terça-feira, 8 de julho de 2025

[#1506][Out/2000] BLUES BROTHERS 2000

Era uma vez — especificamente, nos anos 90 — um cantinho estranho de Hollywood reservado para um tipo de filme muito peculiar: filmes baseados em esquetes do Saturday Night Live. Sim, cenas cômicas de cinco minutos, muitas vezes escritas sob o efeito de cafeína e pânico antes de um show ao vivo, eram ocasionalmente transformadas em um filme completo. Pq esses eram os anos 90 e era assim que as coisas rolavam.

Essa era nos trouxe filmes como WAYNE'S WORLD (filme ótimo, jogo merda), Os Estragos de Sábado a Noite ("A Night in the Roxbury", outro filme idiota mas apreciável) e Superstar (que... existiu). Às vezes, esses esquetes tinham personagens e cenários que poderiam sobreviver à chegada às telonas. Às vezes, não. E os resultados, digamos que variam de "clássico cult" a "quem foi que achou que isso era uma boa ideia?".


"It's Pat", por exemplo, foi um filme tão desconcertantemente mal calculado que a Touchstone Pictures o tirou dos cinemas apenas uma semana após o lançamento. Uma. Semana. Mas, apesar das reações cada vez mais horrorizadas do público, a máquina continuou funcionando. De 1992 a 2000 (com uma exceção notável), um filme baseado no Saturday Night Live chegou aos cinemas quase todos os anos. 

Exceto 1997.
Não falamos sobre o Saturday Night Live de 97.
Essa é a regra. Não pergunte.

Mas o foco de hoje não é qualquer spin-off do Saturday Night Live. Não, estamos voltando ao esquete — ou melhor, ao número musical — que deu início a tudo: o filme "THE BLUES BROTHERS" de 1980 (que saiu no Brasil como "Os Irmãos Cara de Pau", because anos 80).

Agora, para ser justo, The Blues Brothers não era um esquete típico do Saturday Night Live. Não era uma piada recorrente com um bordão no fim do quadro ou algo assim; era mais uma performance musical aninhada dentro de um programa de comédia. Pense nisso como Tenacious D, se tivesse nascido nos anos 70, apresentasse lendas reais do blues em vez de folk metal irônico e tivesse um Caça-Fantasmas em vez de Jack Black. Isso mesmo — Dan Aykroyd e John Belushi (não James, esse é o irmão dele que ficou famoso por falar com bebês e ter um policial cachorro), formaram uma banda de verdade, composta por alguns dos melhores músicos negros dos Estados Unidos na época. E era realmente bom.

A música era genuinamente ótima, a frieza impassível dos personagens era estranhamente charmosa e, de alguma forma, esse experimento estranho se transformou em um filme completo de 1980 que... de certa forma funciona? Mais ou menos? Bem, eu já Já falei sobre isso em outra análise, especificamente quando falei do horrível, horrível jogo THE BLUES BROTHERS para SNES — aliás, o segundo jogo que aluguei para o console. Felizmente, o primeiro foi Super Back to Future 2 (o japonês, o bom), então minha relação com os 16 bits não começou com traumas e decepções. Por pouco.

Mas chega de passado. Vamos falar da sequência. Aquela que ninguém pediu de verdade. Aquela que levou dezoito longos anos para se materializar. Por que a demora? Bem, um pequeno contratempo: John Belushi morreu tragicamente de overdose apenas dois anos após o lançamento do filme original. E quando metade da dupla titular fica repentinamente indisponível... é, isso tende a atrapalhar toda a ideia de "vamos fazer uma sequência".

Se a Skynet soubesse que Joe Morton podia cantar assim, talvez a rebelião das máquinas tivesse seguido um caminho inteiramente diferente

A questão é a seguinte: mesmo após a morte prematura de John Belushi, a banda The Blues Brothers não desapareceu da noite para o dia. O grupo continuou fazendo aparições esporádicas ao longo dos anos, trazendo artistas convidados para dividir o palco com Dan Aykroyd. Era uma espécie de porta giratória de talentos — alguns funcionavam, outros não, e alguns simplesmente faziam você sentir ainda mais falta de Belushi.

