TV da Era de Ouro do Superman — basta trocar a capa por sandálias e Metrópolis por florestas vagamente greco-romanas. Hércules é todo-poderoso, invencível e moralmente perfeito a níveis quase ridículos. Ele sempre faz a coisa certa, não importa o que aconteça. Seus inimigos? Ah, eles são tão caricaturalmente malignos quanto maligno pode ser — não raramente gargalhando, frequentemente usando delineador e definitivamente não hesitando em anunciar suas intenções perversas a quem quiser ouvir.
Ao contrário de XENA: Warrior Princess, onde a história se inclina para a ambiguidade moral e o arco de redenção de uma ex-vilã tentando trilhar o caminho dos mocinhos, Hércules já nasceu bom. Não apenas "ajuda velhinhas a atravessar a rua" bom — estou falando de "provavelmente pede desculpas às formigas quando pisa nelas sem querer" bom.
OLHA... ISSO NÃO PARECE EXATAMENTE UM ÓTIMO MATERIAL PARA UMA SÉRIE DE TV DOS ANOS 90. QUER DIZER, ONDE ESTÁ O CONFLITO? CADÊ O DRAMA? O ANTI-HERÓI TORTURADO REMOENDO NAS SOMBRAS? O TRIÂNGULO AMOROSO ENVOLVENDO UMA ESPADA FALANTE? ALGUMA COISA!
Bem... definitivamente não tem muito disso, eu te garanto. Mas aqui está o plot twitter carpado: é exatamente isso que faz a série funcionar. Veja, a coisa é que Hércules sabe exatamente o que é. Não está tentando ser ousado, profundo ou emocionalmente complexo. Não tem aspirações de ganhar Emmys ou lançar um discurso filosófico sobre a condição humana. É uma série boba, leve e mitológica da maneira mais exagerada possível. E nunca finge ser outra coisa. E essa autoconsciência é a sua arma secreta. Então, como isso funciona na prática?
Bem, em um episódio comum, Hércules, por um motivo ou outro, acaba se esforçando muito para ajudar alguém. Por quê? Porque é a coisa certa a se fazer, é claro. Talvez haja um senhor da guerra maligno aterrorizando uma vila. Talvez uma fera mitológica esteja devorando pastores. Talvez um deus mesquinho tenha decidido que terça-feira é um bom dia para castigar mortais. Seja qual for o problema, Hércules aparece — não porque precisa, mas porque deve.
TÁ, MAS SE ELE É TÃO PERFEITO E INVENCÍVEL... ELE NÃO PODERIA RESOLVER AS COISAS NA PORRADA EM TIPO 5 MINUTOS?
Bem... sim. Na maioria das vezes, sim. Só que ele não faz porque não é assim que ele faz as coisas. Veja, Hércules insiste em fazer as coisas do jeito certo — o jeito que causa o mínimo de dano, o jeito que resolve a raiz do problema em vez de só esmagar cabeças, o jeito que até dá aos bandidos uma chance de redenção se eles não forem completamente irredimíveis. Ele não é apenas o homem mais forte do mundo — ele é o mais gentil. E é aí que entram as complicações.
...O QUE AINDA NÃO PARECE MUITO MATERIAL, NÃO É?
No papel, não. Mas aí você liga a série e realiza algo crucial: este pode ser o elenco mais bonito já reunido na televisão. Quer dizer, basta olhar para eles. Kevin Sorbo é Hércules. Ninguém discute isso. O homem parece uma estátua grega ganha vida, todo músculos esculpidos e um queixo heroico, brilhando perpetuamente e andando por aí com uma camisa aberta — o que, sejamos honestos, é mais para protocolo do que para cobrir seu peitoral talhado. E isso que não raramente a camisa nem sobrevive ao final do episódio pq... bem:
Não que o elenco feminino fosse menos divino — todas pareciam ter sido escolhidas a dedo pela agência de elenco de Afrodite. É basicamente um SOS Malibu com temática da mitologia grega, completo com cabelos esvoaçantes, músculos bronzeados e cenas de luta que giram em torno de "vagamente coreografadas". A ação é engraçada, os monstros são ridiculos e as lições morais são pintadas com tinta neon para serem bem obvias e adequadas para toda a família.
