Bem, essa vai ser uma complicada... mas vamos lá.
Em 1997, a Namco lançou seu novo acessório para o PS1: a Namco GunCon. Você conhece o tipo — uma pistola de luz de plástico vagabundo que você podia apontar para a TV, apertar o gatilho e fazer pewpewpew enquanto a tela te induzia a ataques de epilepsia, como se estivesse em um fliperama enfumaçado. Só que, desta vez, você podia fazer isso no conforto do seu sofá da sala e com uma jogabilidade que durava mais do que uma vida por cinquenta centavos.
Corta agora para 1999: o PS2 estava com data de lançamento marcada, e a Namco se viu diante de uma montanha de GunCons não vendidas acumulando poeira nos depósitos. A dura realidade bateu — ninguém em sã consciência gastaria dinheiro em um pedaço caro de plástico para um console que já estava destinado à liquidação.
Então, o que a Namco fez? Eles tiveram uma ideia que era igual medida desesperada e astuta: "A única maneira de tirar essas coisas das prateleiras é se as colocarmos em uma franquia enorme. Algo tão grande, tão à prova de balas, que os fãs comprariam o brinquedo só para ter mais disso." Mas não é como se uma grande publisher arriscasse manchar sua joia da coroa só para sustentar um periférico moribundo... certo?
... hã, exceto que a Capcom nesse exato momento estava desenvolvendo nada menos que CINCO jogos de Resident Evil ao mesmo tempo. Naquela época, eles estavam praticamente carimbando o nome Resident Evil em qualquer coisa que ficasse parada por tempo suficiente. E foi assim, meus caros, que a Namco viu sua oportunidade de ouro.
Só para contextualizar a loucura aqui: depois do sucesso estrondoso de RESIDENT EVIL 2, a Capcom entrou num frenesi de zumbis maluco, e realmente CINCO projetos foram desenvolvidos ao mesmo tempo com a franquia. Primeiro, o que originalmente deveria ser Resident Evil 3 dirigido por Hideki Kamiya (o diretor de RESIDENT EVIL 2) acabou se transformando em Devil May Cry (sim, essa é uma história muito louca que chegaremos lá um dia). Depois, teve o spin-off focado em ação de Kazuhiro Aoyama, que acabou sendo renomeado como o verdadeiro RESIDENT EVIL 3: Nemesis para PlayStation.
Enquanto isso, o chefão Shinji Mikami tinha sua própria visão para uma sequência de RE2, que acabou se tornando RESIDENT EVIL - CODE: Veronica, o primeiro passo real da série para uma plataforma de próxima geração com o Dreamcast. E não podemos esquecer o projeto prequel, Resident Evil 0, que começou sua vida no Nintendo 64, mas só veria à luz do dia no GameCube.
Caramba... isso é zumbi para uma senhora caceta, heim Capcom-san...
O que nos leva à pergunta: tá, mas e o quinto jogo de RE? Sono tori! Era ninguém menos que Resident Evil: Survivor — um spin-off estranho e experimental nascido da aliança profana da Capcom com a Namco, criado com um único propósito: vender aquelas GunCons empoeirados. Porque se havia uma coisa em que a Capcom acreditava firmemente naquela época, era que o mundo nunca se cansaria dos shenanigans da Umbrella.
O que quer dizer que este jogo não foi realmente desenvolvido internamente pela Capcom. Em vez disso, a tarefa coube ao sempre leal estúdio subterrâneo da Bandai-Namco: a TOSE. Sim, aquela TOSE — a misteriosa desenvolvedora que a Bandai Namco tira das sombras sempre que precisa lançar um título licenciado barato para uma de suas inúmeras, incontáveis IPs.
Para ser justo, a TOSE nem sempre é uma causa perdida. Às vezes, contra todas as probabilidades, eles conseguem lançar algo interessante — como a série DRAGON BALL Z: SUPER BUTOUDEN para SNES. Mas na maioria das vezes? Bem... eles não têm tempo nem recursos para realmente fazer algo bom, porque seus chefes só se importam em tirar um dinheirinho fácil da marca. E é assim que acabamos com desastres como DRAGON BALL Z: Ultimate Battle 22.