Mas, eventualmente, em meio a esse desfile caótico de participações especiais, eles encontraram alguém que realmente se encaixava. Alguém que não apenas imitava a energia de Belushi, mas também trazia sua própria marca de caos adorável à mesa: John Goodman. Sim, o próprio Fred Flintstone. O homem com a voz de um cantor de blues e a alma de uma bola de demolição usando de terno.


Agora, digam o que quiserem sobre Blues Brothers 2000, mas escalar Goodman como o novo parceiro não foi um erro. Isso foi correto. Substituir Belushi é uma tarefa ingrata, mas dado que era uma necessidade, não se poderia pedir um Plano B melhor do que John Goodman, abençoada seja sua presença de voz grave. Outra coisa que não se pode tirar do filme é que ele entrega o que promete — e mais um pouco.

A coisa com o filme original dos Blues Brothers é que ele não era tanto um filme tradicional, mas sim uma desculpa glorificada para colocar o máximo de músicos lendários na tela, tanto quanto humanamente possível. Enredo? Claro, tecnicamente havia um enredo — algo sobre salvar um orfanato enquanto era perseguido pela polícia, nazistas e Carrie Fisher com uma bazuca — mas não nos enganemos. O verdadeiro ponto era a música.

E que música estamos falando. Estamos falando de titãs como Aretha Franklin, Ray Charles, James Brown, Cab Calloway — basicamente, uma cerimônia do Hall da Fama disfarçada de comédia de perseguição de carro. Era menos um musical e mais uma ressurreição completa da grandeza do soul, funk e blues.

O diretor John Landis certa vez resumiu a abordagem da sequência perfeitamente: "As pessoas dizem: 'Ok, você tem todos esses nomes em Os Blues Brothers — quem está em Os Blues Brothers 2000?' A resposta? Todos os outros."

E ele não estava brincando. O primeiro filme tinha cinco números musicais. A sequência tem dezoito. Sim, dezoito. Isso não é um filme, é um festival de blues colado com fita adesiva em um roteiro. Essa é certamente uma maneira de fazer uma sequência... eu acho.


A sequência traz de volta algumas lendas conhecidas reprisando seus papéis, como Aretha Franklin, James Brown e Wilson Pickett, que ainda roubam a cena sem esforço com seu carisma e vocais. Mas vai ainda mais longe, lotando o elenco com um número absolutamente absurdo de pesos pesados ​​da música: Eric Clapton, B.B. King, Dr. John, Erykah Badu, Isaac Hayes e, honestamente, a lista continua até você se perguntar se havia algum ícone do soul ou do blues que não estivesse no filme. 

Musicalmente, não há realmente nada a criticar aqui. Não se trata apenas de uma trilha sonora — é um revival do soul completo, um show tributo disfarçado de filme. É o que você esperaria — e exigiria — de qualquer coisa que carregasse o nome Blues Brothers. Se você entrar esperando uma história, bem, pode sair um pouco desapontado. Mas se você aceitar como festival de soul de duas horas com cenas de de destruição de carros no meio, aí o filme entrega tudo que você espera.

A questão aqui não é a música. Irmãos Cara-de-Pau 2000 acerta em cheio na vibe. Mas a verdadeira questão é: o que diabos acontece quando eles não estão tocando? E para isso, recorremos ao sempre confiável Roger Ebert, que — sendo o mestre da crítica que era — resumiu tudo melhor do que eu jamais conseguiria. Ele deu ao filme duas de quatro estrelas, escrevendo:

“Irmãos Cara-de-Pau 2000 tem muita música boa. Teria mais se tivessem deixado de fora a história, o que teria sido uma excelente ideia. O filme é uma comédia sem graça cercada por blues de alta energia (e um pouco de pop, rock e country).”

E ele está absolutamente certo. Se o filme original era apenas uma desculpa para perseguições de carro escandalosas e números musicais costurados pelo mais tênue fio da trama — basicamente o equivalente cinematográfico da fraude de seguro automotivo mais cara do cinema —, então a sequência, de alguma forma, consegue se esforçar ainda menos na narrativa.


