domingo, 4 de fevereiro de 2024

[#1231][Jul/98] B.L.U.E.: The Legend of Water

Em 1992, um dos maiores crimes de ódio da história dos vidjagueimz ocorreu: algum arruaceiro, pestilento, gato polar da Sega estava jogando SONIC THE HEDGEHOG, o que já prova que a pessoa não estava bem intencionada, quando entre o baseado 478 e o 525 pensou "hey, sabe aquela fase da água de SONIC THE HEDGEHOG que todo mundo detesta e terá sindrome do panico só de ouvir a música dela mesmo muitas decadas depois? Então, E SE, veja bem, E SE a gente fizesse um jogo inteiro só dessa fase da agua?"

Essa, é claro, se provou uma das ideias mais CRIMINOSAS da história dos vidigueims, porém foi exatamente o que aconteceu e assim nasceu a abominação contra a humanidade conhecida como ECCO THE DOLPHIN. Sim, algum DEGENERADO decidiu fazer um jogo inteiro que não é nada senão uma infinita fase da água. Alias jogo não, uma franquia inteira pq o universo me odeia dessa forma.


Mas tá, pq eu to falando isso? Bem, em primeiro lugar pq esse foi um dos momentos mais sombrios da minha carreira gamer e eu ainda acordo gritando no meio da noite em pavor devido aos horrores que eu sofri e que humano nenhum deveria de ter passado por isso, mas também porque em 1998 alguém teve uma ideia muito, muito parecida.

Veja, o que acontece é que algum cidadão pouco cristão da CAProduction (mais conhecidos pelo pouco conhecido HAGANE de Super Nintendo) estava jogando TOMB RAIDER 2 Starring Lara Croft e pensou "hãn, interessante essa fase embaixo d'água, e se eu fizesse um jogo inteiramente sobre isso?"

Ao que, obviamente, minha reação foi:


Deus. Quando eu fecho meus olhos eu ainda posso ver... os labirintos... a falta de ar... eu posso ouvir o barulho do sonar no chip de som do Mega Drive soa como um diabo da Tasmania com escorbuto preso dentro de uma lata de Nescau... aquele som, vai me assombrar até o meu último suspiro neste mundo amaldiçoado que drena toda alegria de viver.

Não. De novo não, vocês não podem fazer isso comigo, não não não não, tudo menos isso, por favor, ECCO THE DOLPHIN tudo de novo não, eu te imploro, eu já sofri o suficiente e mesmo sendo a pior pessoa do mundo não existe crime na face da Terra que justifique ter que passar por isso uma terceira vez! Não, tudo menos isso, tudo menos ECCO THE DOLPHIN mais uma vez!

ESCUTA, EU SEI QUE ESSE É TODO O PONTO DA TUA PERSONA, MAS... TU NÃO ESTÁ SENDO MEIO DRAMÁTICO?

Bem, na verdade estou. Por mais inacreditavel que pareça, especialmente partido dessa premissa, Azul: A Lenda da Agua não é ruim. Na verdade, é um jogo bastante bom no que ele se propõe a fazer.
Literalmente a primeira coisa que o jogo diz é "FILHA DO DINOSSAURO". Se isso não prendeu sua atenção, você já está morto por dentro

Apesar do conceito do jogo realmente evocar todo tipo de trauma em mim que ECCO THE DOLPHIN deixou (essa parte não é exagero), esse jogo tem sim algumas coisas a seu favor. Em primeiro lugar, ele é baseado em não apenas uma fase MUITO melhor que a fase da água de SONIC THE HEDGEHOG... até pq poucas coisas na vida não são... como no texto sobre TOMB RAIDER 2 Starring Lara Croft eu elogiei bastante como os desenvolvedores usaram as limitações do PS1 para criar um ambiente subaquatico muito convincente nas fases do naufragio da Maria Doria.

O outro motivo que impede que esse jogo seja uma profissão de sofrimento e dor é que os seus desenvolvedores não nutrem um ódio patológico contra a raça como é o caso de ECCO THE DOLPHIN.  Pra começar, nossa protagonista Maya possui um folego sobrehumano e consegue prender a respiração por vários minutos.

O sistema de movimentação desse jogo é estranho, mas não é terrível: vc precisa bombear quadrado pra ganhar velocidade (a barra verde), mas uma vez que você atingiu a velocidade que vc quer pode segurar quadrado pra avançar. Eu achei a parte de acelerar desnecessária mas não atratapalha, agora se tivesse que ficar bombeando quadrado o tempo todo... puta merda, que ideia ruim, né não SHINING WISDOM?