Hércules é o equivalente televisivo de comfort food. É o tipo de programa que você assiste depois de um longo dia, quando não quer complexidade moral ou bagagem emocional — você só quer algo que pareça bonito, seja agradável e não exija uma dissertação para ser apreciado. Você encontra cenários mediterrâneos pitorescos e vagamente antigos, pessoas absurdamente bonitas fazendo coisas absurdamente nobres, algumas piadas para toda a família e cenas de ação que não ficariam fora de lugar em um desenho animado de sábado de manhã. É absolutamente seguro, envolto em luz dourada e jogadas de cabelo em câmera lenta.
Com o passar das temporadas, a série se sentiu ainda mais confortável em abraçar seu tom descontraído. Ela se inclinou para o camp, para a estranheza, para a pura alegria de ser uma série de fantasia sem nenhuma vergonha. Em certo momento, Hércules luta contra Drácula. Sim, aquele Drácula. Em outro momento, um feitiço o lança para os dias atuais, onde ele acaba estrelando uma série de TV sobre o Hercules mitológico sob o nome de Kevin Sorbo... o que sinceramente deve ser o episódio mais plausível de toda a série. Explicaria muita coisa, na verdade.
Não é surpresa que Hércules: As Jornadas Lendárias tenha sido ofuscado por seu próprio spin-off. XENA: Warrior Princess tinha algo que Hércules nunca teve — tinha um tema, arcos de personagens, uma agenda narrativa. Contava histórias com propósito, com profundidade emocional e, às vezes, até com impacto social. Não é preciso ir muito longe para encontrar depoimentos de pessoas que dizem que Xena mudou suas vidas — seja pela representatividade LGBTQ+, pelo empoderamento feminino ou simplesmente por entregar uma história muito boa e emocionalmente impactante quando a TV ainda estava descobrindo como fazer isso.
Hércules? Hércules não faz nada disso. Mas aqui está a parte importante: ele não tenta. Ele nunca finge ser esse tipo de série. Não está aqui para explorar identidade, trauma ou o peso do legado. Está aqui para ser bonita, se divertir e deixar Kevin Sorbo jogar as pessoas em pilhas de feno enquanto sorri em câmera lenta. Está aqui para ser segura, confortável e assumidamente simples. E, sinceramente? É exatamente por isso que funciona.
Porque, em vez de tentar enfiar temas ou comentários sociais que não se encaixam no DNA da série, Hércules simplesmente se aprofunda no que ela é — uma diversão mitológica com barriga tanquinho, frases de efeito e, ocasionalmente, um monstro de CGI nível Playstation 2. E, por causa disso, acaba complementando Xena perfeitamente. Você não tinha uma série tentando ser duas coisas ao mesmo tempo — você tinha duas séries muito diferentes, tentando fazer coisas muito diferentes, e ambas tendo sucesso no que se propuseram a fazer.
E, no final, não é esse o melhor resultado possível? Todo mundo sai ganhando.
Dito isso, vamos finalmente fazer o que viemos fazer aqui: falar sobre o jogo licenciado. E, bem... não começamos exatamente com o pé direito. Não, no momento em que você liga o Nintendo 64, é recebido por uma visão mais sinistra do que qualquer hidra, demônio ou pesadelo induzido por Hera. Você vê... aquele emblema amaldiçoado da dor... a raposa vermelha da perdição...
Titus Software.
Meu Deus.
Sim, os mestres do sofrimento, os dementadores dos títulos licenciados, os LJN da era do N64. No momento em que o logotipo deles aparece, um arrepio percorre sua espinha e você praticamente consegue ouvir sua infância gritando em desespero. Agora, a notícia um pouco boa é que o jogo não foi desenvolvido diretamente pela própria Titus. Não, eles terceirizaram para o pessoal da Player 1 Software, um estúdio que já havia trabalhado em estreita colaboração com Titus em *checa anotações* Blues Brothers 2000. Então... é, talvez "boas notícias" sejam palavras fortes...