Elwood Blues quer "reunir a banda" novamente — não para salvar um orfanato ou cumprir uma missão divina, mas apenas para pagar as contas. É isso. O orfanato lhe entrega uma criança por motivos vagamente definidos, e a criança o acompanha acrescentando exatamente ao zero ao filme ou consequência narrativa. Ele simplesmente está lá. Em vez de Carrie Fisher com uma bazuca — uma frase que continua sendo uma das melhores já ditas neste blog — temos... o quê, exatamente? Elwood consegue irritar tanto a máfia russa quanto um grupo de supremacistas brancos do Sul. Mas não crie muitas expectativas. Essa tensão não leva a lugar nenhum além de servir de desculpa esfarrapada para mais uma ou duas perseguições de carro.

Há também uma subtrama envolvendo Joe Morton, que interpreta um policial estadual certinho que se envolve no caos da banda. Pelo menos com ele o filme realmente chega a algum lugar. Só não a um lugar muito interessante. É uma tentativa bem forçada de recriar a cena da igreja do original — até a epifania divina e a transformação com música gospel. Com efeito, várias cenas do filme original são recriadas aqui apenas pelo prazer da referencia, como se no original existe uma cena em que eles cantam a abertura de Rawhide, agora a versão dessa cena de country music é Ghost Riders in the Sky.


Então, se você pegar Irmãos Cara de Pau 2000 e — ousadamente — julgar esse filme como... bem, um filme, então sim: é um lixo. O enredo vai da estrutura mínima do original para algo que mal se qualifica como premissa. O roteiro praticamente grita: "Tanto faz, sabemos que você não se importa e nós também não", enquanto os personagens provavelmente foram escritos em um guardanapo.

Até porque, como eu já disse, um dos personagens é um sidekick infantil, porque é claro que existe um sidekick infantil. Nada grita "ficamos sem ideias" mais alto do que injetar uma criança precoce e desnecessária em uma sequência. Não foi Homem de Ferro 3 que inventou isso, e infelizmente não será o último a te-lo feito.


Mas aqui está a coisa: acho que todos concordamos que este filme nunca foi realmente pensado para ser julgado como um filme normal. O verdadeiro valor de Os Irmãos Cara de Pau 2000 não está em seu enredo, ritmo ou personagens — Deus não —, mas em seu papel como uma última grande celebração da música soul. Se você espera uma história coerente, você não deveria sequer considerar tentar esse filme. Mas se você encarar isso como um festival de soul glorificado — um último encontro para algumas das maiores lendas vivas do gênero — então, honestamente? Há algo especial aqui.

É como Matrix Reloaded, mas em vez de assistir a palestras de filosofia desajeitadas só para chegar às cenas de kung fu, você avança rapidamente pelas bobagens para chegar à próxima música. Let the funk flow, esse é o jogo aqui.

Mas é claro — é claro — nossa jornada não termina com o filme. Afinal, estávamos nos anos 90, uma era regida por uma lei tácita, mas inflexível: todo filme, por mais mal concebido que fosse, precisa ter um jogo licenciado merda. 

Mas não foi qualquer empresa que ousou adaptar Blues Brothers 2000 para um formato interativo. Ah, não. Essa tarefa maldita caiu nas mãos de uma publisher tão vilipendiada, tão infame, que seu logotipo à distância poderia ser confundido com um pentagrama demoníaco... e o capeta se sentiria ofendido. Senhoras e senhores, estamos falando da Titus Entertainment.

Aquela Titus. A mesma empresa que poluiu o SNES com o THE BLUES BROTHERS original — uma experiência tão miseravel que ainda tenho flashbacks de guerra ao som de saxofones em MIDI. Mas quer saber o que mais eles deram a este mundo cruel? SUPERMAN: The New Superman Adventures.

Sim. Aquele mais conhecido como Superman 64. Aquele em que você "salva o mundo" voando através de anéis e que o jogo sequer consegue programar uma porta direito. Aquele ainda debatido por acadêmicos e vítimas como o pior videogame já feito. Um marco de incompetência. Uma aula magistral de sofrimento.

