sexta-feira, 2 de outubro de 2020

[AÇÃO GAMES 059] MANSION OF HIDDEN SOULS (Sega CD, 1994)[#510]


Uma coisa que não tem como não dissociar de qualquer jogo do Sega CD é sempre falar como a Sega não fazia a MAIS REMOTA ideia do que fazer com o espaço extra que o CD proporcionava ... nem dos preços mais baratos de produção de um CD comparado com um cartucho que nunca foram repassados no produto final... ou de títulos exclusivos que justificassem um acessório que custa o dobro do aparelho original e que por algum motivo precisa da sua própria tomada... uau, a Sega não fazia ideia MESMO do que estava fazendo a vida, né?

Mas a boa notícia é que a partir da metade de 1993 (um ano e pouco após lançar a porcaria do acessório), eles meio que começaram a pegar o espirito da coisa lançando jogos exclusivos do Sega CD que não teriam como possívelmente rodar no Mega Drive normal (ao invés de apenas o mesmo jogo com uma cutscene de abertura). Essa empreitada começou com toda comoção que NIGHT TRAP  causou... não necessariamente pelas razões certas, mas né?


Isso culminou em vários jogos de qualidade... questionável... até culminar no maior e mais ambicioso projeto da Sega até então: a flagship que consumiu mais de um ano e dez milhões de dolares para ser o maior jogo de todos os tempos, um jogo tão grandioso e tão épico que faria as crianças arrancarem as calças na rua e querer um Sega CD (o departamento juridico da Sega aconselhou eles evitarem a primeira parte)... estou falando, é claro, do épico, do lendário, do grandioso... JURASSIC PARK

... porra Sega, tu não se ajuda mesmo, né?

Enfim, a ideia de JURASSIC PARK é interessante: usar o espaço extra do disco para criar uma sensação de ambiente 3D colocando vários cenários e cutscenes rodando conforme o jogador "andasse" de uma tela para a outra.


Claro, você pode se perguntar se fazer um point'n click seria a melhor escolha para o seu projeto milionário de promover as vendas do Sega CD - um genero que nunca foi infinitamente popular no PC e menos ainda nos consoles. Para "resolver" esse problema que eles sequer precisavam ter criado em primeiro lugar, a Sega decidiu dar uma "apimentada" nas coisas colocando um limite de tempo no jogo, e adicionando sessões de tiro just because.

O resultado?


Mas... e se eles não fizessem isso? E se eles apenas não cagassem a porra toda? Voce sabe, começar a fazer um jogo como point'n click e manter ele como point'n click, sem shenanigans loucos, apenas manter a ideia de usar o Sega CD para criar um cenário 3D?

Bem, a Sega não faria isso porque fazer alguma coisa sem foder tudo é contra todo o propósito da empresa, mas foi basicamente o que a modesta System Sacom (que até então só lançava jogos para computadores japoneses como o Sharp X68000 ou o NEC PC88 - os japoneses estavam numa fase de computadores com números - tendo lançado apenas JENNIFER CAPRIATTI TENNIS para consoles) pensou em fazer. E foi o que eles fizeram.

Nossa história começa quando os irmãos Samantha e Jonathan estão passeando tranquilamente no bosque a noite. Ou seja, são as crianças com pais mais negligentes que eu já vi em um videogame desde que o Fred Flintstone decidiu pintar a sala com um bebê dentro dela em THE FLINTSTONES do Master System.


Pela voz da Samantha e do Jonathan (só dá pra ouvir a voz deles), eles não parecem preocupados ou tensos, então não é como se eles tivessem se perdido ou algo do tipo, parece só um passeio mesmo. Pelo sons ambientes também parece que eles estão BEM dentro do mato, o que novamente faz eu perguntar que diabo de passeio é esse. Piores pais ever, eu te digo.

Seja como for, Samantha vê uma borboleta do capeta (não que alguma não seja, SÃO MINHOCAS COM ASAS!), decide deixar o irmão para trás e sair perambulando atrás dela. No meio do mato. A noite. Sozinha. 

