terça-feira, 13 de junho de 2023

[#1125][Dez/97] CASTELO RÁ-TIM-BUM



Em 2010, Lauren Faust mudou para sempre o mundo da animação ocidental com uma proposta ousada e alguns até diriam insana: E SE, veja bem, E SE nós tratassemos as crianças como seres capazes de pensar? E SE no lugar de sons de peido e barulhos engraçadalhos, nós suposessemos que as crianças são capazes de apreciar coisas personagens bem escritos e uma construção de mundo interessante?

Esse foi o norte que levou a criação de My Little Pony: Friendship is Magic e de todas as coisas do mundo, eu jamais poderia cogitar a possibilidade que My Little Pony é algo que respeita a inteligência do seu espectador e realmente coloca esforço em contar um ponto relevante.


Por exemplo, tem um episódio que a Apple Bloom fica toda encucada que todas as outras meninas da sala dela já desenvolveram a sua Cutie Mark e ela ainda não. Se você não entendeu o que essa metafora significa para uma menina pré-adolescente, bem, não tem muito o que eu possa fazer para te ajudar a esse ponto. É de uma relevancia e uma finesse ímpares, para dizer o mínimo.

Tá, mas pq eu estou falando Marilouponei? Bem, pq enquanto é realmente impressionante que Lauren Faust tenha colocado tanto esforço e pensamento em um programa para um publico que se acredita que consome absolutamente qualquer merda desleixada... mais impressionante é que isso já tinha acontecido no Brasil a mais de 15 anos antes. Brasil-sil-sil.


Mas vamos começar do começo: em 1972, um programa norte-americano fez tanto sucesso no mundo todo que definiu para sempre os moldes de como se faz um programa infantil educativo. Esse era Vila Sesamo, que ensinava noções básicas de matemática, idioma e comportamento para as crianças com personagens são carismáticos e situações over the top que não ficava chato realmente E - mais importante, as crianças gravavam a mensagem. 

Ou, você sabe, apenas ser divertido.


Muitos programas infantis pelo mundo tentaram combinar essa coisa de humor e ensino básico, alguns até mesmo versões licenciadas da Vila Sesamo, porém um dos mais únicos a abordar essa proposta foi "Ra-Tim-Bum", da TV Cultura.

E por "únicos" eu quero dizer que alternava entre lições básicas (tipo ensinar as crianças o que é um quadrado e um círculo) e momentos "mano, o que eles fumaram aí?". Quero dizer, sério:


Uadafãqui... seja como for, Ra-Tim-Bum foi um grande sucesso na TV Cultura, ficando no ar de fevereiro de 1990 a março de 94, ganhando vários premios e marcando a infancia de milhões de crianças com bordões que são usados até hoje:


Tendo esgotado Ra-Tim-Bum, a TV Cultura seguiu adiante e planejava um novo programa para substituí-la. Isso foi ainda em 1993 (antes de Ra-Tim-Bum terminar, aqui é organização ou o que?), eles então sentaram com Flavio Souza e Cao Hamburger (Hamburger é o sobrenome de familia mesmo, how cool is that?) e começaram a trabalhar num sucessor.

A ideia original era um programa em que crianças viajavam por um mundo de fantasia, com diferentes locações e tal, ao que a TV Cultura imediatamente respondeu:


Ok, talvez fazer desse jeito seria caro demais, mas então e o contrário? Um ambiente de fantasia que se passasse em um cenário fixo como, digamos, um castelo encantado no meio de São Paulo?


Então eis como as coisas iam funcionar: o progama sucessor se chamaria "Castelo Ra-Tim-Bum" e manteria a pegada de Ra-Tim-Bum (que por sua vez mantinha a pegada de Vila Sesamo) de ensinar coisas as crianças através de esquetes interessantes (e que pessoalmente eu acho muito melhores que as de Ra-Tim-Bum).


Eu realmente aprendi várias coisas com esse programa, incluindo esse trecho aí de cima de "onde vem a areia da praia", e mesmo as esquetes mais random ainda são sempre visualmente ou sonoramente interessantes.


... meio creepy as crianças stalkeando o ratinho tomando banho, mas okay... seja como for, a grande diferença aqui é que ao contrário de Ra-Tim-Bum, a sequencia teria um fio condutor ligando os quadros, que são três crianças passando a tarde no castelo e vivendo altas confusões.

