Sabe, nos muitos e muitos anos de dificuldades enfrentadas nesta longa e sinuosa peregrinação pela história dos videogames, eu eventualmente acabei descobrindo um inimigo inesperado, porém cruel e incansável: os jogos europeus. Muito em grande parte por culpa da Sega, já que 78% da biblioteca do Mega Drive são ports de eurotrash vindos de sisemas como o Amiga e...
PARA OS SEUS PADRÕES, ATÉ QUE TAVA DEMORANDO PRA COLOCAR A CULPA NA SEGA...
Estamos no primeiro paragrafo ainda...
MEU PONTO.
Não sei da onde tu tira essas coisas, Jorge. Mas tá, continuando... Claro, existem exceções — como o francês RAYMAN 2: The Great Escape da Ubisoft ou a loucura gloriosa que foi a britânica Rareware em seu auge com petardos como GOLDENEYE 007 ou DONKEY KONG COUNTRY 2: Diddy's Kong Quest —, mas, na maioria das vezes, se você visse o logotipo de um estúdio da Inglaterra, França ou Alemanha na caixa do jogo... meua migo, você podia cerrar os dentes e assumir posição de impacto, pq tempos felizes não estariam a caminho.
Mas então, eu já passei mais reviews do que a sanidade recomenda reclamando do bastante característico design de miséria que a escola europeia trazia naquela época, então não vou entrar nessa seara novamente. O que vou abordar, no entanto, é eu me dei conta que a gente costuma usar a palavra "Europa" como se tudo fosse um lugar só onde a vida é confortável, as estradas não parecem crateras lunares e todos podem comprar queijo importado e edições de colecionador caríssimas o tempo todo.
E enquanto isso não está tecnicamente errado, é apenas porque quando falamos "Europa" geralmente estamos nos referimos especificamente à Europa Ocidental. O lado rico. O lado "fazemos museus caros para expiar nossa culpa colonial".
Mas Europa Oriental... bem, o lado mais perto da Mãe Rússia da Europa definitivamente não é nada como isso — não é nos dias de hoje, e definitivamente era menos ainda no começo dos anos 90. Esse é um universo totalmente diferente e, mais importante, um universo que parece estranhamente familiar a nós brasileiros que crescemos sabendo que a palavra "importado" significava "seus pais nunca vão ter dinheiro pra isso" e que os buracos nas estradas tem nome, sobrenome e fazem aniversário. Estou falando isso pq é justamente desse canto mais hostil e faminto da Europa que o jogo de hoje, Mortyr, surgiu.
Sabe, por razões historicas completamente diferentes das nossas, a vida na Europa Oriental no início dos anos 90 acabou se tornando surpreendentemente semelhante ao que viemos a conhecer aqui no Brasil: a tecnologia era cara pra caceta, os preços eram proibitivos e isso quando a coisa sequer estava disponível pra ser comprada em primeiro lugar (o que nunca se podia dar por garantido). Então assim como nós, as pessoas tinham que depender de pirataria, máquinas de segunda mão e hardware ultrapassado para sobreviver (só lembrar que o Master System AINDA é vendido em lojas tanto aqui quanto lá, algo que nem perto de acontecer nos EUA ou no Japão).
Nesse sentido, quando vc pensa sobre isso, ser gamer na Polônia no início dos anos 90 não era tão diferente de ser gamer onde eu cresci. Tanto para eles quanto para a gente, significava amar jogos profundamente, obsessivamente... mas raramente ter acesso fácil (ou legal) a eles. E, inevitavelmente, como acontece em todos os lugares, aquelas crianças que cresceram desesperadamente famintas por jogos — e talvez os amando ainda mais por serem tão escassos — eventualmente se tornaram adultos que queriam parar de apenas consumir o que amavam e começar a fazer seus próprios jogos.
