quinta-feira, 17 de julho de 2025

[#1511][Out/2000] GRANDIA 2

Na review de hoje, vamos falar de Grandia 2. Mas antes de começarmos, preciso situar vocês sobre algo pessoal: o primeiro GRANDIA é um jogo que significa bastante pra mim. Sabe, eu sempre tento ser uma pessoa positiva, ver as coisas pela perspectiva do copo meio cheio...

SUA REVIEW DE ECCO THE DOLPHIN: Defender of the Future PARECE DISCORDAR DISSO

Até onde é humanamente possível, Jorge. Eu sou um nerd boomer, não Dalai-Fucking-Lama da Silva. Seja como for, meu ponto é que, sejamos honestos, a vida já é ruim o suficiente por si só sem que fiquemos babando ovo de trevosidades e a ruindade humana. E é por isso que sempre gostei de histórias que exploram o encanto e a esperança, histórias que lembram como é olhar pro mundo com olhos arregalados de maravilhamento, não com cinismo.

Por essa razão que o Superman, por exemplo, é o meu super-herói favorito. Não porque ele seja invencível ou possa tirar um planeta da órbita no soco, mas pelo que ele representa: a esperança de que, apesar de todas as nossas falhas e medos, podemos escolher ser melhores. Que a humanidade pode superar ser um mero catadão de macacos egoístas e covardes. Ele é um símbolo da crença simples, mas poderosa, de que existe algo inerentemente bom em nós pelo qual vale a pena lutar.

A capa japonesa do jogo é bem sem gracinha, na real

E o primeiro GRANDIA toca esses mesmos acordes lindamente. Esse é um jogo lançado numa época em que os videogames estavam obcecados por anti-heróis torturados, destinos sombrios e backgrounds terrivelmente sofridos — mas GRANDIA funciona diferente. Era uma história sobre aventura pelo prazer da aventura, sobre a alegria de descobrir o que há do outro lado do muro, sobre manter viva aquela centelha de curiosidade infantil, não importa a idade. Não é um jogo ausente de perigo ou dificuldades, mas, no fundo fim do dia era sobre ser acolhedor, esperançoso e honesto.

É um jogo que, mesmo agora — ou melhor dizendo, especialmente nos dias de hoje — é como uma mão gentil no seu ombro, lembrando que não tem nada de errado em sonhar — olhar para o horizonte não com medo, mas com entusiasmo e admiração. E é importante que vocês entendam meus sentimentos pelo primeiro jogo para entendermos de onde eu estou vindo agora que vou falar sobre a continuação.

Dito isso, eu fui jogar Grandia 2 com expectativas altíssimas — porque, como falei, quase não existem jogos como o primeiro Grandia. Jogos que exibem seu otimismo sem vergonha. E... bem... como dizer isso sem soar rude? Grandia 2 não tem NADA a ver com o primeiro.


Quer dizer, sim, mecanicamente falando, é bastante o mesmo jogo — na verdade é até melhor e mais polido, e chegaremos nesse ponto. Mas o tom? A sensação? É tão diferente que, se não fosse pelo nome e o sistema de combate você teria dificuldade em me convencer que faz parte da mesma série.

Tá, vá lá, isso não é inerentemente ruim. Afinal, Final Fantasy se reinventa a cada novo título, mudando temas, mundos e até mesmo o tom da história e eu adoro isso. Mas desta vez... tenho que admitir, foi mais difícil para mim aceitar como uma tabula rasa. Em parte porque, como eu disse, eu realmente adorei o coração esperançoso e aventureiro do primeiro jogo. Mas talvez principalmente porque... 

... pela luz de Granas, esse vai ser um daqueles dias, né?

Bem, antes de continuar, é melhor explicar um pouco da lore — pra o mundo (e por que eu dizer que o clima é tão diferente) fazer sentido.

Em linhas gerais, temos aqui o clássico de alta fantasia: há muito, muito tempo atrás houve um confronto épico entre o Deus da Luz, Granas, e o Deus das Trevas, Valmar. No final, Granas saiu vitorioso, e o corpo de Valmar foi despedaçado e espalhado pelo mundo. Mas o mal nunca fica enterrado; com o tempo, esses fragmentos de Valmar começam a tentar revivê-lo, invadindo os corações das pessoas vulneráveis — possuindo-as e transformando-as em receptáculos vivos da escuridão.

Para impedir que isso aconteça, a Igreja de Granas basicamente atua como uma mistura de lideres espirituais e inquisição, eliminando qualquer um que mostre sinais de estar possuído pelos fragmentos de Valmar — e fazendo o que for preciso para impedir que a escuridão ressurja. É nesse panorama geral que a história nos coloca.