Graças a sua capacidade de armazenar ar que causaria inveja a uma baleia branca somada a um level design que coloca bolsões de ar para respirar com certa regularidade, isso faz com que a coisa de acabar o ar mais uma ferramenta do design do jogo para causar tensão ao jogador nos momentos adequados do que algo criado meramente para punir o jogador por ter cometido o erro de jogar esse jogo.

O que eu particularmente gostei nesse recurso é que ele também funciona como sua uma barra de energia: tomar dano tira uma parte do seu medidor de oxigênio, o que reduz a quantidade de tempo que você pode ficar debaixo d’água. Isso aumenta a sensação de tensão sem levar a momentos frustrantes porque os inimigos e as armadilhas não são tão abundantes assim. 

A manobrabilidade é bastante okay, melhor que a fase da agua de TOMB RAIDER 2 Starring Lara Croft até 

E ainda sim, tomar dano não é o fim do mundo porque você sempre pode nadar até a superfície para reabastecer o medidor de oxigênio. O jogo faz um excelente trabalho ao fornecer ar suficiente para que você possa explorar e tempo suficiente para nadar de volta e reabastecer o medidor de oxigênio sem deixar de ter momentos tensos em que vc nada desesperadamente o mais rápido possível para conseguir chegar até um bolsão de ar. 

Então enquanto esse jogo é sim, tecnicamente, "fase da agua the game", na prática não é tão ruim assim. Eu diria que, nesse sentido, Blue tem mais em comum com DEEP FEAR do que com a abominação conhecida como ECCO THE DOLPHIN.


A outra coisa que depõe a favor desse jogo é que seus puzzles são... bastante interessante, até. As ruínas subaquaticas são onde ocorre a maior parte das partes de ação do jogo ocorrem e como esperado vc tem que destrancar portas, ativar interruptores e colocar as coisas na ordem correta - um dos puzzles nesse jogo envolve empurrar os ponteiros de um grande relógio de pedra para destrancar portas, algo que esperaria ver em algum jogo de TOMB RAIDER e isso é algo positivo.

Porém o que dá o salto extra, o que realmente torna esse jogo diferente é seu companheiro golfoso que atende pelo nome de Luka e mora no segundo andar, para quem você pode emitir um de quatro comandos. O modo de pesquisa faz com que Luka aponte coisas interagiveis no ambiente - que você pode ter deixado passado passar apenas de olho. O modo Cooperação faz com que Luka te ajude a empurrar objetos pesados, o modo de espera faz com que Luka permaneça parado no mesmo no lugar (o que é útil para puzzles que um interruptor precisa permanecer apertado) e o modo de escolta é usado para atrair inimigos para longe de Maia. 

Quando Luka acha alguma coisa ele não apenas sai de perto de vc e ... golfeia? Sei lá como se chama o som que o golfinho faz... mas o marcador dele brilha colorido. O mesmo quando ele tá baitando um inimigo pra longe de vc. Essa é uma qualidade de vida muito útil no jogo quando vc tá prestando atençao em outras coisas

Agora, tenho que dizer que me surpreendi que emitir os comandos funciona bem e não tem muitos momentos em que Luka não execute uma ação imediatamente. Quando eu entendi como esse jogo ia funcionar, eu totalmente estava esperando uma versão abaixo do ideal deste sistema onde Luka ignoraria comandos ou demoraria muito para executar uma ação. Do contrário, a IA desse jogo é surpreendentemente cooperativa, como se os produtores estivessem preocupados que a mecanica central do seu jogo tivesse que ser divertida e funcional ao jogador, que ideia louca!

Na verdade, uma versão menos otimizada dessa mecanica tornaria a resolução de puzzles algo tedioso e inevitavelmente insuportável a longo prazo, então no geral, achei o sistema de parceria bem feito e gostei de descobrir qual dos quatro comandos (se algum) me ajudaria a resolver um quebra-cabeça.

Como diria a grande filosofa dos nossos tempos, a Flor do Mario, "Respira, não pira"

Então temos um jogo onde a exploração de dungeons funciona, as mecanicas funcionam e o jogo não é cagado com a furia de mil sóis amarelos devido a ser embaixo dagua. O que mais eu poderia pedir desse jogo? Bem, ele ter uma história interessante certamente ajudaria... e ajuda, pq ele tem, veja só você!

Nossa história aqui gira em torno da já citada Maia, que é filha do chefe de uma expedição subaquatica que está explorando recem descobertas ruínas supostamente lemurianas (você sabe, o povo que teria sido rival de Atlantida e teria uma civilização perdida no oceano Pacífico ao invés dos seus rivais mais famosos do oceano Atlantico). Quando Maia começa a ter sonhos recorrentes com as ruínas, ela decide ir visitar seu bom e velho pai-pai na estação e é óbvio que ela decide se meter de pato a ganso e ir até as ruínas - que então respondem a presença dela, abrindo portas e ativando glifos especiais para ela.

