Quando pensamos em RPGs japoneses, dois nomes inevitavelmente nos vêm à mente: Dragon Quest e
Mas se você é do tipo que quer algo diferente — algo mais arriscado, mais estranho e com espírito indie — então sua melhor aposta é a Dark Horse Comics neste confronto de editoras: Atlus. Através do vasto multiverso Megami Tensei e seus inúmeros spin-offs, a Atlus oferece RPGs ousados e experimentais que muitas vezes borram a linha entre mainstream e nicho. Seja o dungeon crawling de negociação com demonios de Shin Megami Tensei ou a teatralidade junguiana de amadurecimento de Persona, seus jogos parecem polidos e inconfundivelmente japoneses. Às vezes, eles têm falhas, mas raramente são chatos — e sempre estilosos o suficiente para fazer você parecer descolado se mencioná-los em uma festa.
Mas hoje, não estamos aqui para falar da Atlus. Em vez disso, estamos voltando nossa atenção para sua prima estranha. Porque se Atlus é o que você menciona para provar que é um fã não-casual de RPG, então a Nippon Ichi Software é o que você menciona em círculos mais undergrounds — como em um porão, um servidor de Discord de nicho ou os cantos mais obscuros do 4chan.
A IDEIA DE QUE AS PESSOAS DISCUTEM RPGS JAPONESES EM FESTAS DIZ MUITO SOBRE A SUA VIDA SOCIAL, SABE?
Eu trabalho com o mundo como ele deveria ser, não como ele é. Mas divago, o ponto de hoje é, sim, a Nippon Ichi. Sabem tem algo quase trágico — mas também cativante — na Nippon Ichi Software. Se você já jogou algum Phantom Brave ou Disgaea, sabe que eles são um estúdio transbordando de criatividade excêntrica, tão peculiar e destemido quanto a Atlus sempre foi. Mas enquanto a Atlus passou anos talhando suas ideias em RPGs polidos, elegantes e modernos que flertam com o mainstream, a NIS continuou dançando no mesmo teatro de bairro: charmosa, colorida, muitas vezes inteligente, mas nunca chegou a pisar no grande palco.
Não é que falte visão à NIS — longe disso. Este é o estúdio que construiu jogos inteiros em torno de pinguins explosivos, níveis máximos na casa dos milhares e números musicais irreverentes. O que às vezes lhes falta é, além do orçamento (obviamente), a sutileza técnica e a ambição de produção que poderiam ter impulsionado sua criatividade de "clássico cult" para "definidor de gênero". Seus jogos muitas vezes vivem nesse espaço agridoce: é fofo, é engraçado, é diferente... mas... E esse "mas" é o motivo pelo qual eles continuam sendo uma curiosidade que apenas jogadores de RPG muito hardcores ouviram falar em vez de uma potência.
E se você quiser um resumo que encompassa tudo que tem de melhor e de pior a respeito da Nippon Ichi Software em um único jogo, não precisa ir muito além de "Rapsodia: Uma Aventura Musical". Lançado em 1998, Rhapsody é o puro suco de NIS: heroínas adoráveis, bonecas falantes, humor cafona e até números musicais à la Disney. Mas ao mesmo tempo é também um jogo que mostra muito bem o que os impedem de ser a primeira prateleira dos RPGs.
O conceito narrativo do jogo é, honestamente, um dos mais singulares que já encontrei em todos os RPGs apresentados neste blog. Rhapsody: A Musical Adventure é provavelmente o mais próximo que teremos de um filme da Disney reimaginado como um RPG japonês.
Nossa heroína aqui é Cornet, uma garota orfã, temperamental mas de bom coração de uma vila tranquila cujo maior sonho é o mais clássico possível: apaixonar-se pelo seu próprio Príncipe Encantado. Mas Cornet não é a típica menina do interior comum — ela nasceu com um dom especial: o poder de dar vida a bonecas e falar com elas. Imagine, se quiser, uma heroína que mistura o anseio por romance da Pequena Sereia, o talento de Branca de Neve para conversar com criaturas (embora aqui sejam bonecos em vez de bichinhos da floresta) e a inquietação de Bela de querer mais que uma vida em uma cidadezinha, tudo costurado em uma protagonista fofamente animada.
E quando eu digo que esse jogo é um filme da Disney em formato de RPG, não me refiro apenas à história. O título em si é bem literal: uma aventura musical. Ao longo do jogo, Cornet, seus companheiros e até mesmo os vilões explodem em canções completas para expressar seus sentimentos, objetivos e frustrações — de uma forma alegre e descaradamente Disney.