O Hino de Granas, um tema recorrente cantado durante o jogo, é surpreendentemente cantado em português... quer dizer, é uma japonesa cantando em PT-PT e não PT-BR, então pode precisar das legendas para entender...

E então conhecemos Elena: uma sacerdotisa devota de Granas, de coração puro mas criada em uma bolha, cuja vida vira de cabeça para baixo quando ela acaba sendo escolhida pelo destino (ou melhor, pelo próprio Valmar) para receber um de seus fragmentos — especificamente, as Asas de Valmar. Seu pai tenta desesperadamente salvá-la realizando um exorcismo, mas a cerimônia falha. Sem outra escolha, ele envia Elena para a capital da Santa Sé, na esperança de que o próprio Papa encontre uma maneira de salva-la.

Para proteção nessa jornada perigosa, eles contratam um mercenário — chamado de Geohound neste mundo (palavra usada por motivo nenhum que senão soar maneira) — chamado Ryudo. E é aí que nossa história começa: com um espadachim cínico e calejado encarregado de escoltar uma sacerdotisa inocente que carrega um pedaço literal de um mal ancestral selado dentro dela. É uma situação mais sombria do que a energia ingênua "vamos em uma aventura e ver o que há depois da próxima colina!" do primeiro Grandia — e imediatamente você sente a diferença.

Agora, para ser sincero, não posso dizer que não gosto dessa configuração. Pelo contrário, tem coisas genuinamente interessantes nela. Elena é a clássica garota protegida, ingênua e de bom coração, que foi criada com fé e liturgia a vida toda. Ryudo, por sua vez, é um mercenário cansado — alguém que viu muito do mundo para se dar ao luxo da esperança, da compaixão ou de se importar com qualquer coisa além do seu próximo pagamento.


E, honestamente, esse contraste de um guerreiro calejado escoltando uma figura inocente não apenas poderia funcionar como de facto funciona regularmente: The Last of Us, God of War 2018 e "O Profissional" provam isso. Adicione a isso que a Game Arts pode nunca ter se destacado por contar épicos grandiosos, mas eles sempre tiveram um talento especial para as pequenas coisas: os momentos tranquilos e humanos que acontecem entre as grandes tramas. É nesses momentos — ao redor da fogueira, durante caminhadas tranquilas, em pequenas conversas inesperadas — que as histórias da Game Arts geralmente brilham mais.

Este cenário dá margem para esses pontos fortes respirarem. Há um potencial real aqui para Ryudo baixar gradualmente suas defesas, para lembrar que a vida é mais do que dinheiro e cinismo. E para Elena perceber o quão protegida e privilegiada ela foi, e que o mundo não é em preto e branco como as escrituras sagradas lhe ensinaram.

E para ser justo... em certo sentido, sim, o jogo entrega essa ideia. Há aqueles momentos em que as barreiras baixam um pouco, e os personagens parecem pessoas reais e vulneráveis, em vez de arquétipos. E é nesses vislumbres fugazes e humanos que você ainda pode ver o coração que tornou o primeiro GRANDIA tão especial.

As coisas ficam ainda mais interessantes quando você entende que as "Asas de Valmar" não são apenas uma força maligna irracional selada dentro de Elena — a corrupção de Valmar é mais sobre dar forma a sombra de sua própria persona, o lado de si mesma que ela tenta desesperadamente manter escondido. Entra Millenia, sua alter-ego "malvada" que surge de tempos em tempos. Mas Milenia não é um demônio monstruoso; ela é tudo o que Elena se recusa a se permitir ser: confiante, assertiva, sem vergonha do seu próprio corpo (e mais do que disposta a mostrá-lo), direta e absolutamente sem remorso. Ela sabe o que quer, fala o que pensa e não se importa em manter as aparências.

Essa configuração não apenas me interessa como, muitos anos depois, um dos meus jogos favoritos de todos os tempos construiria uma história inteira em torno dessa mesma ideia — personagens confrontando suas sombras junguianas, as partes de si mesmas que reprimem e tem vergonha. Vulgo, Persona 4, que entende o quão poderosos e humanos esses lados ocultos de nós mesmos podem ser.

Portanto, tudo considerado, Grandia 2 realmente cria um cenário especial. Temos uma premissa forte, uma dualidade fascinante em sua heroína principal, e a história naturalmente se apoia no maior ponto forte da Game Arts: aqueles momentos íntimos e humanizadores em que os personagens se abrem silenciosamente uns com os outros. O que nos leva à grande pergunta de um milhão de gils: será que eles realmente conseguiram?