Mas, ei, crédito a quem merece — a Player 1 Software tentou fazer algo que parecesse familiar. Tão familiar, na verdade, que eles basicamente disseram: "Sabe o que todo mundo ama? THE LEGEND OF ZELDA: Ocarina of Time! Vamos... fazer isso. Exatamente isso. Só que com sérias restrições orçamentarias!". Enfase na parte das restrições.
Esse jogo não é apenas "inspirado em" Ocarina of Time. Não, isso é tão copiado quanto eles conseguiram fazer, e eu estou falando muito sério em usar as mesmas texturas, terreno, interface. O menu de pausa, as fontes, as cercas, as animações — tudo parece ter sido copiado da grande aventura de Link e passado por um filtro "Made in Taubaté".
Você inicia o jogo e imediatamente se vê jogado no que só pode ser descrito como uma Kokiri Village da Shopee. É como se alguém tivesse comprado Ocarina of Time do Perigo que te garantiu que era "basicamente a mesma coisa, mano".
E embora eu entenda a lógica por trás disso — "Todo mundo ama Zelda, vamos usar isso!" — talvez eles quisessem considerar que o jogo não está se beneficiando em nada ao convidar a uma comparação tão direta. É como aparecer em uma festa à fantasia vestido de Aragorn, mas com uma espada de plástico e meias no lugar das botas. Sabemos quem você está tentando ser. Apenas... não está funcionando.
Qualquer boa vontade que de alguma forma sobreviveu ao soco inicial de "Nossa, esses caras estão tentando me enganar com um Zelda pirata" mal passa dos primeiros minutos de jogo. Porque assim que você começa a se mover as coisas pioram e muito. Este não é Kevin Sorbo: Demigod Deluxe. Este não é o herói lendário confiante e de camisa opcional.
Não. Aqui, Hércules se move como um sprite rejeitado de algum jogo de plataforma europeu flutuante para Amiga — desajeitado, sem peso e estranhamente hesitante. Desleixado nem começa a descrever o quão frouxos os controles parecem. Mas você não entende realmente a metade do problema... até tentar acertar alguma coisa.
Olha, eu entendo. Eu realmente entendo. Vocês estavam realmente, realmente desesperados para copiar Zelda. Eu vejo o esforço. Eu sinto o desespero. Mas se você já está no modo "copiar e colar" — se chegou tão longe na toca do coelho da clonagem — então por que, em nome de tudo o que é pixelado e sagrado, você não copiou a única coisa que realmente importava?
Sabe, o que tornou o combate 3D de Zelda tão revolucionário? O que ainda define os jogos de ação até hoje? Target. Locking.
![]() |
Target Lock é uma mecanica popularizada por THE LEGEND OF ZELDA: Ocarina of Time e usada em jogos modernos até hoje como Final Fantasy XVI que facilita muito a sua vida fazendo seu boneco e a camera responderem em relação a um alvo especifico, o que é vital para acertar ele e não ficar perdido no espaço 3D |
Porque sem ter como travar a mira em um inimigo, você fica com um Kevin Sorbo flutuante dando socos no ar enquanto os inimigos dançam como se estivessem zombando de você, e a câmera decide se virar para um canto e ficar de mau humor. Você não está apenas lutando contra bandidos ou feras — você está lutando contra os controles, os ângulos, a detecção de acertos e, possivelmente, contra sua própria vontade de viver.
Vocês copiaram as cercas. Vocês copiaram a grama. Vocês copiaram o menu de pausa, pelo amor de Zeus. Mas quando chegou a hora da mecânica principal — a coisa que realmente fez o combate de Ocarina of Time parecer suave e intuitivo — vocês de repente tem objeções morais? É AQUI que você traça o limite e pensa: "Hmm, talvez não devêssemos copiar muito. Isso seria antiético"?
Vocês. Estão. De. Sacanagem. Comigo.
Tudo isso foi só uma brincadeira de mau gosto? Vocês ficaram sentados na sua masmorra mal iluminada da Titus, gargalhando enquanto eu me esforçava para acertar um único soco como o Sorbo Flutuante? Vocês programaram a solução. Vocês implementaram a solução. E então a trancou atrás de horas de sofrimento e a ofereceu como uma recompensa perversa por sobreviver à sua própria incompetência em design? Inacreditável. UN.FUCKING.BELIAVABLE.