Capa europeia do jogo

Se Sammy foi hipnotizada pelo capiroto ou se é apenas retardada mesmo, jamais saberemos. O que sabemos é que seu irmão vai atrás dela e acaba se deparando com uma mansão... QUE NÃO ESTAVA ALI ANTES. Jonjon então entra na mansão do capeta e é aqui que o jogo começa.

Antes de prosseguir, eu realmente preciso enfatizar o quanto Craig tem razão. A respeito de tudo. Na vida. 


Craig pode ser negativo, mas ele não andaria no meio do matão a noite, não seguiria a borboleta do capeta e nada disso estaria acontecendo. Seje como for, adelante...

Perambulando por dentro da mansão, agora com o jogador no controle, você logo entende porque o jogo se chama "A Mansão das Almas Ocultas" quando conhece os habitantes da mansão: eles são pessoas que se perderam e foram levadas pela mansão, como a Samantha, e agora suas almas vagam eternamente nos comodos da mansão na forma de borboletas azuis. Infelizmente nenhum deles te confere o poder de ser um fabuloso Phantom Thief, tho.


A parte dos espiritos-borboletas é razoavelmente bem escrito para um jogo de 1994, e eles passam bem aquele feeling que eles estão presos em um limbo onde tem apenas uma vaga lembrança de quem eles era quando eram pessoas, assim como nenhuma noção de quanto tempo passou.

Algumas das borboletas ainda são melancólicas a respeito da sua antiga humanidade (eu gosto particularmente da que tem na sala de música, e que lamenta não mais poder tocar o piano), outras já foram totalmente absorvidas por essa nova realidade. Isso dá uma atmosfera meio creepy, meio depressiva ao jogo - que é mais a coisa dos contos de terror japonese, que tende a preferir você sentir pena de como o fantasma chegou aquela condição do que encher a narrativa de jumpscares.

Claro, você estar andando de boas e do nada uma borboleta falante surgir meio que é um jumpscare pra mim

E essa atmosfera é exponenciada pela ESPETACULAR edição de som do jogo, que tem um trabalho muito bom em passar a sensação de inquietudade e sobrenatural das formas mais sutis. No salão principal da mansão, por exemplo, não tem música e sim apenas o som dos seus passos com um relógio batendo ao fundo, o que passa uma sensação de isolamento muito grande. Você tem certeza absoluta que ninguém vai vir te ajudar, enquanto nos quartos que tem borboletas toca um leve piano melancólico que não te deixa esquecer que esse logo será o triste destino da sua irmã e do seu.

Com efeito a edição de som desse jogo é tão boa que foi a grande inspiração para um outro jogo sobre pessoas presas em uma mansão onde coisas sobrenaturais acontecem - um que ficou bem mais famoso que TMOHS.


Com efeito, o hall inicial de Resident Evil é MUITO parecido com o de TMOHS:


Mas então esse jogo é uma versão do homem pobre de Resident Evil? Hmmm, mais ou menos. E mais na parte do "homem pobre" do que no resto. Isso porque a produtora não tinha os bolsos fundos o suficiente para fazer um mapa grande com várias locações como em Jurassic Park, então a mansão dessas almas escondidas aqui possui... sérias restrições orçamentárias. No inicio são seis quartos básicos, com algumas bem poucas areas desbloqueando na reta final.

O point'n click feito pela Sega com esse mesmo principio de "ambiente 3D" era pelo menos 5x maior. Mas eu não considero que isso seja um problema, exatamente. Melhor um jogo curto e memoravel do que uma draga enorme que se arrasta por horas e horas - e curto é um ponto aqui, porque esse jogo pode ser terminado em algo como meia hora.

Para interagir com as coisas é só apertar para cima, dispensando o uso de mouse - o que faz o jogo funcionar bem no console

O real problema não é exatamente o tamanho da mansão... e sim que a Sacom não saca tanto assim de Point'n click. Toda estrutura do jogo é muito básica: você tem que ir no quarto que está acessível, falar com a borboleta, e então ir em um espelho mágico que te mostra onde está a próxima chave.

Isso é um sistema de roteiro bastante engessado e contraintuitivo, que diminui a experiencia do jogo como um todo. Por exemplo, o primeiro quarto que tem disponível é um quarto cor-de-rosa onde tem um set de chá. Você pode vasculhar ele de ponta a ponta e não vai achar nada. 