E eu vou avisando desde já: a Namco não foi nem um pouco tímida em relação às suas intenções. Eles só queriam lucrar com a febre de Resident Evil e se livrar daqueles GunCons empoeirados com o minimo esforço possível. Então, apertem os cintos — porque as coisas vão ficar complicadas daqui para frente...
Você sabe que um projeto está fadado ao fracasso desde o início quando uma ideia que nasceu apenas para vender GunCons acaba fazendo tudo, menos isso. Veja, enquanto o jogo estava sendo localizado para o mercado americano, a tragédia de Columbine aconteceu — e a mídia, ávida por um bode expiatório conveniente, obviamente decidiu que a culpa era dos videogames.
Não. Nada disso. O clamor do público em geral era que os videogames eram os culpados. Não importa que nenhum estudo tenha provado qualquer ligação causal — por que deixar os fatos atrapalharem a satisfação de uma explicação simples e rápida, certo?
Então a Capcom, compreensivelmente apavorada com a possibilidade de ser massacrada pela imprensa, tomou a decisão: lançar um jogo com um controle de plástico em formato de arma naquele exato momento? É... provavelmente não seria a melhor ideia. Como resultado, o lançamento americano de Resident Evil: Survivor silenciosamente abandonou completamente o suporte à GunCon. A versão americana não só foi lançada sem a pistola de luz na caixa — diferentemente da edição japonesa — como também removeu completamente a palavra "Gun" do título japonês.
Então, sem o suporte para armas de luz, o que deveria ser um semi rail-shooter se transformou em... indiscutivelmente o FPS mais estranho de toda a biblioteca do PS1. Eis como funciona: tecnicamente, é um jogo de tiro em primeira pessoa onde você se move para frente e para trás usando o direcional. Mas no momento em que você quer atirar em algo, você aperta R1 e seu personagem trava no lugar e, em seguida, o direcional muda para uma mira na tela.
Imagine GOLDENEYE 007 — só que você nunca pode atirar em movimento. Toda vez que um inimigo aparece, você precisa frear bruscamente, usar a mira manual e torcer para alinhar um tiro antes que eles comam sua cara. Não é exatamente um jogo de tiro sobre trilhos, porque você precisa desviar dos inimigos e se posicionar manualmente. Mas também não é realmente um FPS no sentido tradicional, porque a mecânica de parar e atirar quebra completamente o fluxo. Então, o que temos aqui? Algo estranhamente perdido entre gêneros, sem saber o que quer ser — e, para surpresa de ninguém, não funciona muito bem.
E para colocar ainda mais gasolina nessa lixeira pegando fogo, a TOSE claramente não teve tempo — ou dinheiro — suficiente para fazer o jogo realmente parecer bom. A Capcom, querendo economizar alguns ienes, entregou alguns assets antigos dos Resident Evil anteriores e a TOSE basicamente fez um copiar e colar com inimigos diretamente de RE1, RE2 e RE3.
Agora, usar recursos reciclados de quatro anos atrás não parece tão absurdo hoje em dia — um jogo de 2021 não parece tão diferente de um jogo de 2025. Mas naquela época, cara, a diferença era gritante. Os primeiros títulos de PS1, por volta de 1995, pareciam primitivos em comparação com os jogos do ciclo final de 1999, que extraíam cada gota de desempenho do hardware.
Então, quando você de repente vê um Hunter tirado diretamente de RE1 cambaleando ao lado de um zumbi mais elegante e detalhado de RE3, o efeito é como se você estivesse jogando um bootleg chinês que alguém montou na garagem. É uma coisa bem feia de olhar.
