quarta-feira, 23 de julho de 2025

[#1514][Fev/2000] SUPER MAGNETIC NEO

Ímãs são engraçados. Eu tenho essa lembrança clara da minha avó ter um conjunto de damas barato e pequeno com peças magnetizadas e eu sempre achei isso muito interessante. Um lado das peças se repeliam com uma força invisível (o que, pensando bem, também é uma descrição bastante precisa da minha vida amorosa), e o outro lado atraiam no espaço vazio, desafiando a distância e o senso comum. E, claro, ímãs fazem com que os eletrônicos façam todo tipo de coisa engraçada quando você é uma criança entediada e desesperada por entretenimento.

Veja, eu cresci em uma casa bem humilde, então eu tinha que criar minha própria diversão na maioria dos dias. Você se agarrava a qualquer bobagem que encontrasse, porque a alternativa era ficar olhando para os horrores da televisão aberta. Então, ímãs era o que tinha. Ainda mais quando eu descobri que era possível passar esses ímãs na velha TV da família e ver às cores fazerem todo tipo de coisa estranha — até minha mãe entrar, ver o que eu estava fazendo e o que se seguiu foi um arco inteiro de Dragon Ball Z em que eu era o Yamcha. Mas divago.

Não posso dizer que a capa japonesa tenha feito muitos favores as vendas do jogo

Ímãs, então. Coisinhas estranhas e maravilhosas. Bons para destruir telas de CRT, fazer alto-falantes funcionarem, fazer trens-bala do futuro flutuarem e, aparentemente, servirem como a peça central de um jogo de plataforma para Dreamcast meio que charmoso até, chamado Super Magnetic Neo.

Desenvolvido pela Genki (os mesmos por trás do esquecido JADE COCCON: Story of Tamamayou e do menos lembrado aindaFIGHTER DESTINY 2), Super Magnetic Neo — ou Super Magnetic NiuNiu, se você preferir o título japonês, bem mais fofo — é um jogo de plataforma 3D repleto de um toque retrô-futurista que lembra um pouco o estilo de SPACE CHANNEL 5: colorido, polígonos pontudos e um otimismo estranhamente cativante do final dos anos 90 sobre como o futuro poderia ser.


Você veste as calças metálicas superapertadas de Neo (ou NiuNiu), um robozinho corajoso cuja cabeça, por acaso, é um ímã gigante. A trama é básica, mas esperada: você pula, desliza e se repele por uma série de mundos temáticos em uma tentativa de impedir o caos desencadeado pela nefasta gangue Pinki — um bando de foras da lei sob o comando, naturalmente, de um bebê de dois anos vestido com uma fantasia de coelho. Como eu disse, não é nem top 10 coisas mais estranhas que eu já vi num jogo de Dreamcast (apenas a titulo de curiosidade, dos 10 jogos mais estranhos de Dreamcast eu reservo pelo menos 4 lugares no pódio para D2).

Então, vamos falar do jogo em si e... bem, eu realmente não gosto de simplesmente dizer "ah, este jogo é só um clone de X" e dar o dia por encerrado. É preguiçoso, reducionista e geralmente ignora o que torna um jogo interessante no que ele se propõe a fazer Mas nesse caso... tá... precisamos realmente falar do  grande marsupial branco no meio da sala: a comparação com CRASH BANDICOOT não é apenas obvia — é basicamente toda a fundação sobre a qual Super Magnetic Neo foi construído.

Por isso eu não apenas estou dizendo que é mais um jogo de plataforma 3D onde você corre em direção ao fundo da tela por corredores semilineares. Eu quero dizer que eles fizeram o máximo para entregar um fax-scimile de Crash —  estamos falando de fases em que você corre em direção à câmera enquanto é perseguido por uma pedra gigante ou monstro. Temos as fases obrigatórias com veículos, onde você pilota alguma engenhoca à la fases da Coco em CRASH BANDICOOT 3: Warped. Há caixas para quebrar que soltam orbes colecionáveis que, curiosamente, compartilham a mesma paleta de cores das frutas Wumpa. Caramba, até o efeito sonoro quando você as pega é assustadoramente familiar.

