Okay, vou ser direto e reto com vocês aqui porque aqui o negócio é fogo no polenguinho: Space Griffon VF-9 não é um bom jogo. Simplesmente não é. O sistema de mira é todo duro e troncho, os dialogos são ridiculamente toscos e eu vou ter muita dificuldade para acreditar que a equipe de dublagem desse jogo não trabalhou com uma arma apontada para suas famílias. Não tem como dizer que isso é bom, desculpe mas não é.
Mas agora, prestem atenção que essa é a parte importante, esse é o tipo BOM de jogo de ruim.
UAU, PASSAR O NATAL SOZINHO BEBENDO NO ESCURO REALMENTE NÃO ESTÁ FAZENDO BEM PARA SUA CAPACIDADE DE ANALISE.
Eu contemplo essa possibilidade por mais tempo do que você pode imaginar, Jorge, mas isso realmente faz sentido na minha cabeça. E para explicar o meu ponto eu preciso começar do começo, como de costume.
Como de costume, a capa japonesa é MUITO mais bonita... |
Estamos no começo da vida dos 32bits, e como tudo que nasce os programadores não sabem exatamente como fazer as coisas funcionarem. Embora como converter os FPS 2D da era DOOM para jogos 3D não fosse dificil de imaginar conceitualmente, falar era mais fácil do que fazer. Por essa razão nasceu um breve subgenero na história dos videogames que eu chamo de "robot corridor shooter" que, como o nome sugere, é sobre robozões da porra andando em corredores apertados. Porque especificamente isso? Porque sendo o seu personagem um robozão da porra, você justifica ele andar lentamente e o corredor sendo apertado o jogo precisa processar poucos elementos na tela. Assim você tem a justificativa para fazer um jogo lento (ou seja, mais susse de fazer rodar nos consoles da época) mas sem o jogador chiar porque essa parece ser a proposta da coisa.
E quando eu digo que isso foi um subgenero da época, não estou zoando: só nesse blog eu já falei de IRON ANGEL OF THE APOCALYPSE, METAL HEAD, KILEAK THE BLOOD e em breve eu vou falar de Robótica. Foi uma coisa bem temporária, porque depois de DESCENT eles começaram a pegar a manha de fazer FPS rodarem de forma eficiente nos consoles da época e essa moda passou.
Bem, pelo menos é dificil de errar o tiro... |
Então por essa descrição vc já pode imaginar que os robot corridor shooters não são exatamente jogos bons... e esse aqui não é exceção. Produzido pela Panther Software (que de mais relevante depois disso teve... um port cancelado do hentão Kana: Little Sister para o Xbox original) sob a tutela da Atlus, Space Griffon é sobre uma colonia na Lua chamada Hamlet que um dia cessou toda comunicação com a Terra.
Quando isso acontece, provavelmente é porque estava tudo muito bem ao ponto que eles deram uma baita de uma festa e alguém bebado tropeçou no modem. Com certeza foi isso. Porém como a empresa dona da colonia, a A-Max, é uma paranoica da porra mandou sua equipe de "sweepers" com mechas armados até os dentes (onde o seu é o Space Griffon VF-9, daí o nome do jogo) só pra checar se tava tudo certo. SPOILER: não tava.
Agora é que as coisas começam a ficar interessantes, entretanto: ao invés de ser o seu tradicional shot shot pew pew pow pow, Space Griffon joga muito mais como um survival horror do que como um FPS as modas de um DOOM da vida.
MAS UM SURVIVAL HORROR DE TIRO EM PRIMEIRA PESSOA? DÁ PRA CHAMAR ISSO DE SURVIVAL HORROR MESMO?
Só é um problema se você acha que Resident Evil 7 é um jogo de volei. Mas sim, SGVF9 executou essa ideia pelo menos duas decadas antes do jogo da Capcom e porque eu digo que isso é um survival horror? Senão vejamos: você e sua equipe chegam em um lugar isolado onde obviamente uma treta muito sinistra aconteceu... embora não seja claro o que. Para tornar as coisas mais complicadas, o ritmo do jogo é lento e sua munição e itens de cura são extremamente limitados contra abominações lovecraftianas.
Mas puta que me pareo, se isso não é a descrição de um survival horror então Silent Hill é Cricket World Championship '97.