Não que a Capcom em si fosse estranha à reciclagem de recursos. Basta olhar MARVEL VS CAPCOM 2: New Age of Heroes de 2000 que não tem vergonha de usar sprites de que remontam a X-MEN: Children of Atom de 1994. Mas enquanto isso já parecia estranho em 2D, em 3D é uma catástrofe visual completa.
Então, a jogabilidade é horrível e os gráficos são... é, definitivamente, eles são... mas há alguma graça salvadora aqui? Bem, estranhamente — sim! E vem de ser tão espetacularmente ruim que é bom na única parte onde isso é realmente uma coisa boa: a história. E você sabe que está diante de puro ouro quando o jogo começa e o narrador ultrapassa o texto na tela, tendo que esperar as letras alcançarem a narração.
É, é um jogo que os caras não conseguem sincronizar o áudio, esse vai ser dos bão... Então, do nada, cortamos para uma cena em que um cara está pendurado em um helicóptero — e cai no chão como um saco de batatas molhadas, soltando o grito mais bobo que você possa imaginar. Meu Deus, é tão ruim que vira arte.
De qualquer forma, nosso protagonista (que era o piloto) sobrevive ao acidente de helicóptero, mas, claro, acorda com amnésia. Porque, como todos sabemos, sobreviver a um acidente aéreo inevitavelmente causa amnésia — é um fato cientificamente comprovado. Pouco depois, ele tropeça no corpo do cara que caiu do helicóptero, segurando um documento de identidade que diz: Ark Thompson.
Enquanto você se arrasta desajeitadamente por esta ilha infestada de zumbis — cheia de monstros familiares de Resident Evil copiados e colados de jogos mais antigos —, você lentamente descobre o que aconteceu ali. Acontece que esta ilha é uma instalação de pesquisa da Umbrella, governada por um bastardo sádico chamado Vincent. E não apenas um bastardo comum da Umbrella, veja bem. Vincent é tão caricaturalmente maligno que até os funcionários da Umbrella acharam que ele estava indo longe demais. Estamos falando de um cara que vivisseccionou alegremente os cérebros de crianças vivas e gritando enquanto ria malignamente — afinal, por que se contentar com vilania genérica quando você pode mergulhar de cabeça em horror a níveis crimes de guerra?
Ele era tão monstruoso, na verdade, que até mesmo a própria equipe da Umbrella na ilha finalmente surtou e se rebelou contra ele. E Vincent, naturalmente, respondeu com a sutileza de um vilão de desenho animado de sábado de manhã: "Se eles não estão comigo, estão contra mim!" — e prontamente liberou o vírus para massacrar a todos. Você sabe que atingiu o auge da maldade quando os funcionários da Umbrella Corporation — uma empresa tão irremediavelmente vil que a GLaDOS da Aperture Science diria para eles pegarem mais leve — decidem que você é o verdadeiro monstro.
Mas agora vem o plot twitter: todos os sobreviventes que você encontra — bem, todos os três — olham para você com puro terror e te chamam de Vincent. Sim, acontece que seu personagem não é apenas um amnésico azarado no meio de um surto. Segundo eles, você é o grande vilão em pessoa: Vincent, o psicopata tão cruel que faria Josef Mengele arquear uma sobrancelha e dizer: "Mano, pega leve".
E seu personagem — agora despojado de memórias, livre do passado horrendo — fica horrorizado ao perceber que ele pode ser, na verdade, o monstro que todos temem. Kudos onde kudos são devidos: esse é, na verdade, um conceito de terror sólido. Imagine acordar e descobrir que você não é o herói desta história — você é o vilão tão vil que até o departamento de RH da Umbrella hesitaria em processar sua papelada. Poderia ter sido o ponto de partida perfeito para uma narrativa de terror psicológico verdadeiramente perturbadora.
...Poderia ter sido.
Porque o que tivemos em vez disso foi uma das dublagens e roteiros mais malucos e malfeitos já gravados em um disco de PlayStation, ou em qualquer disco. E sim, eu sei que Resident Evil não é exatamente famoso por suas atuações dignas de Oscar — afinal, esta é a franquia que nos deu "Jill Sandwich" —, mas Survivor consegue atingir um nível de tosquice gloriosa que palavras por si só não conseguem capturar.