Eu não vou explicar os personagens de Castelo Ra-Tim-Bum pq, sério, seria como explicar pra um brasileiro os personagens de Chaves, mas o ponto que eu quero fazer é COMO as histórias são contadas, ao que me remete ao começo do texto.


Diferente do que acontece com programação infantil, em que as mensagens são enfiadas goela abaixo das crianças pq o produtor assume que as crianças são capazes de pouco mais do que enfiar um crayon no nariz se não tiver ninguém olhando.

Quer dizer, mesmo quando eu era criança eu já assistia coisas como CAPTAIN PLANET AND THE PLANETEERS e revirava os olhos do quão básica era a escrita e como a mensagem era socada sem nenhuma graça ou elegancia. Quer dizer, eu tinha 10 anos de idade, não é como se eu fosse crítico de arte nem nada, mas puta que pariu, mesmo naquela época já me incomodava o quão preguiçoso e sem graça a coisa era feita.

Castelo Ra-Tim-Bum, por outro lado, faz as coisas de uma forma diferente e bem mais ambiciosa: o programa assume, apenas para variar, que as crianças não são completamente mentecaptos e se permite uma narrativa mais sofisticada.


Por exemplo, o episódio no qual o jogo de hoje é baseado (mais sobre isso em breve) é essencialmente sobre ensinar as crianças a não sairem bebendo qualquer liquido que verem pela frente. O que pode parecer óbvio, mas é um problema muito grande quando você tem uma criança em casa pq crianças e cachorros nascem com uma programação altamente eficiente para se autodestruir.

Nesse episódio Zequinha vê uma jarra de alguma coisa que parece vistosa e decide mandar pra dentro. Só que a jarra era de uma poção do Dr. Victor que fazia rejuvenescer, então ele volta ser um bebê - e um bebê absurdamente irritante de cuidar, como todos os bebês são.


A coisa aqui é que o episódio é montado de modo a mostrar o quanto de transtorno essa ideia do Zequinha de beber qualquer porcaria que ver pela frente e vc pega raiva da burrice dele. O que, eu lembro de ter essa sensação quando criança, que eu totalmente não queria ser igual a ele e desde esse dia eu nunca saí por aí bebendo líquidos coloridos desconhecidos.

Porém não para por aí, não é apenas a questão da lição para as crianças, o episódio ainda é bastante divertido e interessante ao mostrar a versão criança de vários personagens já estabelecidos no programa (esse é o episódio 48), então sempre tem algo interessante pra se ver.


E assim funciona para todos os episódios, eles tem uma lição educativa escrita de uma forma inteligente sem tornar o episódio arrastado ou previsivel. O episódio sobre racismo, por exemplo, tem um take brilhante não mostrando um vilão malvadão fazendo coisas malvadisticas, e sim os protagonistas mostrando como qualquer um pode incorrer nessa merda.

É brilhante.


Castelo Rá-Tim-Bum é o maior sucesso da programação infantil brasileiro, estabelecendo recordes de audiência que até hoje a TV Cultura nunca mais conseguiu igualar, empilhou premios, livros, um museu dedicado a série e até mesmo um especial de reencontro do elenco lançado esse ano - como é uma prática comum a séries de muito sucesso no exterior, mas completamente sem precedentes no Brasil.

A série também ganhou um filme que desapontou um pouco por ser mais uma releitura com um novo elenco - o que é uma prática comum nos EUA, tipo o filme ADDAMS FAMILY VALUES, mas definitivamente não é o que a gente queria ver por aqui.


Porém entre todo os legados do sucesso de Castelo Rá-Tim-Bum, o motivo que nos trouxe aqui hoje é... o pior de todos eles: o jogo de Master System criado do zero pela Tec Toy.

Sim, assim como FÉRIAS FRUSTRADAS DO PICA-PAU, esse jogo não é uma rom hack alterando os sprites de nada e sim um jogo programado do zero. Mas hey, vc poderia imaginar que depois de errar tudo que podia e não podia na jogabilidade de FÉRIAS FRUSTRADAS DO PICA-PAU, certamente a Tec Toy aprendeu a lição e esse jogo não tem como ser tão ruim quanto. Certo?


De alguma forma, provavelmente devido as limitações técnicas do console inferior, Castelo Rá-Tim-Bum consegue ser um jogo PIOR de se jogar do que a tentativa da Tec Toy de dois anos antes. Eu nem imaginava que isso era fisicamente possível, mas de alguma forma eles conseguiram essa façanha!