Bem, vamos deixar essa grande questão de lado por um momento — porque, honestamente, esta é uma pausa dramática boa demais para desperdiçar — e mudar de assunto para falar sobre a jogabilidade.


Em termos de mecânica, Grandia 2 se mantém fiel ao que tornou o primeiro jogo excelente, apenas um pouco mais suave e ágil (e com um tutorial decente para explicar as mecanicas dessa vez). Um rápido resumo para quem nunca jogou: o coração do sistema de batalha de Grandia é sua barra de tempo única. Quando o ícone de um personagem chega na parte COM da barra da imagem acima, você pode ordenar uma ação que será executada quando chegar no fim da parte vermelha ACT. 

E é aqui que a coisa fica mais inteligente: você tem dois tipos básicos de ataques físicos. "Combo", que é um ataque de dois golpes que causa mais dano no geral, e "Crítico", um golpe único, porém que pode cancelar a ação iminente de um inimigo — desde que você o calcule corretamente pra acertar quando ele também estiver na parte vermelha da barra.

Então o jogo se torna uma dança de escolhas: você busca o dano bruto ou sacrifica um pouco de poder para interromper aquele ataque especial desagradável que o inimigo está preparando? Vale a pena arriscar tomar alguns golpes dos inimigos; outros, você vai querer interromper imediatamente. É um sistema que mantém cada luta interessante porque você não está apenas macetando o botão de ataque — você está constantemente lendo o fluxo da batalha, calculando o tempo de execução dos seus ataques e decidindo quem interromper antes que chegue a sua vez. E honestamente,  a satisfação de ficar trollando um chefe e impedindo ele de executar seus ataques é imensamente satisfatória quando você consegue executar isso.

Vê como os icones do chefe recuam quando vc acerta um cancel quando ele chega na parte vermelha da barra? Esse é o jogo

Além disso, você tem dois recursos limitados para gerenciar: MP para magias e SP para habilidades específicas do personagem. A magia depende de quais Ovos de Mana (basicamente cristais elementais) você equipou, então é flexível e pode ser trocado conforme o que você precisa (especialmente quando a party muda e vc precisa de um novo healer). As habilidades, por outro lado, são únicas para cada personagem e dão a eles sua própria identidade em combate. É um sistema que recompensa tanto o planejamento quanto a improvisação.

Você também pode personalizar seus personagens ainda mais gastando os Pontos de Mana e os Pontos de Habilidade que você ganha junto com a EXP normal após as batalhas. Elas permitem que você torne seus feitiços e habilidades mais rápidos de conjurar, mais fortes ou até mesmo desbloqueie habilidades passivas inteiramente novas — como aumentar sua força em 50% ou aumentar sua chance de esquiva. Não está no mesmo nível de insanidade de subsistemas que vc encontra em um RPG da Tri-Ace, mas é profundo e interessante o suficiente para mantê-lo focado em ajustar e otimizar sua equipe.

Então, sim, mecanicamente, é um jogo satisfatório — e se torna moleza se você souber o que está fazendo. Se você construir com inteligência em torno dos pontos fortes de cada personagem, aprender os padrões dos inimigos e cronometrar seus cancelamentos corretamente, você pode basicamente atropelar tudo em seu caminho — até mesmo os chefes finais. O jogo não economiza em recarregar sua vida, MP e SP após lutas contra chefes, nem em pontos de recuperação espalhados generosamente dentro das dungeons, então você raramente se vê em uma guerra de atrito por recursos.


Eu não iria tão longe quanto algumas reviews que afirmam que a dificuldade é completamente trivial — você ainda precisa entender o sistema e prestar atenção em lutas mais difíceis. Mas depois que você pega o jeito, sim ... é definitivamente um  JRPG que fica bem fácil. Falando em masmorras, o design do jogo parece surpreendentemente moderno. Ou melhor, talvez seja mais preciso dizer que muitos jogos modernos não respeitam seu tempo tanto quanto Grandia 2.

O que quero dizer é o seguinte: tem uma bússola na tela que aponta para pontos de interesse na sua área atual, com um círculo verde que mostra a distância que você está. Assim, quando estiver vagando por uma cidade, você pode configurar a bússola para guiá-lo até o INN, a loja de armas ou o prédio que precisa visitar para avançar na história. Na dungeon ela aponta a direção geral, mas achar o caminho no labirinto ainda depende de você.


Para um jogo de 2000, isso é realmente impressionante. Especialmente considerando que, naquela época, os desenvolvedores não tinham vergonha nenhuma de desperdiçar nosso tempo — afinal, os jogos eram caros pra caramba, e nós literalmente não tinhamos nada melhor pra fazer. Acrescente a isso o fato de que você pode ver os inimigos na tela em vez de batalhas aleatórias e o que temos aqui é que Grandia 2 realmente respeita seu tempo. 