Então, sim, chamar este jogo de "Bandicoot do homem pobre no Dreamcast" não é apenas um comentário preguiçoso — é praticamente um walkthrough do jogo. Exceto, é claro, que um deles teve o level design e a resposta dos controles (que aqui é meio escorregadia, algo que totalmente te ferra a vida em um jogo que exige precisão pixelar nos saltos) feito à mão pelas crianças douradas da Naughty Dog que posteriormente viriam a ser soterradas por prêmios por seus The Last of Us ... e o outro, bem, é um jogo da Genki. E o fato de você (ou mesmo quem trabalhou lá) não lembrar da Genki hoje em dia meio que diz tudo o que você precisa saber.

Agora, sabe qual é a verdadeira tragédia aqui? A Genki gastou tanta energia tentando fazer cosplay de Crash Bandicoot 128 bits Edition que as pessoas muitas vezes esquecem o que realmente tentaram fazer por conta própria. Porque, acredite ou não, tem sim uma ideia original escondida nesse jogo e ela é realmente interessante: ímãs.


Então aqui a mecânica base é Magnetismo 101: polos iguais se repelem, polos opostos se atraem (infelizmente esse princípio não se aplica ao meu oposto na vida real, góticas com daddy issues, mas divago). Então, é assim que funciona: seu herói Neo pode alternar a polaridade da sua cabeça magnética gigante entre vermelho e azul. Se sua cabeça for azul, superfícies magnéticas azuis te empurram para longe, enquanto as vermelhas te puxam. Mude para uma cabeça vermelha e acontece exatamente o oposto: ímãs azuis se tornam seus melhores amigos, e os vermelhos te mandam pelos ares como se você tivesse pisado em um bumper do Sonic.

Essa coisa de alternar as cores da sua cabeça (e sim, essa é com certeza uma das frases mais estranhas que já escrevi neste blog) a lá SILHOUETTE MIRAGE: Reprogramed Hope pode parecer simples no papel, mas, para crédito da Genki, eles realmente exploram essa mecânica de maneiras inteligentes. O level design força você a fazer mudanças de polaridade no ar e pensar em formas inteligentes de no que grudar ou no que ser repelido, então, no final, você realmente sente que o tema foi usado no uqe podia. E, honestamente, isso é algo que eu respeito — o que foi meu maior problema com MISCHIEF MAKERS, que te deixava a sensação de explorar seus gimmicks pela metade.


Infelizmente, outra coisa Super Magnetic Neo faz é ser "old school" no pior sentido possível: tem apenas quatro mundos com 4 fases e uma luta de chefe cada, e se você souber o que está fazendo cada fase leva talvez dois minutos para ser concluído. Então, como eles impedem você de terminar o jogo inteiro em menos de 40 minutos? 

Simples — eles se seguem o clássico "Nintendo Hard" e aumentam a dificuldade até esfolar seus dedos para fazer um jogo de 20 minutos durar horas e horas. As fases se transformam em desafios brutais de reflexos rápidos, trocas de polaridade perfeitamente sincronizadas e ativar interruptores que vc não pode perder nenhum milissegundo para chegar na plataforma que ela ativa. É sinceramente um dos jogos mais difíceis do Dreamcast — se não for "Ô" mais dificil. Isso transforma qualquer simpatia que o level design possa angariar em frustração e repetição, dado que a maior parte da duração do jogo vem dessa parede de dificuldade e não de conteúdo novo.


Então, onde isso deixa Super Magnetic Neo?

É uma relíquia estranha que ousou fazer algo genuinamente criativo com seu recurso magnético — uma mecânica que, quando funciona, parece satisfatoriamente inteligente. Mas, infelizmente, essa centelha de originalidade foi sufocada sob o peso de ser ignorada (não de forma totalmente injusta) como um "Crash Bandicoot da Shopee". Para piorar, em vez de complementar as coisas com conteúdo extra, a Genki pegou a filosofia "quanto mais difícil, melhor" e a elevou a níveis de tortura medieval, transformando o que poderia ter sido um jogo de plataforma leve e charmoso em uma das experiências mais punitivas do console. 


E... tá, eu não vou dizer que fez um grande favor ao jogo também nosso herói parecer um mascote rejeitado de comercial de remédio dos anos 90... 

MATÉRIA NA SUPER GAME POWER
EDIÇÃO 078 (Setembro de 2000)


MATÉRIA NA GAMERS
EDIÇÃO 056 (Março de 2000 - Semana 2)