quinta-feira, 4 de março de 2021

[MEGA DRIVE] ZERO TOLERANCE (Setembro de 1994) [#642]


Recentemente foi chamado a minha atenção que a forma que eu escrevo meus textos passam a impressão que minha analise pode parecer um pouco tendenciosa contra a Sega e em favor da Nintendo. Enquanto é verdade que eu fui abençoado crescendo com os consoles da Nintendo e não suas contrapartes miseráveis de dor e sofrimento da Sega (dado que minha família me amava), ainda mais verdade é que eu prezo pela isenção e imparcialidade nas analises puramente técnicas que eu faço dos videojogos.

VOCÊ REALMENTE NÃO PERCEBE A IRONIA NO QUE VOCÊ ESTÁ DIZENDO, NÉ?

Não faço ideia de que contradição seria essa, mas prosseguindo o ponto é que o meu objetivo aqui é fazer uma analise tecnica, isenta das discussões nostalgicas que eclipsam tudo que se fala a respeito de jogos antigos. Não, este blogo é sobre objetividade, fatos e analises cientificas!

NÃO ACHO QUE VOCÊ FAZ IDEIA DO QUE ESSES ADJETIVOS SIGNIFICAM.

Apenas marginalmente. De qualquer forma o que eu quero dizer é que para provar que não tenho nenhum preconceito para com os jogos da Sega e nada melhor que um jogo exclusivo do Mega Drive que leva o console a limites inimaginaveis. Então é hora de positividade sobre o Mega Drive para calar os criticos!

DE ALGUMA FORMA, EU REALMENTE DUVIDO DISSO...

DOOM é um daqueles jogos que mudou não apenas a história dos videogames como da própria civilização já que foi um grande responsável pela popularização dos computadores domésticos - poucas coisas são mais uteis para convencer pessoas a abraçar uma nova tecnologia do que atirar na fuça de demonios em Marte, afinal. Pode parecer obvio hoje, mas nos anos 90 todo mundo ter um computador em casa não é algo que você podia dar como garantido.

E, sendo um jogo tão importante, tão seminal aos videogames, vcê não precisa ser um observador realmente atento para perceber que ele foi lançado para todos os consoles conhecidos pelo homem e mais algumas coisas que não eram consoles mas rodam Doom mesmo assim because atirar na fuça de demonios em Marte.

Sim,, alguém programou Doom para rodar em um teste de gravidez, porque é assim que a humanidade rola

... hmm, todos os consoles conhecidos pelo homem, com exceção de um. Uma area sombria onde o dominio jamais tocou, uma area conhecida como Mega Drive. Sim, o Meguinha da Massa nunca teve um port de Doom por razões bastante obvias: o Mega Drive tem o poder de processamento de duas batatas embebidas em Red Bull.

Mais um comercial da Sega mostrando o puro suco dos anos 90


E ESSE É O SEU TEXTO MOSTRANDO COMO VOCÊ PODE FALAR BEM DA SEGA?

Posso terminar, com licença? Então, as especificações técnicas do Mega Drive tornavam impossível que o console rodasse algo tão simples sem implodir em chamas e invocar o Cthullu no processo. Embora é verdade que John Carmack fez milagre para enganar os hardwares da época e criar um jogo 2D que parecia ser 3D, não há milagre suficiente no mundo que faça algo assim rodar no console da Sega sem violar tantas regras da física que provavelmente ressuscitaria Hitler no processo.

TERMINOU DE ELOGIAR O MEGA DRIVE?

Só mais um pouquinho: o hardware do Mega Drive foi projetado nos anos 80 ainda, e como tal já era ultrapassado antes mesmo da metade dos anos 90. Com efeito, ele tem praticamente metade de todas as especificações do SNES à exceção da velocidade da CPU. Isso quer dizer metade da memória RAM, menos da metade de cores que pode ser exibidas na tela simultaneamente, (apenas 64, contra 256 do SNES), metade do tamanho máximo de sprites, metade de sprites simultaneos na tela e ridiculamente muito menos da metade cores conhecidas pelo console: apenas 512 enquanto o SNES conhece 32768 cores.

OKAY, ENTÃO EU ACHO QUE...

A parte sonora então, nossa, é uma piada daquelas de TV aberta brasileira dos anos 90. São apenas 8kb de memória ram para o áudio (contra 64kb do SNES) e um sintetizador de som que foi feito numa orgia sinistra entre Vlad, o Empalador, Mao Tse Tung e Stalin. Ao contrário do chip de som do SNES que foi feito pela empresa que mais entendia de hardware de som no mundo na época, a Sony.