TÁ, AGORA QUE DEIXAMOS DE LADO A PARTE TECNICA, VAMOS VOLTAR AO CERNE DA QUESTÃO: O JOGO REALMENTE ENTREGA TODAS AQUELAS IDEIAS PROMISSORAS? 

Bem, essa é realmente uma questão que precisa ser abordada... em alguns instantes. Antes de encerrarmos, tem algumas outras coisas que eu preciso citar.

Primeiro, a trilha sonora. Noriyuki Iwadare retornou para compor para Grandia 2 e ele demonstra uma versatilidade artistica impressionante ao fazer uma trilha tão boa quanto a anterior porém agora para um tema e tom completamente diferente. Há faixas realmente ótimas aqui — alguns temas de cidade que parecem um momento de luz do sol rompendo nuvens pesadas e temas de chefes que fazem um trabalho melhor em vender o que está em jogo do que o roteiro jamais consegue. Mesmo que a história às vezes tropece, a música está lá para carregar as coisas na direção certa.


Visualmente, o jogo também é bastante impressionante para a época — especialmente a versão original para Dreamcast. Os modelos dos personagens têm aquele visual animado e limpo de anime, e os ambientes, embora muitas vezes simples, têm momentos de verdadeiro charme. Pequenos toques — como a forma como as capas e os cabelos se movem, ou os detalhes nas cidades — dão vida ao jogo. Ironicamente, mesmo que a história se esforce tanto para ser melancólica e cinzenta, a direção de arte permanece bastante colorida e limpa, o que a faz parecer um desenho animado de sábado de manhã lidando com a filosofia existencial. Nem sempre coerente, mas nunca desagradável de se ver.

... e agora, é isso, vamos fazer o que viemos fazer aqui em primeiro lugar. Então, como é a sensação geral em relação a Grandia 2? Bem, vamos colocar desta forma: eu adoro as ideias que Grandia 2 tenta explorar mais do que o que ele realmente consegue fazer com elas.

Como eu disse antes, a Game Arts nunca foi conhecida por uma escrita estelar. O que eles acertam em cheio, e o que tornou o primeiro GRANDIA e o primeiro LUNAR: The Silver Star Story tão pessoais e sinceros, são aqueles pequenos momentos humanos intermediários — as conversas tranquilas ao redor da fogueira, as trocas provocativas, as batidas que fazem os personagens parecerem vivos. Mas quando se trata de desenvolvimento mais profundo dos personagens, construção de mundos complexa ou narrativa genuinamente cheia de nuances... bem, esse não é exatamente o ponto forte deles. Você já pode ver isso na reta final mais confusa de GRANDIA ou em LUNAR 2: Eternal Blue, onde a ambição supera a execução.


Veja Ryudo, por exemplo. Os roteiristas claramente tentaram Squallizar ele: começando como um babaca cínico e frio que gradualmente se torna alguém que se importa. Mas FINAL FANTASY 8 tinha a vantagem de ser quase duas vezes mais longo, com Squall praticamente carregando toda a narrativa nos ombros — e, não menos importante, a Square tem um histórico de escrever protagonistas de RPG mais ricos e complexos. A Game Arts nunca conseguiu fazer isso no mesmo nível, e não é aqui que começou.

Então, Ryudo começa como o clássico edgelord taciturno e eventualmente se transforma em uma figura mais heroica e empática... mas a escrita por trás dessa mudança não é tão sutil, e muitas vezes parece apressada ou um pouco forçada. O mesmo vale para a luta interna de Elena com Millenia — aceitar as partes de si mesma das quais se envergonha. É um conceito fantástico, algo que poderia ter sido verdadeiramente profundo. Mas o que vemos se desenrolar no jogo parece mais um esboço dessa ideia do que uma jornada totalmente realizada e emocionalmente ressonante.

No final, não é que Grandia 2 não tenha as ideias certas — ele tem, com certeza. É que a história simplesmente não consegue corresponder a elas. O mesmo vale para o tema central do jogo: que o mundo não é tão preto no branco quanto acreditamos quando somos crianças. Que a luz nem sempre é puramente boa e a escuridão nem sempre é puramente má — assim como o fogo não queima apenas e a água não dá apenas vida.