"Pateta" nem começa a descrever. "Peça amadora de colégio" seria lisonjeiro. Mas em vez de tentar explicar, permitam-me o nível de tosquíce com o qual estamos lidando aqui:
Uau... eu não sei nem por onde começar... os adultos fazendo voz de criança da pior forma possível, alguém fazendo uma voz de velhinha pior ainda, o texto, o menino movendo suas pernas loucamente e não saindo do lugar... é tão estranho, forçado e melodramático que dá a volta completa e se torna incrível. Honestamente, é o tipo de cena que te faz querer pausar o jogo, respirar fundo e apreciar o quão fundo na toca do coelho do ridículo ele está disposto a ir.
Agora imagine um jogo inteiro construído em torno desse nível de desastre glorioso. Estamos falando de dublagens tão catastroficamente horríveis e roteiros tão vergonhosamente desajeitados que até Tommy Wiseau balançaria a cabeça solenemente e daria dicas a eles de como melhorar.
E, ironicamente, isso se torna o maior ponto forte de Resident Evil: Survivor. É tão ruim — tão espetacularmente, sem desculpas, astronomicamente ruim — que de alguma forma acaba se tornando genuinamente incrível.
A jogabilidade mal funciona, na melhor das hipóteses. E sejamos realistas: não ajuda o fato de você conseguir contornar facilmente a IA de 8 bits do jogo. O Mr. X, que deveria ser um rolo compressor imparável, acaba parecendo tão ameaçador quanto um Roomba da Shopee— comicamente fácil de desviar. Os gráficos são sem graça, reciclados e o visual do nosso herói é tão interessante papelão molhado e o level design não é melhor, com os "puzzles" sendo pegar itens e usar eles na mesma sala...
Mas as cenas nunca são entediantes. Nem por um segundo. Cada fala estranha, cada suspiro exagerado, cada pausa melodramática é um presente. É tão deliciosamente exagerado, tão hilariamente fora dos trilhos, que se transforma de constrangedor em comédia de ouro. De uma forma estranha e distorcida, é isso que torna Resident Evil: Survivor digno de ser experimentado — mesmo que você precise sofrer o gameplay para chegar ao verdadeiro filé.
Então esse é o jogo em toda a sua glória absurda. É curto — você pode terminá-lo em cerca de uma hora. A jogabilidade é péssima, os chamados "caminhos ramificados" são risíveis (eles só mudam um pequeno detalhe em uma única cena) e, embora o cenário em si tenha potencial, o roteiro e a atuação juntos equivalem a um crime de guerra, sem dúvida pior do que qualquer coisa que o próprio Vincent tenha realizado.
E, no entanto... o jogo nunca é entediante. Bem, ok, é entediante quando você está jogando de verdade — se arrastando por aí com mecânicas de parar e atirar desajeitadas — mas tudo vale a pena pelo que pode ser a maior reviravolta na história dos games: acontece que você não é Vincent de verdade. Você é Ark Thompson — sim, o mesmo cara cuja identidade o cadáver do helicóptero simplesmente pegou por acaso, por motivos que é melhor não explicar. E todos na ilha — todos os três — confundiram você com Vincent em um mal-entendido absurdamente tosco, tirado diretamente de um piloto de sitcom que definitivamente não passaria da primeira temporada. Tudo isso, claro, com uma das piores dublagens já gravadas em um disco de PlayStation. É tão ruim que transcende o constrangimento e se torna algo lindo. Absolute cinema.
Então, sim, essa é a história de Resident Evil: Survivor (sem a "Gun"). Facilmente o spin-off mais estranho e bizarro da franquia Resident Evil... pelo menos até Dead Aim, mas ei — essa gloriosa bagunça é história para outro dia.
MATÉRIA NA AÇÃO GAMESEDIÇÃO 148 (Fevereiro de 2000)