TERMINOU?

Não realmente, mas acho que conseguir passar uma ideia da coisa. O Mega Drive não era muito mais do que uma cruza de Amiga com calculadora cientifica de camelô, e por isso não era possível fazer um port de Doom para o console da Sega.

SUA CAPACIDADE DE ELOGIAR A SEGA REALMENTE ME IMPRESSIONA, TENHO QUE DIZER.

Deixa de ser cínico, Jorge. Eu estou apenas explicando realisticamente o cenário para contextuar como esse jogo se encaixa. Porque enquanto é verdade que não seria viavel portar Doom para o Mega Drive - mesmo com o futuro Add-on 32X que aumentava a capacidade do console esse port não ficou lá essas coisas, mas isso é assunto pra outro dia - também não é justo que toda uma geração de crianças crescesse sem jogar Doom.

Quer dizer, ninguém merece uma infância sem descarregar uma escopeta na boca de capirotos mesmo que esse alguém seja de uma família que não o ama ou apenas é pobre demais para provar direitos humanos básicos como um videogame decente. Isso não está certo, sabe?

VC É DEFINITIVAMENTE UM HUMANISTA.

Eu gosto de pensar em mim mesmo como um filantropo intelectual, verdade.

ISSO NEM... QUER DIZER... AH, DEIXA PRA LÁ, EU DESISTO.

E é aí nesse cenário de dor e sofrimento, miséria e ranger de dentes que entra a Technopop. Estes valentes rapazes e moças acreditavam que todos tinham o direito de jogar um jogo de tiro em primeira pessoa no seu console doméstico, não importa o quão barato sua família tenha pago por eles no processo de adoção.

NÃO É ASSIM QUE ADOÇ... PRA QUE EU TENTO AINDA?

Então, como fazer um jogo de tiro em primeira pessoa rodar no Mega Drive? Com sérias limitações eu te digo.


A primeira coisa que chama atenção em Zero Tolerance é que o jogo roda em apenas 1/5 da tela. Sim, esse visorzinho É o jogo inteiro! Até porque se o Mega Drive tivesse que processar gráficos para um pixel além dessa minúscula area, implodiria em uma bomba termonuclear que exterminaria toda vida num raio de 15 hectares pelos próximos 150 mil anos.

Mas hey, é melhor que nada né? Quer dizer, não é como se um videogame da quarta geração fosse capaz de fazer um jogo de tiro em primeira pessoa sem implodir em chamas e dor, né?

Eu não sei o que essa imagem de Wolfenstein 3D rodando normalmente no SNES com tela cheia um ano antes está fazendo aqui, jeez, ando realmente desorganizado com meus arquivos

Aceitar limitações tecnicas para o seu jogo é aceitavel quando a outra opção é não jogar o jogo at all, eu te digo! Então, o resultado final lembra muito quando alguém fez Doom rodar na Touch Bar de um MacBook! Definitivamente apenas o console da Sega geraria tamanha criatividade humana, e depois dizem que eu nunca elogio a Sega!


... se bem que o som da Touch Bar é melhor que o do Mega Drive, mas quem está realmente criticando?

Outro não-problema, porque eu prefiro chamar de "solução criativa", é que como o Mega Drive tem a memória RAM de uma ervilha congelada o jogo tem draw distance menor que o PIB de um país comunista se pegarmos os números não maquiados pelo governo. Draw Distance, pra quem não sabe, é a distancia a partir da qual o jogo faz os inimigos aparecerem na tela. Quanto mais poderoso o hardware mais longe o jogo pode colocar os inimigos no jogo.

Em outras palavras é o limite que faz os inimigos inimigos aparecerem ou desaparecerem do jogo, como essa imagem mostra bem.


Em Zero Tolerance, no fabuloso Meguinha, o draw distance é... hã, vamos dizer assim... a expressão "aparatar na sua cara" te diz alguma coisa? Pois é. Espero que você não se assuste facilmente com inimigos aparecendo do nada na sua cara, porque isso vai acontecer. Bastante.