Aqui no Brasil, muitos da minha geração, ue cresceram jogando nessas condições adversas, fizeram isso e após um começo dificil (com jogos altamente... questionaveis... como CASTELO RA-TIM-BUM e FÉRIAS FRUSTRADAS DO PICA-PAU) hoje temos jogos brasileiros genuinamente supimpas como Blazing Chrome e Mullet Madjack. A mesma coisa aconteceu na Polônia: as crianças criadas durante os anos difíceis e incertos da era pós-comunista cresceram e se tornaram adultos desenvolvedores de jogos. Alguns deles formaram um pequeno estúdio do qual você já deve ter ouvido falar, chamado CD Projekt Red — você sabe, esses caras:
Então, nesse sentido, Mortyr: 2093–1944 não é apenas uma nota de rodapé — é um dos primeiros grandes projetos a surgir daquele cenário polonês de desenvolvimento de jogos. Um verdadeiro pioneiro, vindo de um país que, apenas uma década antes, mal tinha acesso a consoles.
Mas então, essa é a história do jogo: em 1944, os nazistas de repente arrasam a Europa, tomam Londres, bombardeiam Moscou, capturam Washington D.C., o pacote completo. Ninguém sabe ao certo como fizeram isso — talvez com alguma arma milagrosa, a "Wunderwaffe" —, mas o que importa é que os Aliados são arrasados e o Reich vence a Segunda Guerra Mundial.
Corta então para 2093: os nazistas governam o planeta há quase 150 anos, e agora o mundo está desmoronando com desastres climáticos bizarros e o Armagedom iminente. Entra em cena o General Mortyr, que pensa: "Ei, talvez os nazistas também tenham quebrado o clima". Seu grande plano então é enviar seu filho Sebastian Mortyr de volta no tempo para impedir o que quer que os nazistas tenham feito.
Então, sim: você tem um jogo em que viaja de um futuro nazista distópico de volta à Segunda Guerra Mundial... não para impedir o genocídio sistemático, a eugenia ou, você sabe, todo borogodó típico nazi — mas sim para combater as mudanças climáticas. Hã, okay, não que isso não seja uma coisa importante e tal, mas de todas as coisas hediondas que Adolfo e sua gangue fizeram de ruim — e as piores ainda que fariam se tivessem de facto vencido a guerra, eu tenho que dizer que "causar o aquecimento global" não seria uma das primeiras preocupações a passar pela minha cabeça. Definitivamente.
Esses poloneses realmente não ficam devendo em, hã... criatividade... tenho que dar isso a eles. Mas okay, continuemos. Falando do jogo em si, Mortyr é um daqueles jogos bem estranhos que faz algumas coisas dificeis surpreendentemente bem — e outras que seriam mais básicas ele se embanana de formas que você não via a muito tempo. Começando pelo que esse jogo faz de bom, e o motivo pelo qual ele é mais lembrado, é que a engine 3D desenvolvida para esse é absolutamente impressionante. Sério, mesmo para um estúdio AAA experiente, teria sido uma game engine muito bonita — mas para uma empresa pequena e pouco conhecida do Leste Europeu como a Mirage Media? É quase bruxaria.
Eu não estou exagerando quando digo que a engine aqui compete de igual para igual com gigantes como a UNREAL Engine da Epic ou a QUAKE Engine da Id Software. Ela oferece texturas surpreendentemente nítidas, reflexos dinâmicos e efeitos de iluminação realmente impressionantes que às vezes fazem você parar e pensar: "Caramba, isso parece um AAA mesmo" para um jogo de 1999.
Claro, isso levanta a questão de se todo orçamento da máquina de guerra nazista foi realmente gasta em uma obsessão insana por manter seus corredores de mármore polidos até brilharem como espelhos. Pisos tão encerados que poderiam servir de pista de patinação. Mas, para ser justo, nunca vimos um jogo sobre o TOC do Führer... então talvez a Mirage tivesse alguma coisa coisa única aqui.