Elevador como tela de loading disfarçada pra sair e dar de cara com um monstro. Yep, survival horror allright. |
E como nossos heróis obviamente nunca jogaram RPG na vida, eles decidem se separar para explorar a estação e descobriu o que aconteceu, porque é claro que eles vão separar o grupo, mas ainda mantém contato por rádio... enquanto podem. Isso quer dizer que o jogo não apenas é óbvio que não todo mundo que vai voltar pra casa dessa missão, como o jogo tem um elemento narrativo muito forte e eu não digo isso levianamente: frequentemente o jogo trava o movimento do seu personagem para eles ficarem batendo papo pelo rádio dos mechas.
Não apenas para comentar o que eles estão fazendo pela base, mas também coisas como... desenvolvimento de personagem e relacionamentos. É uma coisa bastante simples e não necessariamente bem escrita, o que quer dizer que os personagens são obviamente estereotipos de anime do começo dos anos 90, mas o fato deles terem tentado fazer dá muito charme ao jogo. Mais do que você poderia esperar.
Uniforme militar de animes dos anos 80, como não ama-los? |
Talvez quase tão interessante quanto é que a distribuição deles pela base faz sentido: logo na chegada é explicado para que cada andar serve e seu time se distribui pela base faz sentido de um ponto de vista tático. Realmente parece que sua equipe está, você sabe, trabalhando ao invés de você ter que fazer tudo sozinho como protagonista. Eu já comentei isso em CYBERNATOR (Assault Suit Valken no Japão) que faz diferença sim na experiencia do jogo, você sentir que está no meio de uma operação viva e de verdade e não o bullshit de exercito de um homem só.
O aspecto negativo é que ficar travando o seu personagem toda fucking hora pros personagens falarem é bastante irritante! Porque veja, não é que tem uma cutscene e depois segue o jogo, não, é você dá dois passos, tem o dialogo, aí você acha que acabou, dá mais dois passos, trava tudo de novo pra falar, aí você acha que acabou, três passos e ARGHHH!!!
Esse é o jogo do João Kleber, a qualquer momento alguém grita "PARA PARA PARAAA"! |
O único motivo pelo qual isso é mais toleravel aqui do que foi em CYBERNATOR (Assault Suit Valken no Japão) é que esse arranca e para do caralho não acontece DURANTE a ação com tiros pew pew escataimpa e sim apenas enquanto você está indo de um lugar pro outro, mas ainda sim faltou bem pouco pra atirar o controle na parede!
E essa é toda a tonica de Space Griffon: pra cada passo certo que ele dá pra frente, dá um passo de volta pra trás. Por exemplo, a movimentação do seu mecha é fantástica: você realmente sente que está controlando um mecha.
Grifão do Espaço modelo VaisiFudê-9. sua máquina de guerra |
Isso porque o seu Space Griffon tinha três modos de combate: o combat, em que seu mecha se move como um robozão de oitocentas toneladas a meio km/hora mas faz um TUMP a cada passo e a camera balança. Como é esperado nesse genero, a sensação de que você está controlando um robozão da porra em peso e efeitos sonoros, e nisso esse jogo acerta em cheio.
Em contrapartida o Cruise seu mecha vira full transformer e básicamente um modo de deslocamento com poder de ataque quase zero (vc só pode usar a arma central que não é tão abundante no jogo, não as laterais) mas velocidade maior. E tem o Assault, que é um hibrido entre os dois: você não é tão lento quanto no Combat, mas seus atributos de ataque e defesa não são tão altos.
A forma com que a altura da camera e o deslocamento dela mudam quando você muda de modo do seu mecha, junto com os efeitos sonoros de robo transformando são um toque muito legal |
O meu ponto aqui é que a sensação de realmente estar pilotando uma Valkyrie de Macross com seus três modos de combate como nunca um jogo tinha passado, o obrigatório passo pra trás que esse jogo sempre dá é que enquanto tudo isso na teoria é muito chocolatante, na prática o combate é como o Naruto: meio duro as vezes.
Pra você ter uma ideia do quanto esse jogo é duro, os detonados desse jogo dizem que a forma mais eficiente de lutar é usar uma coisa chamada "corner sniping". Sério, a forma de lutar nesse jogo é queijar o cenário para atirar nos inimigos sem eles poderem atirar de volta em você.