E de alguma forma, alguém na Titus pensou: "Ei, vamos pegar a licença dos Blues Brothers 2000 e fazer um jogo de plataforma 3D!". Porque, claramente, o que este mundo precisava era de Elwood Blues dando pulos duplos por fases com temática de blues como uma espécie de Mario amaldiçoado usando óculos escuros... mas em 3D dessa vez!

Mas espere — piora. Muito pior. Porque a Titus não trilhou esse caminho sozinha. Não, eles trouxeram consigo seus cúmplices de longa data na miséria digital: a Player 1 Entertainment. Os mesmos gremlins dos jogos licenciados que recentemente me puniram com HERCULES: The Legendary Journeys. Um jogo tão desprovido de alegria, tão desprovido de funcionalidade, que tenho certeza de que quebrou uma pequena parte da minha alma.

Então, aqui estou eu de novo. Olhando para outro abismo.
Titus. Player 1. Blues Brothers 2000: O Jogo.
Meu Deus...
Estou a caminho de um mundo de dor, não é?


Então, depois de suportar a dupla torturante dos logotipos do Jogador 1 e do Titus — o equivalente digital das placas de alerta nos portões do inferno —, preparei-me para o impacto. Assumi a posição de colisão. Fortaleci minha alma. E então...

Bem.
Não foi tão ruim quanto eu esperava.

Para minha surpresa, o jogo abre com uma versão MIDI do clássico Respect, de Aretha Franklin. E sabe de uma coisa? Isso é realmente um toque legal. Não é todo dia que você vê uma música licenciada — mesmo no formato glorificado de beep-boop — enfeitando a tela de título de um jogo. É uma pequena vitória e, surpreendentemente, as coisas não despencam imediatamente depois disso.


Agora, não me entendam mal — esta ainda é uma produção do Titus/Jogador 1, então o jogo é, na melhor das hipóteses, vagamente funcional. O salto é flutuante, como se você estivesse fazendo moonwalking em melaço, a detecção de acerto é aleatória no melhor dos dias, e eu terminei o jogo sem nunca entender exatamente o alcance do meu ataque. E a câmera... eu preciso realmente dizer? Vamos apenas colocar que ela existe da mesma forma que uma boneca mal-assombrada existe: você não pode confiar nela, ela não gosta de você e se move quando você não está olhando.

Mas, estranhamente, nada disso parece punitivo de forma agressiva. O jogo pode ser instável, quebrado e inacabado, mas nunca exige muito de você. As fases não exigem saltos de precisão pixelar, os inimigos são poucos e distantes entre si (e geralmente evitáveis) e os itens colecionáveis ​​são colocados com o menor esforço possível. Não é bom, por nenhuma métrica — mas também não é a desgraceira toda que eu esperava. 

Então, resumindo? Este não é um bom jogo. Na verdade, mal se qualifica como medíocre. Mas sabe de uma coisa? Comparado ao pesadelo que foi HERCULES: The Legendary Journeys, este parece quase... tolerável.


Porque aqui está a misericórdia inesperada: pelo menos este jogo não é ambicioso. Graças a Chuck Berry. Nada de mundo aberto extenso. Nada de missões secundárias burocráticas. Nada de tentativas de design grandioso muito além do alcance técnico dos desenvolvedores. Não, Blues Brothers 2000 é apenas um jogo de plataforma 3D simples e dolorosamente mediano que exige uma coisa simples de você: coletar alguns itens, passar para a próxima fase, repetir e enxaguar.

E por isso — por mirar baixo e mal acertar o alvo — eu sou, de uma forma estranha, grato.
Não é bom.
Não é memorável.
Mas pelo menos funciona o suficiente para se terminar sem precisar de terapia.
Às vezes, a mediocridade é uma bênção disfarçada.

MATÉRIA NA AÇÃO GAMES
EDIÇÃO 150 (Abril de 2000)

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EDIÇÃO 054 (Fevereiro de 2000 - Semana 4)