Okay, a história de hoje é uma bastante interessante e eu estava esperando chegar a esse jogo para ir atrás dela inteira - já que não é algo que se acha contado tão claramente assim na interwebz. Nossa história começa com um pequeno estúdio nos cafundós da Inglaterra, e por pequeno eu quero dizer pequeno mesmo: menos de 12 pessoas, quase todos eles adolescentes.
A coisa é, entretanto, que esses meninos magia que compunham a Argonaut Games se diferenciavam porque eles tinham uma obsessão em fazer jogos 3D.
E O QUE ISSO TEM DE MAIS? TODO MUNDO FAZ JOGOS 3D
Isso hoje, porém em 1986... é, isso definitivamente era alguma coisa.
Starglider, de 1986 |
Claro, vc pode argumentar que em 1986 não tinha como fazer algo muito mais 3D que isso... o que é verdade, não dava mesmo. Mas ao longo dos anos a Argonaut manteve vivo o sonho de fazer uma versão verdadeiramente 3D do seu antigo Starglider.
Vc pode achar que eu estou exagerando ao dizer que eles tentaram fazer o mesmo jogo pelos próximos 10 anos, mas é exatamente isso que veio a acontecer. Como o, obviamente, Starglider 2 de 1988...
... A.T.A.C. de 1992 ...
... X (para o Game Boy) também em 1992...
É realmente importante para essa história entender esse passado, e também é importante saber que apenas quase 10 anos tentando fazer esse mesmo jogo de nave com gráficos 3D/vetoriais foi apenas em 1993 que eles finalmente, FINALMENTE fizeram essa ideia funcionar. Esse seria um jogo que provavelmente vocês já ouviram falar, a Raposa Estrela.
STARFOX foi um dos grandes sucessos do Super Nintendo, se tornando o jogo que mais rápido vendeu no SNES até esse ponto. E faz sentido, pq embora rail shooters nunca foram exatamente fenomenos de popularidade, ninguém nunca tinha visto um jogo rodando em 3D a essa velocidade.
Isso deu bastante moral para a Argonaut junto a Nintendo, e isso todo mundo sabe. O que menos gente sabe, entretanto, é que graças a esse sucesso eles conseguiram autorização para continuar desenvolvendo jogos 3D para o Super Nintendo.
ESPERA, QUE OUTROS JOGOS 3D PARA O SUPER NINTENDO?!
Esse é todo o ponto. STARFOX foi desenvolvido em parceria muito próxima com a Nintendo, com a produção de ninguém menos que o homem, o mito, a lenda Miyamoto em pessoa. Na verdade toda parte conceitual e artistica do jogo veio do próprio Miyamoto, a Argonaut era uma excelente carregadora de piano e o trabalho técnico que eles fizeram foi inacreditável... mas definitivamente faltava a finesse artistica para fazer esse jogo realmente chamativo.
E com efeito, os jogos que a Argonaut fez para o Super Nintendo eram ... hã... bem, eles eram, né? É, meio que eles eram... Quer dizer, estou falando de jogos do calibre de Stunt Race FX e VORTEX. Caso você não conheça esses jogos... eu não te culpo, eles são beeeeem marromenos, mais pra menos do que pra mais.
Ou seja, tirando o feito técnico de fazer jogos 3D rodarem no hardware do SNES, eles não tinham muito a oferecer realmente. Os jogos deles - aqueles que eles não passaram os últimos dez anos polindo e ainda sim só funcionaram pq tiveram a mentoria do Miyamoto - não chamavam atenção nem que estivessem em chamas.
Por isso quando a Argonaut propos pra Nintendo em fazer um jogo de luta, ao estilo de VIRTUA FIGHTER usando suas maracutaias 3D no Super Nintendo, a Nintendo achou a ideia muito interessante. Tão interessante, de fato, que passou a procurar uma parceira para colocar essa ideia na prática.
COMO ASSIM PROCURAR UMA PARCEIRA? E A ARGONAUT?
Então, a resposta da Nintendo foi basicamente:
Esse jogo de luta 3D que a Nintendo foi procurar outra parceira pra fazer (a Rare, no caso), viria a ser KILLER INSTINCT, mas isso é história pra outro dia.
A Nintendo não quis colocar nessas palavras pra nao ofender ninguém, mas a verdade é que os jogos da Argonaut não eram realmente muito bons. Porém quando a Argonaut (que não pegou a deixa da primeira vez) propos a ideia de um jogo de plataforma usando a engine 3D. Mais precisamente, um jogo de plataforma 3D usando o Yoshi!