Aí depois de falar com a borboleta daquele quarto você vai no espelho mágico que mostra o próximo passo (que fica no salão de jogos), tem que voltar no quarto e vai ter uma chave embaixo da cama - uma chave que não estava lá antes. Todo jogo é scriptado dessa maneira, você tem que fazer as coisas exatamente na ordem que ele foi programado e isso não é nada legal.


Eu realmente entendo que deve ser mais fácil programar dessa maneira, ainda mais em um jogo relativamente complexo para uma empresa de baixo orçamento, mas não tem como não dizer que eu preferia de outro jeito.

A outra coisa que me incomoda um pouco é essa coisa do "espelho que diz para onde ir", eu realmente preferia que o próximo evento fosse desbloqueado falando com os espiritos que dariam dicas do que fazer no dialogo. O que eu estou falando aqui não é videogame avançado nuclear, é apenas o básico da progressão para um point'n click que já foi feito antes centenas de vezes.

Então, não, esse jogo não é um point'n click muito bom... mas também não sai do seu caminho para tornar sua vida miserável como Jurassic Park. Os puzzles são simples e a estrutura não é sequer perto da ideal, mas é um jogo funcional.

Esse espelho/quadro/TV... sei lá o que é isso, mas você vai visitar bastante isso

Por exemplo, em determinado ponto o jogo passa a ter um limite de tempo para adicionar tensão ao jogo. Só que diferente de Jurassic Park, o limite de tempo não é feito de um jeito cuzão e sim dentro do bom senso - o tempo só passa quando você está se mexendo, e o limite de tempo é relativamente ok (só que ele não aparece na tela, então você fica tenso com a incerteza). É feito de um jeito simples e sem ser babaca, VIU SEGA?

Do ponto de vista tecnico, como da para imaginar, o jogo é bem tosco porque... bem, é um jogo de Sega CD, né? Então ele roda a tipo uns 15 FPS (ou seja, ele parece que tá travando, mas é assim mesmo), os comandos levam meio segundo ou mais para serem registrados e os gráficos são aquela coisa de quando você tenta fazer o Mega Drive exibir gráficos que rodariam no PS1.

A lie, the cake is

Mas considerando o genero do jogo que não exige reação imediata, a ambientação e a edição de som compensam os gráficos capengas e, mais importante... é um jogo de Sega CD de uma empresa pequena, porra! Se você não vai aceitar como as coisas são, então você é um idiota.

O único porém que eu tenho que realmente fazer é sobre o desenrolar da trama do jogo, porque em dado momento você encontra o "Hunter" que é quem coleciona as almas, e descobre que seu objetivo é... incompreensível. Eu quero dizer literalmente incompreensível, eles adicionaram um efeito especial na voz dele e a gravação que já não é top de linha na placa de som do Mega Drive é ininteligivel.

Eu achei a principio que o problema fosse que o meu inglês não fosse fluente o suficiente (o jogo não tem legendas nos audios), mas não. Nos comentários dos videos de gameplay mesmo os nativos não entendem porra nenhuma do que é dito. Então ESSA é uma cagada que tinha como ser evitada já que você consegue entender as outras falas do jogo - só essa que pisaram no tomate mesmo.


Não há muito mais a dizer sobre a Mansion of Hidden Souls no final do dia. É um jogo bastante simples, que não cai abaixo de funcional e compensa pela atmosfera e proposta - algo que o suposto brande blockbuster da Sega falhou miseravalmente em entregar.  

The Mansion of Hidden Souls é um jogo interessante. É um bom jogo? Eu não usaria uma palavra tão forte. Não tem puzzles suficientes para o meu gosto, e os que existem são bastante básicos (a exceção do último que é incrivelmente complexo do nada), mas eu nunca me senti entediado ou fiquei com raiva do jogo enquanto o jogava. Como eu disse, certamente tem uma atmosfera abundante e, embora a dublagem seja reconhecidamente ruim, tudo bem para mim, porque há poucas coisas que eu adoro mais do que uma dublagem ruim de videogame.

MATÉRIA NA AÇÃO GAMES
Edição 059


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Edição 003