No modo visual novel você escolhe a sala onde vai ir nessa planta da base e então pode interagir para desenrolar o dialogo se tiver esse icone de ???

Isso é mais interessante pq a questão mecanica do jogo de Maia ter o folego de 15 homens adultos não é apenas uma "colher de chá" que os desenvolvedores estão te dando para você jogar sem precisar enlouquecer com o ar, é parte da narrativa do jogo. Não é coincidencia que Maia se sentiu atraída para as ruínas, não é coincidencia que o pai dela é o chefe pesquisador das ruínas e não é coincidencia que ela consiga prender o seu folego por mais tempo do que 1817 golfinhos asmáticos de um certo jogo de Mega Drive aí. Tudo isso é parte da narrativa do jogo.

Adicione a isso criaturas estranhas, alguma intriga política leve e, finalmente, uma conspiração de “alieníginas do passado” e coisas do nível destino da humanidade, e temos uma história bem interessante que não dura mais do que deveria durar. O que nos leva a segunda parte da mecanica do jogo: a estação de pesquisa subáquitica funciona essencialmente como uma visual novel.

Quando não está explorando ruínas em 3D, você tem o controle de Maia na estação mas não exatamente: ao invés de mexer o bonequinho, você escolhe em que sala ela vai e dentro da sala tem algumas limitadas opções de interação que dão ou não opções de dialogo. Como em uma VN, visitar os locais certos e falar com as pessoas certas desenrola a história e até para aqueles que procuram um motivo para jogar mais de uma vez, existem há cinco pontos de ramificação ao longo da história que mudam o final dependendo de com quem você fala e quando dentro da estação.


- Pai, olha o que a sua filha de 16 anos encontrou saindo pra nadar no fundo do oceano sem tanque de ar numa ruína de milhares de anos que provavelmente pode desabar a qualquer momento!
*KABLAU*
- Tu é retardada, guria?!?

A narrativa desse jogo sabe prender minha atenção, tenho que dar isso a eles!

Sabe, quanto mais eu penso sobre isso, menos eu consigo pensar em algo que A.Z.U.L. Legendas da Agua faz de realmente errado, o que para mim é empalicedor diante de um jogo que eu esperava ser ECCO THE DOLPHIN 3D, especialmente um onde vc depende de dar comandos a uma IA de PS1. É a receita do desastre, se for colocar no papel assim. 

Só que Legend of Water evita isso tendo controles suficientes e um parceiro de IA confiável. Os puzzles são justos e nunca frustrantes, o medidor de oxigênio é bem equilibrado porque não faz com que estar debaixo d'água seja uma corrida constante contra o tempo porém sem deixar de adicionar uma certa tensão. E com apenas cinco capítulos e dois locais principais, o jogo não demora mais do que deveria, ele termina antes de ficar arrastado e isso é uma coisa extremamente positiva (que DEEP FEAR deveria ter aprendido uma lição, pq aquele segundo CD sem or...). 

Agora quem teve a ideia de colocar uma opção de voltar para a base de qualquer lugar do mapa (não funciona dentro de dungeons) tem um lugar garantido no céu, isso é certo

Adicione a isso uma história que incorpora elementos que pareciam ser apenas "isso é só mecanica de jogo, não conta pra história" (algo que muitos jogos fazem) e temos um jogo surpreendentemente bom que merece mais do que apenas uma nota de rodapé na vasta biblioteca de jogos do PlayStation. Tenho certeza que não fosse o fato do jogo nunca ter sido lançado fora do Japão (e eu totalmente entendo pq ninguém quis bancar a adaptação de uma visual novel/walking simulator sem combate no ocidente dos anos 90), seria um clássico do PS1.

Felizmente esse jogo recebeu uma tradução de fãs em dezembro de 2022, e como chegou a vez de jogar ele em janeiro de 2024 foi uma janela relativamente pequena que eu quase perco de jogar esse jogo. Estou bastante feliz que o tenha feito, entretanto, pq B.L.U.E. é um jogo que sabe o que está fazendo e faz tudo certinho.

Quer dizer, tudo exceto esse título pretencioso em acronimo. Mas então, ele ganhou créditos o suficiente comigo para eu deixar passar dessa vez.

MATÉRIA NA AÇÃO GAMES
Edição 132 (Outubro de 1998) 

MATÉRIA NA GAMERS
Edição 033 (Agosto de 1998)