Ao diante do que a Nintendo teve que ser mais... direta, vamos dizer assim:
"Ah, mas a ideia do jogo de plataforma usando uma engine 3D é maneira, vamos usar ela, tá?". E isso, saiba você, não é zoeira minha. O então fundador da Argonaut, Jez San, disse certa vez:
Agora, como você pode imaginar, a Nintendo foi adiante com a ideia que a Argonaut apresentou no seu pitch e fez ela própria o seu jogo de plataforma 3D... que acabou sendo um dos melhores e mais vendidos jogos de todos os tempos, apenas por acaso. E ainda agradeceu a Argonaut por isso, a audacia, né?
Ah sim, e caso vc esteja se perguntando, sim, eu estou falando apenas de fucking SUPER MARIO 64. Pois é.
Mas... e a Argonaut? O que foi feito dela? Bem, eles seguiram adiante o seu caminho e tiraram do papel as ideias que tinham apresentado para a Nintendo. Se a Nintendo não queria fazer o jogo de luta 3D deles, tudo bem, eles mesmos fariam e assim nasceu... FX FIGHTER?
Tá, é meio que dificil condenar a Nintendo nessa pq eles tinham realmente razão: a Argonaut não levava muito talento para a coisa e seus jogos eram beeeeeem... meh? E sim, eles também levaram adiante a ideia de tirar do papel o jogo do Yoshi de plataforma 3D (que nas mãos da Big N virou SUPER MARIO 64), o que nos leva a esse tal de Croc aqui.
Então, essencialmente, Croc - A Lendão dos Gobão, é a realização dessa ideia... e eu vou te adiantar algumas coisas e já te dizer que como tudo mais que a Argonaut fez, é um jogo beeeeeem marromenos e esquecível. Mais uma vez, pode não ser legal da parte da Nintendo pegar a ideia dos caras e dar o pé na bunda deles, mas então... trabalhar com a Argonaut também não era uma boa ideia, pq eles realmente não são muito bons nisso.
Croc não é um jogo muito bom. Também não é um muito ruim, mas se é isso que estamos comemorando aqui...
Então, como a coisa funciona: pra começar, por mais improvavel que pareça, a história de Croc não é ruim. Tudo começa com o pequeno bebê Croc chegando num cesto pelo rio até a vila dos Gobbos, onde ele é acolhido e criado pelos Gobbos como um deles. Que história bonita, não?
Bem, não teria jogo se algo terrível não acontecesse e então algo HORRÍVEL acontece! Você jamais conseguiria imaginar isso, mas do nada um grande vilão Barão Dante surge para aprisionar os Gobbos (que são essencialmente os caribous de Yu-Gi-Oh) por nenhum outro motivo outros que eles estavam felizes. Malditas bolas de pelo felizes, como ousam?
Seja como for, em um último esforço o rei gobbo chama um pássaro para ajudar Croc a fugir, sabendo que ele será sua única esperança de escapar. E agora você é a última esperança do povo que te criou, dramático não?
Tá, eu sei, não é exatamente literatura russa de complexidade, eu sei, mas eu vou dizer que achei a história charmosinha, tenho que dar isso ao jogo - especialmente em um genero que frequentemente não coloca esforço nenhum antes do vilão aparecer. Jogar Croc (com o subtítulo Legend of the Gobbos, embora misteriosamente nenhuma lenda esteja presente), entretanto, é consideravelmente menos charmoso.
Pra começar, esse é um dos raros jogos de plataforma que usa o sistema de energia de SONIC THE HEDGEHOG onde você coleta anéis, ou joias neste caso, e os perde quando toma dano, podendo tentar reunir o máximo que puder antes que eles desapareçam. Okay, isso é uma coisa boa, eu gosto desse sistema e genuinamente acho que foi uma das ideias mais criativas da Sega para não punir excessivamente o jogador em um jogo onde é inevitável que vc esbarre nas coisas que causam dano.
Croc, entretanto, não compartilha da velocidade de SONIC THE HEDGEHOG (nem SONIC THE HEDGEHOG compartilha da velocidade que os fãs acham que SONIC THE HEDGEHOG tem até jogar o jogo, mas isso já foi discutido naquele texto) e nesse jogo aqui o sistema de energia funciona mais pra te proteger não da colisão inevitável devido ao gottagofast, e sim... devido ao fato que a hit detection é beeeeem confusa.
O que é uma coisa boa, eu acho, com certeza é menos pior do que seria sem ela, mas então... eu preferia ter uma boa detecção de colisão em primeiro lugar, sabe? Se tivesse que escolher alguma coisa, essa seria minha primeira escolha.