É o tipo de ousadia criativa que raramente se via, mesmo em JRPGs do final dos anos 90 — e é exatamente onde o DNA peculiar da NIS brilha mais forte. Eles não tinham medo de trocar espadas e demônios por flautas, tiaras e comédia romantica.
E embora a premissa já pareça algo que só a NIS ousaria lançar, a jogabilidade também não é a típica de jRPG. O combate é construído em torno de um sistema de RPG tático: você move Cornet e seus aliados por um tabuleiro, tendo que considerar movimentação e alcance dos ataques no estilo clássico da estratégia. Mas aqui está a diferença: os membros do seu grupo são as bonecas que Cornet encontra e reanima em sua jornada.
Pense em Pokémon, só que em vez de monstros fofinhos, você coleciona marionetes, pelúcias e manequins full Annabelle. E fica ainda mais estranho: para "dar vida a uma boneca", Cornet não apenas espalha pozinho mágico — ela literalmente infunde a alma de alguém que já faleceu ao brinquedo. Imagine explicar isso em um chá da tarde: "Ah, este é o meu coelhinho de pelúcia, ele é habitado pelo fantasma de um espadachim que foi esfaqueado nas costas pelo seu melhor amigo". Você realmente é um coisinha única, Cornet, temos que te dar isso.
Então, aqui temos essa mistura improvável de um musical da Disney e Brinquedo Assassino — e você provavelmente já consegue adivinhar para onde a história vai, certo? Cornet parte em uma jornada para conquistar o coração do príncipe, mas ao longo do caminho ela aprende a lição mais antiga dos contos de fadas: o amor verdadeiro não vem de um bonitão com quem você trocou 5 frases, mas daqueles que sempre estiveram ao seu lado.
E tem como ficar ainda mais interessante por trás dessa camada de açúcar. Entre missões secundárias, Cornet ajuda almas trágicas da Terra dos Pés Juntos, reencarnando-as em bonecas para que possam terminar seus negócios inacabados e finalmente descansar em paz. É doce, é mórbido e é estranhamente tocante — o tipo de coquetel emocional estranho que só alguem como a NIS sequer tentaria.
Agora, o jogo entrega todo esse potencial?
E é aqui que a velha maldição da Nippon Ichi começa a atrapalhar as coisas. Eles criaram esse conceito fantástico, repleto de charme bizarro e possibilidades criativas... e então o que fazem com ele pode ser descrito como, sendo muito generoso, apenas mediano.
A primeira metade da história é exatamente o que se esperaria de um jogo como Rhapsody: Cornet entra em um concurso organizado pela rainha para decidir quem se casará com o príncipe. Ela compete contra todas as donzelas elegíveis do reino, e esses concursos se tornam deliciosamente ridículos — em certo momento, Cornet até tenta seduzir o príncipe disfarçada de ursinho de pelúcia gigante (não pergunte). É bobo, romântico e estranhamente sincero, e funciona porque se inclina para o absurdo de um jeito que só funcionaria em conto de fadas musical.
O verdadeiro problema começa na segunda metade. Depois que Cornet inevitavelmente vence o concurso, uma vilã — cuja idade e motivações são, digamos, questionáveis — decide que quer o príncipe para si. Mas, sendo uma feiticeira incompetente, ela acaba por transformá-lo em pedra. Oopsie. Então Cornet agora precisa quebrar a maldição reunindo cinco pedras elementais, e é aqui que a trama entra no piloto automático de RPG.
De repente, ficamos presos na rotina de "vilazinha da semana". Cada vila tem um problema de episódio filler de anime. Cornet o resolve e, em troca, ganha o próximo macguffin mágico. É tudo tão genérico, tão seguro, tão sem graça que mal parece o mesmo jogo que antes teve a coragem de lançar sua heroína em um concurso de sedução musical fantasiada de urso.
E se narrativamente o jogo meio que abandona o seu potencial de tolice musical da Disney em prol de algo generico e sem graça, mecanicamente é ainda pior. O combate de Rhapsody é tão simplista que quase parece uma paródia. Tecnicamente, é um RPG tático — tem um grid, as unidades se movem, as magias têm áreas de efeito — mas nada disso realmente importa. Os jogos posteriores da série sabiamente abandonaram a grade tática por completo em favor de um sistema de batalha de turnos, e o remake para DS segue o exemplo, porque, na prática, o "tático" do original é tão útil quanto barraco com piscina.
O combate também é ridiculamente fácil. Inimigos comuns caem com um ou dois golpes, a menos que sejam chefes, aliados sobem de nível absurdamente rápido e desbloqueiam habilidades devastadoras, e o gerenciamento de recursos é praticamente inexistente. Durante a minha jogatina inteira eu usei um total de UM único item de cura — e isso foi para um aliado de nível baixo que eu tinha acabado de recrutar.