Pra começar, o jogo tem a pior resposta do controle que eu já vi em um jogo de Master System. Ou na vida. Sério, eu achava que THE CYBER SHINOBI: SHINOBI PART 2 era ruim, mas minha nossa senhora do passaquatro molhado, aqui você pode apertar um botão, ir fazer um café, colocar a roupa pra lavar, fazer sua declaração do imposto de renda e o personagem não vai ter pulado ainda.

Se esse cenário não foi desenhado no Paint, eu sou o Batman de pogobol

Não que pular os inimigos ajude muito, porque a caixa de colisão é de um amadorismo que não se vê nem em jogo de R$0,99 na Steam. Nunca dá pra saber se você pulou sobre o inimigo, se o jogo contou como ele ter te acertado ou se o jogo apenas se perdeu e você atravessa o caboclo sem consequencias.

Sério, não é nem ter uma indicação visual na tela do que aconteceu, frequentemente você apenas atravessa os inimigos no bom e velho bugzão da massa mesmo! E, é claro, o mesmo vale para as plataformas. Se você vai cair na plataforma ou vai simplesmente atravessar ela como se fosse o fodendo LEMILIÃO (apenas os fortes entenderão a referencia) é algo que nunca dá pra saber com certeza.

Isso quando você vê no que está pulando, é claro, pq tipo 98% dos pulos desse jogo são apenas saltos de fé no vazio, o tipo de game design mais amado pelos jogadores ou o que?


E quando você não está fazendo saltos de fé, você apenas desejaria que estivesse, pq eu tenho que falar dessa tela, dessa maldita tela:

Você vai até um lado e não tem saída, vai até o outro, sem saída. Pula, nada acontece. Tenta interagir com o negócio verdade, aperta todos os (dois) botões, nada. Sobe em cima da mesa e tenta alcançar o lustre, não alcança. Sabe como se passa dessa tela?


Saca só: voce tem que subir em cima mesa e começar a correr para a direita. Isso vai fazer, por alguma razão, seu personagem correr sem sair do lugar (suponho que era pra ser uma mesa giratória? Não colocaram animação disso), o que vai fazer o negócio verde subir e que por acaso fortuitamente ele é uma mola propulsora que te faz pendurar no lustre.

Depois de pendurar no lustre, agora você pode sair pela direita. Não que tenha qualquer indicação visual disso, mas agora você pode.




Mano, sério, simplesmente... qual é a lógica de qualquer uma dessas coisas? Já que estamos nisso, pq o jogo simplesmente não pediu para eu sair correndo ao redor da quadra pulando num pé só, faria tanto sentido quanto!

Os gráficos são vazios e sem vida mesmo para os padrões do Master System. E não é nem desculpa de ser um jogo original da Tec Toy, pq eles sabiam pelo menos fazer cenários para o Master System - vide o port de STREET FIGHTER II: THE WORLD WARRIOR para Master.


É realmente impressionante o quanto a Tec Toy conseguiu errar absolutamente tudo nesse jogo. Dado como a Tec Toy tinha experiencia em fazer ports dos jogos de Game Gear para Master System e mesmo rom hacks, você poderia imaginar que eles entendem alguma coisa de programação para o Master para não fazer ... isso.

Sério, esse jogo foi lançado no final de 1997 (quando já estamos até a cintura na geração PS1/N64/Saturn) pelo preço de 45 reais quando o salário minimo era 120 pila. Cobrar meio salário minimo por um jogo pior programado que jogos do Atari - e eu não estou sendo hiperbolico aqui, jogos de Atari tem de facto resposta dos controles melhores e detecção de colisão melhor que isso aqui.


Se FÉRIAS FRUSTRADAS DO PICA-PAU é um jogo pavoroso, mas vá lá, foi o primeiro jogo 100% nacional e os caras tavam fazendo tudo do zero, agora não tem desculpa. Dois anos depois não existe justificativa para lançar essa atrocidade que se não emplacar um caça-níquel safado... 

Êêê Tec Toy, o modo de pensar não tá muito diferente de uma EA da vida, mas eu não acho que isso deva ser tomado como um elogio...

MATÉRIA NA AÇÃO GAMES
Edição 121 (Novembro de 1997)


MATÉRIA NA SUPER GAME POWER
Edição 045 (Dezembro de 1997)