Sério, eu terminei o jogo com 100% e não posso dizer que sei com certeza onde o ataque de Croc pega ou a que distancia você pode chegar dos inimigos sem se machucar. Adicione a isso que Croc tem uma sombra ridiculamente pequena quando pula (a sombra enorme que Mario projeta em SUPER MARIO 64 pode ser exagerada mesmo para seus fundilhos italianos, mas é vital para você ter 100% de noção de onde o personagem está quando está no ar)... e temos um jogo bem truncado de se jogar.
Se isso ainda fosse o preço a se pagar por um gameplay interessante ou mesmo um level design criativo... mas não é o caso. Essencialmente não tem nada de especial em Croc. É apenas um caso de percorrer níveis 3D coletando moedas (jóias, nesse caso), matando inimigos e pegando 6 Gobbos colecionaveis por fase.
Tá, eu sei que a maioria dos jogos de plataforma pode ser descrita de uma maneira simplista como esta, mas nesse caso aqui não é um resumo simplista e sim tudo que realmente existe nesse jogo. Você não precisa nem resolver nenhum puzzle para liberar os Gobbos, apenas quebrar caixas ou pega-los a plena vista. O máximo que o jogo te exige é que as vezes vc tem que pegar uma chave para abrir a gaiola, mas isso é tudo. Não que coletar Gobbo seja essencial para terminar o jogo - pegar todos abre um mundo adicional, mas isso é tudo - mas a verdade é que sem isso o jogo tem MENOS conteúdo ainda.
E eu já estou falando de um jogo com bem pouco conteúdo, pq o level design de Croc é o mais genérico possível. Ande, mate um inimigo, pule em uma plataforma em movimento ou que desmoronando, enxague e repita e repita. Também não tem momentos complicados que exigem muita jogabilidade por parte do jogador ou os desafios interessantes para alcançar os colecionaveis que CRASH BANDICOOT 2: Cortex Strikes Back exibe. É realmente genérico de se jogar.
E não ajuda realmente que os controles não possam ser chamados de estelares. Eu entendo que eles decidiram copiar o esquema de controles de TOMB RAIDER (literalmente, tem até um botão para rolar em 180 graus) pq é uma coisa que funcionou naquele jogo, mas aquele jogo é aquele jogo. Eu realmente não entendo pq eles usaram esse controle estilo-tanque ao invés do controle 3D fluído de SUPER MARIO 64 que funciona muito melhor em todos os jogos de plataforma 3D que não são especificamente TOMB RAIDER.
Além disso, os controles são irritantemente lentos. Tem há um delay perceptível entre o pressionamento do botão e o salto do Croc. O que, você pode imaginar, não é exatamente o ideal em um jogo de plataforma.
O que, em última instancia, é realmente uma pena. Croc é um carinha simpático, é gostoso olhar para ele e os mundos, embora sejam sem graça de jogar, possuem uma qualidade gráfica bastante satisfatória para um jogo PS1 de 1997. É um dos raros jogos de plataforma dessa época que não usa a famosa névoa para esconder a falta de memória RAM do console, e isso dá uma impressão positiva. Em adição a isso, a trilha sonora é bem divertida e parece entender o nível de seriedade (ou falta dela, no caso) que a aventura propõe. Com efeito, o jogo tem tantos elementos que funcionariam bem em um desenho animado que a Fox cogitou fazer uma série animada a partir dele (uma série que foi engavetada quando o jogo e sua sequência tiveram uma recepção bem "meh").
Então eu entendo o apelo conceitual de Croc, apenas... a Nintendo tinha razão, os caras da Argonaut não são exatamente brilhantes e no fim do dia, ter dado um "vai na venda" neles depois do primeiro STARFOX parece ter sido mesmo a melhor decisão.
Ah, antes de encerrar, eu queria dizer uma última coisa: a Ação Games é completamente esquisofrênica. Eles gostaram tanto de Croc que até deram uma notinha sobre ele no campo do que estava em alta naquele mês...
... alem de dizer que atropelamentos em videogames não tem graça, tá né? Só que eles gostaram tanto da qualidade do jogo, mas tanto... que nem chegaram a fazer uma matéria sobre ele. Ele apenas ganha meia página quando saiu a versão de PC, vários meses depois, enquanto essa versão do PS1 que ganhou um "power" de tão boa, cagaram pra ela.
E depois o louco sou eu!
UMA COISA NÃO ANULA A OUTRA
Tá, verdade...
MATÉRIA NA AÇÃO GAMES
Edição 122 (Dezembro de 1997)
Edição 128 (Junho de 1998)