Então é isso. Hércules se move muito mal. O combate dele faz você sentir falta do SUPERMAN: The New Superman Adventures. Tá, não é tão ruim assim. Eles não erraram tanto assim. Mas ainda assim, é doloroso.
Dito isso... a ideia por trás do jogo não é totalmente terrível (embora jogá-lo seja). Você tem uma espécie de versão em mundo aberto da Grécia Antiga, e seu trabalho é vagar por aí e ajudar os
Então o que temos aqui é basicamente um GTA semimitológico — o que, conceitualmente, poderia ter sido bem legal! Um mundo grande, missões, ajudar mortais, colocar centauros em órbita no soco — poderia funcionar.
…Exceto, é claro, que são os leais cachorrinhos da Titus no comando. E eles não reconheceriam uma boa ideia nem se ela descesse do Olimpo e os acertasse na cabeça com uma frigideira de ouro. Porque "ajudar as pessoas" neste jogo não parece uma aventura heroica divertida — parece percorrer uma burocracia soviética de missões mesquinhas e exaustivas, elaborada por alguém que odeia a alegria.
Exemplo: o prefeito da Trácia está preso em um feitiço. Você precisa de uma gema mágica para libertá-lo. Simples, certo? Errado.
E quando você pensa que não pode piorar — quando você pensa que talvez esteja quase terminando uma dessas tarefas hercúleas — eles te dão um sorriso safado e dizem: "Ah, a propósito, agora você precisa ganhar 300 moedas de ouro para comprar um item de missão. Cada inimigo deixa cair, tipo, cinco moedas. Divirta-se, campeão!"
Porque eu meio que sinto pena das pobres almas da Player 1 Software. Se esse jogo todo não é um pedido de socorro metaforico o suficiente, eles colocaram um pedido de socorro bem literal dentro do jogo na forma de uma NPC.
Existe uma cidadezinha no jogo chamada Santa Monica. Agora, a menos que eu tenha faltado em uma aula muito especial de geografia e que exista uma Santa Monica a 32km de Creta, vou presumir que esse nome é uma referência à sede real da Player 1: Santa Monica, Califórnia.
Nesta cidade, você encontrará uma garota. E ela te conta algo completamente anacrônico e sem relação com a fantasia do jogo: o pai dela faleceu porque "ele ficou sem tempo... ele recebeu alta do hospital muito antes do que deveria. Todo o processo foi incrivelmente corrido".
Isso não faz o menor sentido no contexto da Grécia Antiga. Mas faz todo o sentido se você ler pelo que realmente é: uma quebra da quarta parede por parte dos desenvolvedores para fazer um pedido de desculpas. Uma admissão de que o jogo está quebrado, e é uma bagunça inacabada porque todo o processo foi rushado e lançado antes de estar pronto.
Isso não torna o jogo menos ruim. Ainda é uma bagunça quente servida fria. Mas o fato de os desenvolvedores terem se dado ao trabalho de inserir aquele momento de honestidade — por menor que seja — bem... eu respeito isso. Até me sinto mal por eles. Porque, claramente, eles não queriam lançar essa monstruosidade no estado em que se encontra.
E se tem uma coisa que aprendi com toda essa provação hercúlea, é o seguinte: Não somos tão diferentes, você e eu, desenvolvedores. Você se arrependeu de tê-la criado. Eu me arrependo de tê-la jogado. E em algum lugar, nas ruínas de Santa Monica, nossas almas se encontraram brevemente unidas pela dor compartilhada do sofrimento poligonal.
Posso não gostar do seu jogo, Jogador 1. Nunca gostarei. Mas pelo menos concordamos em uma coisa: o quanto nós dois odiamos a Titus. E se não é isso o que realmente une as pessoas no nível mais profundamente humano — dor compartilhada, trauma mútuo e uma profunda aversão aos senhores corporativos que rusharam a realização dos musculos besuntados em suor másculo do Kevin Sorbo — eu não sei o que mais seria.