Eu devia ter virado a direita em Albuquerque... |
E O QUE TEM ISSO DEMAIS? PEGAR COBETURA É UMA COISA NORMAL EM JOGOS DE TIRO.
Sim, é. Mas eu não to falando em "pegar cobertura", eu to falando em exploitar a programação do jogo mesmo. Show de bola, heim supercampeão? E isso falando apenas dos inimigos regulares, os que voam tem que ser mais queijados ainda porque o sistema de regulagem de altura é bizarro. Isso porque naquela época não existia ainda o dual shock, e sem dois analógicos o que eles pensaram para regular a mira "para cima e para baixo" é segurar triangulo+cima ou triangulo+baixo para regular a algura.
Agora imagine o quão prático é atirar, trocar de arma (porque as armas levam tempo para recarregar, então você tem que ciclar as armas), e ajustar a altura. Pois é, troféu 3 Lucianos Hucks de delicia delicia delicia, parabéns a todos os envolvidos. Em suma, o combate suck... o que é um problema para um jogo de tiro, todos podemos concordar.
Fazer tudo isso ciclando as armas já é complicado, agora nem me deixe começar se você coloca usar um escudo na equação... |
Mas aí é que está: o combate é ruim, mas do seu jeito é bom também. Isso porque ele - não intencionalmente - tem um feel meio tático que nenhum outro jogo de tiro tinha naquela época, então por fazer tudo errado acidentalmente ele é meio bom também.
A narrativa do jogo é outro exemplo do que eu quero dizer: a história é até interessante, e ela é bem distribuida de boa forma durante o gameplay no sentido que você quer saber o que aconteceu ali, os dramas e sacrificios dos personagens são interessantes e tal. O problema é que tudo abusivamente mal escrito e pior dublado ainda a um ponto que... bem, veja por si mesmo:
Não tenho o que dizer, apenas sentir
Em determinado ponto, um personagem se sacrifica para ajudar a derrotar um monstro no melhor estilo Cavaleiros do Zodiaco: usou seu mecha para dar a encoxada fatal do mal e dizer "atirem nele enquanto eu detenho". Seu personagem muito relutantemente então sacrifica o seu amigo para derrotar o monstro, e compreensívelmente, fica muito triste, cabisbaixo, até mesmo chateado. Aí então uma garota que está com ele pergunta:
" Pq vc está triste?"
"Hm", nosso herói responde
"Garotos ficam assim as vezes", diz outra garota da equipe que estava por ali.
Cara, como assim? O cara teve que sacrificar o seu amigo para derrotar um monstro e a interpretação das garotas com o fato de que ele ficou deprimido com isso foi que "ah, garotos ficam assim as vezes"?!? Taqueopareo, isso é muito ruim! Mas é tão ruim, tão ruim, tão ruim ... que é ótimo!
Ou então a épica cena em que nossos heróis encontram uma vacina contra o vírus que está solto na estação e lentamente vai transformando as pessoas em zumbis, ao qual eles podem ou não já estarem infectados (óbvio que tem um vírus, né)... mas um dos caras da equipe não quer tomar porque o gosto do remédio é ruim. Mano do céu, como assim?!? O cara é um militar com 20 anos de curso porra e não quer tomar o remédio porque tem gosto ruim, e isso é sério e tem implicações pra história!
Eu não to de zueira com vocês, o nível de escrita desse jogo é dinamite pura para quem é um capaz apreciador da fina arte das coisas ruins. Caralho como esse jogo é bom de tão ruim!
Gerenciamento de inventório limitado, mais um check na lista do survival horror |
O que nos leva ao ponto que eu falei no começo desse texto, Space Griffon VF-9 é o derradeiro e supremo guilty pleasure para PS1. Tudo que ele tenta fazer ele faz de uma forma troncha e honestamente ruim, mas é um ruim tão fantasticamente ruinzastico que chega a ser bom! Seja seu combate que é tão ruim que chega a ser tático ou suas mais de seis horas de ruim anime dos anos 80, misturando no meio um jogo de mecha (em que você sente que está controlando um mecha) com survival horror.
Eu não sei que tipo de drogas a Atlus distribuiu durante a criação desse jogo (as de sempre, dado as ideias fora da casinha que eles levam em frente), mas o que eu sei é que não existe no multiverso outro jogo como Space Griffon VF-9. Para o bem e para o mal.
MATÉRIA NA GAMERS
Edição 004