A IA, caso você esteja se perguntando, também é ridícula. Claro, não que eu já tenha encontrado um inimigo em um FPS 2.5D (nem mesmo em Doom) que fizesse outra coisa senão correr na sua direção, mas em Zero Tolerance nem isso direito os inimigos fazem. A maioria dos inimigos só pode atacar corpo a corpo (porque projetar e calcular trajetória de balas é fora de questão), o que os torna extremamente ineficazes. E mesmo que eles conseguirem chegar perto de você na maioria das vezes simplesmente vão passar direto com uma dificuldade enorme de acertar o seu box de colisão. 

Isso torna muitos níveis extremamente simples, a única dificuldade surge do gerenciamento de munição. Na verdade, a única vez que meu progresso foi retardado foi durante alguns andares onde a munição era escassa. 


A música do jogo também é, como você pode esperar, ruim. O jogo tem 40 fases divididas em três cenários de 10-15 fases cada. O que significa que cada cenário dura aproximadamente uma hora e meia a duas horas mais ou menos... duas horas que você ficara ouvindo o mesmo loop 30 segundos de midi metalizado tipico do Mega Drive. Trinta segundos de som repetido por duas horas, o que possivelmente pode dar errado?

Mas caso vc tenha a impressão que eu não gostei do jogo, esse não é realmente o caso aqui. Limitações tecnicas a parte, Zero Tolerance é... toleravel. É um clone de Doom para o Mega Drive, e isso implica em um gameplay que é essencialmente bastante jogavel. Não espetacular porque ter que entrar em cada corredorzinho para procurar inimigos (já que eles não se movem a menos que você chegue perto) se torna cansativo antes cedo do que tarde. Não genial, mas aceitável.

Pelo aspecto positivo, você consegue destruir alguns cenários - o que é uma feature rara em jogos dessa época, mesmo nos bons.

Atirar nos inimigos é satisfatório o suficiente, o level design não é de todo estúpido: embora o objetivo seja apenas matar todos os inimigos de um nível para avançar (daí o nome do jogo, você literalmente tem que aplicar uma politica de Tolerancia Zero com formas de vida alieníginas), as vezes você precisa ir para o nível seguinte para lá achar um caminho de volta para acessar inimigos que você não conseguia chegar antes.

O jogo também tinha um cabo link que permitia conectar dois Mega Drive para jogar versus, mas o cabo tinha que ser comprado separadamente. Pouco surpreendentemente, não foi muito popular...


A grande maioria das armas são a mesma coisa na prática, mas ainda sim esse sistema funciona no sentido que as várias armas tem suas próprias contagens de munição, então o metajogo não é na variedade das armas e sim no gerenciamento de munição. O que é okay, é aceitável.


Em condições normais de temperatura e pressão, Zero Tolerance seria um jogo esquecível aos moldes de ESCAPE FROM MONSTER MANOR. Porém não dá pra ignorar que esse não é um jogo esquecível do 3DO, e sim que devem ser consideradas as limitações técnicas do hardware medíocre que ele funciona. Isso sendo dito, esse jogo é nada senão um testamento a criatividade humana em lidar com adversidades, mesmo as mais terríveis e limitrofes! Mesmo o fato desse jogo ser apenas "okay, eu não odeio ele" sob estas condições tem que ser louvada!

E onde mais você conseguiria um cenário mais propicio a este fenomeno da superação humana do que no limitadíssimo console da Sega?

De modo geral eu gosto de como eles organizaram a tela para disfarçar o fato que o console consegue rodar só aquele visorzinho. O minimapa na tela é útil, assim como o contador de inimigos que faltam ser mortos no nível (número a esquerda). O número a direita é seu medidor de HP.

Enfim, para quem acha que eu não conseguia fazer um texto sem elogiar as coisas que acontecem no console da Sega, taí pros invejosos!

UAU, ESTOU IMPRESSIONADO.

Eu sei, foi um texto impressionante mesmo. Obrigado, Jorge!

HÃ, NÃO ESSE TEXTO. E SIM O QUANTO SPARKSTER: The Rocket Knight Adventures 2 TER SIDO ERAS INTEIRAS MELHOR NO MEGA DRIVE QUE NO SUPER NINTENDO TE AFETOU. É ALGO QUE REALMENTE TU NÃO CONSEGUIU SUPERAR AINDA,  NÃO É?

E-eu não sei que vc está falando! Claro que isso não tem nada haver, eu já tinha até esquecido disso!


SUA IMPARCIALIDADE É REALMENTE MATERIAL DO QUAL AS LENDAS SÃO FEITAS, EU TE DIGO...

MATÉRIA NA AÇÃO GAMES
Edição 073