Terreno não faz diferença nenhuma, vantagem de altura não existe. Todos os mapas de batalha são completamente planos, com uma pedra ocasional no meio do mapa de vez em quando mas meio que é isso. Até mesmo o posicionamento pouco importa, já que é muito raro uma situação em que algum atacante não consiga chegar no alcance para causar dano, isso sem contar as magias de area.
Todo o sistema se resume a Cornet tocando sua trombeta para fortalecer aliados, e então esses aliados desferem ataques poderosos que causam o dobro ou o triplo de dano do HP dos inimigos. E embora o jogo permita que você colete novos bonecos (cada um supostamente com diferentes afinidades elementais e movimentos), os elementos não parecem realmente fazer nada significativo em combate. Raramente há uma situação em que faça diferença quem você leva, então não tem pq vc apenas não ficar com os que tem nível mais alto ou o que acha o visual mais legal, não importa mesmo.
Ocasionalmente, monstros derrotados podem até se juntar à sua equipe — o que parece legal até você perceber que é igualmente inútil. Toda a mecânica de coletar fantoches aliados poderosos, infundi-los com almas e montar seu próprio grupo bizarro, mecanicamente falando é uma completa bobagem.
O estilo artístico de Rhapsody é inegavelmente charmoso — e, na verdade, envelheceu surpreendentemente bem. Cada cidade parece vibrante, com seu próprio layout distinto, paleta de cores e pequenos floreios que lhe conferem personalidade. Os designs dos personagens em si são pura excelencia dos animes dos anos 90: expressivos e repletos do mesmo calor estético que você encontraria em Slayers ou Sailor Moon. Até mesmo os retratos desenhados à mão nas cenas de diálogo capturam o estilo lúdico e ligeiramente exagerado daquela época.
Mas então... tem as dungeons.
Chamá-las de "dungeons" é quase generoso demais. O que você realmente tem é uma grade preguiçosa de salas quadradas copiadas e coladas, sem marcos visuais significativos ou variação. Esse design se repete em todas as várias torres do jogo — e não que as cavernas sejam muito melhores — e rapidamente se torna não apenas monótono, mas totalmente confuso.
Como todas as salas parecem iguais e geralmente têm várias saídas, é inevitável se perder. Não tem bússola, nem elementos visuais para marcar seu caminho, e nenhuma sensação de progresso. Em vez disso, você vagueia por caixas quase idênticas, torcendo para alguma coisa diferente acontecer e você estar fazendo progresso em vez de estar andando em circulos.
Então, no final, você tem um jogo que combina um design de masmorras horrível, um sistema de combate que beira a inexistência e quests que parecem puro filler sem filtros. E, de alguma forma, apesar de ser absurdamente curto para um RPG (você pode terminá-lo em cerca de cinco horas), Rhapsody ainda consegue parecer arrastado.
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Tomanocu essas dungeon com sala tudo igual, meo |
E essa é a Nippon Ichi Software em sua forma mais pura: um conceito tão único e deliciosamente bizarro que, quando clica, você não consegue deixar de sorrir e pensar: "Ninguém mais faria isso". E isso, por si só, já é uma forma de magia.
O verdadeiro problema é o que acontece quando você dá um passo para trás e observa como essas ideias foram realmente executadas. O loop principal — em seus melhores dias — sugere algo verdadeiramente especial, o tipo de genialidade inesperada que poderia ter se tornado um dos maiores de todos os tempos. E essa discrepância entre o que o jogo poderia ser e o que você realmente é o que mais machuca.
E é aqui que a comparação com a Atlus — sua "prima" igualmente excêntrica — se torna inevitável. A Atlus também estava experimentando: misturando elementos de terror, mitologia, psicologia e até mesmo simulação de namoro em seus RPGs. Mas a diferença é que a Atlus poliu e refinou essas ideias malucas em algo que soava único não só no papel, mas também era divertido de jogar enquanto jogo mesmo, não apenas ideia. A Nippon Ichi, por outro lado, parecia satisfeita em parar no pitch meeting: um conceito brilhante e uma experiência de jogo superficial demais para sustentá-la.
E essa é a verdadeira decepção de Rhapsody: é a prova de que ser estranho, engraçado e criativo não basta por si só. Essas ideias precisam do mesmo amor, disciplina e refinamento na execução que a Atlus dedicou às suas — caso contrário, você acaba com um jogo que deveria ser mágico, mas majoritariamente apenas te faz imaginar o que ele realmente poderia ter sido.
MATÉRIA NA AÇÃO GAMES
EDIÇÃO 155 (Setembro de 2000)