Infelizmente, os nazistas vagando dentro dessas catedrais brilhantes e estações de trem ecoantes não fazem jus à grandiosidade do cenário — porque a IA é tão espetacularmente burra que você quase se sente mal por mata-los. Quase. Não, sério, chega ser hilariamente ruim ao ponto que os inimigos frequentemente atiram uns nos outros — um cara fica atrás do colega, começa a atirar em você e acaba decorando o chão com as entranhas do amiguinho. Eles também parecem não ter noção de como as armas funcionam: é relativamente comum eles dispararem uma metralhadora do outro lado do mapa sem noção que os tiros não chegam até você.
Não é exatamente o nível de horror de IA mal programada que você encontraria em algo como SUPERMAN: The New Superman Adventures ou UNDERCOVER AD2025 KEI — porque pelo menos aqui os inimigos se mexem... nossa, estamos trabalhando com uma barra realmente baixa aqui, heim?
Agora, isso não quer dizer que Mortyr seja absurdamente fácil porque mesmo com uma IA com o brilhantismo tático de uma batata doce, os desenvolvedores compensam isso aumentando dificuldade à moda antiga: dar hitscan para alguns inimigos (o que quer dizer que eles te acertam automaticamente tão logo eles te enxergam, não existem "balas" para desviar) ou fazer com que salas vazias de repente gerem sargentos com metralhadoras atrás de você no segundo em que você se vira. E, nossa, eles fazem isso direto.
E então tem que o level design não faz nenhum favor ao jogo. As fases são dolorosamente longas, repletas de backtracking infinitos, onde tudo se resume a "matar alguns nazistas, encontrar uma chave, voltar todo o caminho para usar a chave". Combine isso com apenas cinco ou seis tipos de inimigos nas seções da Segunda Guerra Mundial (e talvez mais quatro no futuro, seis se você contar generosamente as turrets) e, bem... o tédio se instala mais rápido do que você consegue dizer "Wunderwaffe".
Então Mortyr basicamente tenta ser WOLFENSTEIN 3-D o que QUAKE foi para DOOM: pegar um jogo de tiro 2D estilo boomer shooter old school e colocá-lo em uma engine 3D novinha em folha.
O problema é que esse plano não fez exatamente maravilhas nem mesmo para o próprio QUAKE — que, sejamos honestos, só se tornou verdadeiramente lendário depois que QUAKE 2 o transformou em um jogo de verdade em vez de uma tech demo. E não deve surpreender ninguém que funcione ainda menos quando você tenta o mesmo truque com um jogo que já era inferior a Doom (Wolfenstein 3D, neste caso), feito por um pequeno estúdio que, apesar de todo o seu esforço, não é exatamente a segunda encarnação da id Software. Então, o que temos é um jogo que — mesmo que tudo funcionasse perfeitamente — já pareceria ter uns oito anos de idade no instante que foi lançado.
Não é exatamente a receita para um sucesso estrondoso, sabe? E como consequencia, as críticas da época não foram exatamente gentis. A Next Generation, minha revista favorita da época, resumiu sem rodeios:
A GameSpot foi ainda menos gentil — e, honestamente, mais engraçada:
...e eu não posso dizer que eles estavam errados.
Então, sim, Mortyr tem algum valor histórico. Foi um dos primeiros jogos desenvolvidos na Polônia a ser lançado no Ocidente por uma grande editora como a Interplay, e isso é uma grande coisa porque, alguns anos depois, esse mesmo país nos presentearia com maravilhas como The Witcher 3 e Cyberpunk 2077. Mas se você desconsiderar esse contexto e olhar para Mortyr puramente pelo que ele é — um FPS boomer shooter de 1991, estranhamente preso no corpo de uma engine 3D de 1999 — simplesmente não tem muito o que ver.
Bem... exceto talvez aqueles corredores nazistas impecavelmente polidos. E, embora sejam realmente brilhantes, não são suficientes para sustentar um jogo completo por si só.