Em defesa do jogo, há alguns momentos genuinamente fortes e dispersos em que ele se inclina para essa desconstrução, e essas são facilmente as partes mais interessantes da história. Por exemplo, vemos como a Igreja de Granas, tão consumida por sua própria hubris justiça, vai longe demais — transformando a pureza da fé em algo cruel, inquisitorial, quase medieval em seu zelo. Ao mesmo tempo, "o povo das trevas", descendentes daqueles que lutaram ao lado de Valmar na guerra, revelam-se gentis, decentes e, às vezes, até mais sábios do que aqueles que se deleitam na luz.

Esse tema realmente entra em foco na reta final, quando o jogo finalmente revela o que a antiga guerra entre Granas e Valmar realmente foi — e a história se torna surpreendentemente reflexiva. Era uma vez um mundo muito parecido com o nosso, até que um ser de uma dimensão superior chegou: Granas. Ele trouxe paz, prosperidade e bênçãos infinitas àquele mundo em dificuldades e, naturalmente, as pessoas o adoravam como um deus. E por um tempo, tudo parecia perfeito... até que a humanidade se tornou complacente, estagnada e inteiramente dependente de Granas para resolver todos os problemas. A centelha que impulsiona as pessoas — o espírito humano — começou lentamente a se extinguir sob a abundancia da providência infinita.

Algumas pessoas viram esse perigo e entenderam que o excesso de uma coisa boa pode sufocar o que nos torna humanos. Então, criaram uma arma para enfrentar Granas: Valmar, a personificação do espírito inquieto e rebelde da humanidade.

Essa revelação se encaixa perfeitamente no tema central do jogo — que a luz e a escuridão não são inerentemente boas ou más; elas existem em equilíbrio e cada uma pode corromper ou elevar à sua maneira. E como eu disse, conceitualmente, é uma ideia incrivelmente convincente, muito mais rica do que você poderia esperar. É só que... bem, como acontece com tantas coisas em Grandia 2, a ideia em si brilha mais do que a execução.

Porque, como eu disse, o próprio conceito exige uma escrita muito mais sutil e em camadas do que a Game Arts foi realmente capaz de realizar. É o tipo de história que vive ou morre em nuances: puxe demais na direção errada e seu grande debate filosófico sobre luz, escuridão e natureza humana se desintegra em vilões cartunescos retorcendo os bigodes que são malignos do mal apenas pq odeiam o bem.

E... bem... adivinhe o que temos aqui? É — basicamente isso.


Em vez de um elenco de personagens complexos e moralmente cinzentos que fariam esses temas ressoarem, acabamos com membros do grupo e antagonistas que parecem muito mais maniqueístas do que a história realmente precisa. Veja Tio, por exemplo: ela é apresentada como uma máquina de guerra mecânica criada pelas forças de Valmar, cujo arco inteiro gira em torno da descoberta de emoções e da prova de que não é apenas um autômato sem alma. O que parece bom no papel... mas pense menos na 2B de NieR: Automata lutando contra o vazio existencial e mais como um robô de desenho animado de sábado de manhã que aprende sobre amizade da maneira mais previsível e brega possível.

E esse é o problema: grande parte da escrita de Grandia 2 cai na mesma armadilha. Os personagens não são exatamente ruins — eles são apenas escritos da maneira mais básica, segura e clichê imaginável. Você praticamente consegue saber tudo que os personagens vão dizer antes mesmo dos personagens abrirem a boca. E quando toda a sua história deveria ser construída explorando tons complexos de cinza, esse tipo de escrita superficial faz com que toda a narrativa soe vazia. É frustrante, porque a essência de algo especial está bem ali. Ela simplesmente nunca recebeu a qualidade que merecia.

Então, meu ponto aqui não é que Grandia 2 seja um jogo ruim — longe disso. Em muitos aspectos, especialmente em termos de mecânica, eu realmente gostei mais dele do que do primeiro. Mas onde mais importa — bem no kokoro — simplesmente não atinge o mesmo nível. 

He's got a point, thou

Então existe realmente um motivo para o primeiro Grandia ser lembrado até hoje com um sorriso sincero, celebrado por seu calor e inocência. Grandia 2, por outro lado, é lembrado com carinho no máximo pelos fãs do Dreamcast... e mesmo assim, muitas vezes fica em segundo plano em relação a SKIES OF ARCADIA (que, como já escrevi naquela review, tem sua boa quota de problemas).

Em certo sentido, pode-se argumentar que a diferença é, acima de tudo, temática: o primeiro jogo é sobre a essência da infância — a inocência, a curiosidade, a esperança sem limites que te impulsiona a ver o que há além da próxima colina. O segundo jogo é mais sobre a adolescência — aprender a verdade sobre o mundo, questioná-la, rebelar-se contra o que te ensinaram.

E, bem... acho que todos podemos concordar que o jovem tem que acabar.

MATÉRIA NA AÇÃO GAMES
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